Quem são os juízes que decidirão o futuro de Lula nesta semana
Victor Laus, João Pedro Gebran Neto e Leandro Paulsen, da 8ª Turma do TRF-4, vão julgar na quarta-feira recurso do ex-presidente à condenação de Sergio Moro; veja o perfil dos desembargadores.
Os três desembargadores da 8ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) nasceram num intervalo de sete anos, entre 1963 e 1970. Nesse mesmo período, o pernambucano Luiz Inácio Lula da Silva foi de torneiro mecânico diplomado pelo Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai) do Ipiranga, em São Paulo, a suplente da diretoria do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo e Diadema.
Os quatro são os personagens mais importantes do julgamento de quarta-feira, no qual a 8ª Turma, órgão de recursos da Operação Lava Jato, apreciará a apelação de Lula à condenação do juiz da 13ª Vara Federal de Curitiba, Sergio Moro.
A trajetória do réu já foi narrada da literatura de cordel ao cinema. As dos julgadores permanecem, em grande medida, restritas às notas oficiais e pronunciamentos solenes do Judiciário.
A seguir, a BBC Brasil conta um pouco das vidas dos desembargadores Victor Laus, João Pedro Gebran Neto e Leandro Paulsen:
Victor Laus
Mais velho dos três desembargadores da 8ª Turma, Victor Luiz dos Santos Laus tinha um ano de idade quando o pai foi preso.
As razões da prisão do advogado Linésio Laus, em Joaçaba (SC), foram políticas. Era abril de 1964, e ele ocupava posição de destaque no regime sepultado dias antes pelos militares. Era ligado ao Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), do presidente deposto, João Goulart, e ocupava o cargo de delegado estadual da Superintendência de Valorização Econômica da Fronteira Sudoeste, um dos principais postos de confiança do governo federal na região Sul.
A prisão foi mencionada indiretamente na posse de Laus no TRF-4, em fevereiro de 2003. O desembargador encarregado de saudá-lo referiu-se a "tempos difíceis para a família Santos Laus" após abril de 1964.
Linésio figura entre 679 catarinenses detidos pela ditadura militar em lista elaborada pela Comissão Estadual da Verdade de Santa Catarina. Em 2011, o advogado ingressou com ação na Justiça Federal de Santa Catarina para obter indenização da União em razão de perseguição política e tortura durante o regime militar. Sustentou que, além da perda do cargo, fora impossibilitado de trabalhar como advogado até os anos 1980. Foi parcialmente vitorioso na primeira e na segunda instâncias, e, em 2015, a União havia recorrido do acórdão do TRF-4 junto ao Superior Tribunal de Justiça (STJ). A reportagem telefonou para o escritório da família, em Balneário Camboriú, mas não obteve resposta.
Os reveses políticos não abalaram os vínculos dos Laus com Joaçaba, onde Victor Luiz, quarto dos cinco filhos de Linésio e da dentista Wanda dos Santos Laus, nascera em março de 1963. Quando o município completou 50 anos de emancipação, em 1967, o advogado assinou um dos textos da publicação comemorativa. Pouco depois, a família trocou o oeste catarinense por São Paulo, onde Victor Luiz iniciou os estudos no Instituto Mackenzie. Retornaria ao município mais de três décadas depois como procurador da República. O cartorista Clóvis dos Santos, 77 anos, lembra-se dele na infância: "era guri, andava pela cidade com o pai", diz.
A veia jurídica não corre apenas pelo lado paterno. A mãe de Laus é neta de Domingos Pacheco d'Ávila, diplomado pela prestigiosa Faculdade de Direito de Recife ainda sob o Império e cofundador do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, em 1891. "Este Victor lembra muito meu sogro (D'Ávila)", dizia o pai de Wanda, Ernani Sayão dos Santos.
Foi no Ministério Público que Laus deu os primeiros passos no Direito. Formado pela Universidade Federal de Santa Catarina em 1986, foi aprovado no mesmo ano em concurso de promotor. Durante "seis ricos e memoráveis anos", em suas próprias palavras, atuou em sete municípios catarinenses. Passou outros seis na condição de procurador da República concursado, e mais quatro na de procurador regional da República.
Em 2003, prestes a completar 40 anos, 16 dos quais como promotor e procurador, Laus tomou posse como desembargador federal no TRF-4 em vaga do chamado quinto constitucional, reservada a indicados pelo Ministério Público e pelos advogados. "Quem esquece seu passado, com certeza, perde o rumo do futuro", disse Laus ao tomar posse.
Decano da 8ª Turma, Laus sempre foi visto por advogados como "duro", jargão que designa o juiz rigoroso ao imputar penas, e não apenas em processos da Lava Jato. Em julgamentos recentes de recursos de decisões do juiz Sergio Moro, da 13ª Vara Federal de Curitiba, porém, advogados de defesa têm voltado os olhos para o catarinense na esperança de uma postura mais ponderada. Parte dessa expectativa deve-se ao fato de ele ser o último a ler o voto em casos da Lava Jato.
"Não imagino que o desembargador Laus profira voto sem aguardar o posicionamento de um colega que tenha pedido vista", diz um advogado envolvido no caso, pedindo anonimato.
João Pedro Gebran Neto
Se Laus tem sido apontado, no jargão jurídico, como o mais "garantista" (alusão às garantias fundamentais expressas na Constituição) da 8ª Turma, a aura de maior severidade é atribuída ao relator.
A amizade de décadas entre João Pedro Gebran Neto, 52 anos, e Moro contribui para reforçar essa impressão. A defesa de Lula já invocou em ação a proximidade dos dois para sustentar que o desembargador não poderia decidir se o juiz é suspeito ou não para julgar o ex-presidente. Gebran julgou e rejeitou a substituição, argumentando que a amizade é "juridicamente irrelevante".
Essa percepção é reforçada por quem conhece os dois. Quando o hoje juiz federal Anderson Furlan assumiu como analista judiciário concursado no Paraná, em 1998, ficou lotado na 2ª Vara de Execuções Fiscais, em Curitiba. Moro, que havia sido seu veterano no Curso de Direito da Universidade Estadual de Maringá, estava à frente da Vara havia dois anos. Removido para Cascavel, Moro indicou Furlan ao colega que assumira a vizinha 11ª Vara Federal. Assim, o analista conheceu Gebran.
"Havia na vara um processo sobre índios, do início da década, que não andava. Ele falou: 'Preciso pegar esse processo'. E conseguiu. É uma característica dele em qualquer situação: encarar o que é mais difícil e chegar a uma solução", afirma Furlan, hoje juiz titular da 5ª Vara Federal de Maringá.
Descendente de árabes, Gebran compartilha com a comunidade migrante o apreço pela caridade. Segundo Furlan, no final dos anos 1990 o juiz costumava acordar às quartas-feiras por volta de 4h a fim de participar de mutirões que levavam sopa a moradores de rua. Quando foi presidente da Associação Paranaense dos Juízes Federais, implantou um pecúlio em benefício de familiares de magistrados falecidos.
O ambiente familiar pesou na escolha de Gebran pelo Direito. O pai, Antonio Gebran, foi advogado em Curitiba e diretor-geral da Assembleia Legislativa do Paraná. Os mais próximos lembram-se de encontrá-lo, acompanhado do filho João Pedro, em jogos do Coritiba, time do coração, no Estádio Couto Pereira.
"O pai do desembargador Gebran foi um grande advogado, de bom trato, educado. O filho manteve essas características", afirma Jacinto de Miranda Coutinho, professor titular de Direito da Universidade Federal do Paraná e orientador de João Pedro no curso de especialização em Ciências Penais.
Na faculdade, Gebran consolidou características de liderança. Representava os estudantes em debates acadêmicos e disputou vaga de orador da turma formada em 1988 (foi o segundo mais votado). O ex-colega Nivaldo Brunoni, hoje juiz federal da 23ª Vara Federal de Curitiba, é grato ao amigo por incentivá-lo a trilhar a carreira de juiz.
"É inimaginável que Gebran profira uma sentença motivado por razões políticas. O processo não poderia estar em melhores mãos", opina Brunoni.
Gebran teve passagem pelo Ministério Público, como promotor de Justiça no Paraná. O ingresso na magistratura federal ocorreu em 1993, dez anos antes de chegar ao TRF-4 como desembargador federal. Nesse período, escreveu livros e artigos e se tornou especialista em judicialização da saúde. "Ele se preocupa em escrever de forma que a parte entenda. 'Escreva para o ser humano', me ensinou", relembra Furlan.
Leandro Paulsen
Aos 47 anos, Leandro Paulsen, que acumula as funções de presidente e revisor da 8ª Turma, é o mais jovem do trio. Porto-alegrense de nascimento, apreciador de churrasco e torcedor do Internacional, formou-se em 1992 pela hoje Escola de Direito da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), onde é professor.
Magistrado federal desde 1993, atuou por quase dois anos como juiz auxiliar da então ministra Ellen Gracie no Supremo Tribunal Federal (STF). Dotado de "disciplina prussiana", segundo um amigo, publicou dezenas de livros em autoria ou coautoria, a maioria sobre direito tributário.
Na obra mais recente, Crimes federais, publicada em 2017, Paulsen incursiona pela matéria à qual se dedica como desembargador. Na introdução, homenageia os dois colegas da 8ª Turma: "Tiveram (Laus e Gebran) a paciência de compor, com um tributarista, a Turma penal. Foram e são meus professores nesta matéria". Refere-se também ao processo mais rumoroso da história do TRF-4, elogiando o trabalho dos profissionais envolvidos na Lava Jato, entre eles "o operoso juiz federal Sergio Moro". É visto entre os advogados como magistrado de perfil técnico e severo.
"Em poucos anos, ele produziu uma obra sobre a área criminal. Não é toda hora que se vê desembargadores publicando livros sobre suas esferas de atuação", comenta Arthur Ferreira Neto, coordenador do Núcleo de Direito Público da Escola de Direito da PUCRS e colega de Paulsen.
Uma citação atribuída ao espanhol Ortega y Gasset é reproduzida com frequência por Paulsen em seus livros: "A clareza é a cortesia intelectual". O filósofo quis dizer que escrever de forma obscura é menosprezar o leitor. Vindo do revisor dos processos da Lava Jato, o dito reforça a promessa de decisões redigidas de forma compreensível por todos os brasileiros.