Questionada por Bolsonaro, morte de cacique espalha medo nos wajãpi
Presidente põe em dúvida assassinato no Amapá após invasão de garimpeiros, enquanto ONU condena fatalidade. Para indígenas, acirramento da tensão na floresta é reflexo do discurso de Bolsonaro em apoio à mineração.Ao lado de policiais federais e militares, Jawaruwa Wajãpi acompanha a operação em busca dos invasores que mataram o líder indígena Emyra Wajãpi, de 68 anos, na Terra Indígena (TI) Wajãpi, no Amapá. Quase uma semana após o crime, agentes estiveram nesta segunda-feira (29/07) no território onde o corpo do cacique foi encontrado, a cerca de 300 quilômetros da capital, Macapá.
Segundo os indígenas, Emyra teve uma morte violenta. Foram eles que deram o alerta às autoridades e encontraram vestígios de que o crime fora cometido por garimpeiros ilegais, em meio a uma invasão à região demarcada.
"Todas as famílias wajãpi estão com medo de sair para caçar, pescar e buscar outras coisas e necessidades", diz Jawaruwa à DW Brasil, direto da aldeia Aramira, uma das 49 localizadas dentro da TI. "Os invasores estão escondidos aqui dentro."
Em nota, o Conselho das Aldeias Wajãpi (Apina) informou que, após uma reunião com a Fundação Nacional do Índio (Funai), os policiais deixaram a TI e alegaram não ter condições de dar continuidade às buscas pelas dificuldades de deslocamento e alimentação.
"O delegado falou que vai estudar a região ao redor da aldeia através de imagens de satélite, para verificar se tem sinais de garimpos. Se as imagens mostrarem sinais, vão fazer sobrevoos para verificar", acrescenta o texto do conselho.
Segundo Jawaruwa, primeiro vereador da etnia eleito no município de Pedra Branca do Amapari (AP), onde o território está localizado, os indígenas continuarão procurando os invasores, que estariam armados, mesmo sem a ajuda da polícia.
Jawaruwa foi um dos que fizeram com que a notícia do assassinato de Emyra ganhasse o mundo. "[O cacique] era uma liderança com uma luta histórica pela demarcação e homologação da TI", escreveu ele à DW Brasil. "Perdemos um sábio do nosso povo."
A morte do líder indígena repercutiu na mídia internacional e provocou reações mundo afora. Para Michelle Bachelet, alta comissária da ONU para Direitos Humanos, o assassinato seria um "sintoma perturbador do crescente problema de invasão de terras indígenas - especialmente florestas - por garimpeiros, madeireiros e agricultores no Brasil".
Em nota, Bachelet pediu firmeza nas investigações. "Peço ao governo do Brasil para reconsiderar suas políticas para os povos indígenas e suas terras, para que o assassinato de Emyra Wajãpi não prenuncie uma nova onda de violência com o objetivo de expulsar as pessoas de suas terras ancestrais e permitir mais destruição da floresta tropical", afirmou ela, destacando também o papel da Amazônia no combate às mudanças climáticas.
A Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), por sua vez, manifestou "preocupação com as informações recebidas sobre a possível presença de invasores armados no território do povo Wajãpi, Amapá". "Solicitamos a devida diligência do Estado brasileiro para proteger e prevenir possíveis violações de seus direitos humanos", escreveu o órgão no Twitter.
Bolsonaro questiona assassinato
Enquanto isso, em Brasília, o presidente Jair Bolsonaro põe em dúvida o assassinato de Emyra Wajãpi. "Não tem nenhum indício forte que esse índio foi assassinado lá. Chegaram várias possibilidades. A PF está lá, quem nós pudermos mandar nós já mandamos. Buscarei desvendar o caso e mostrar a verdade sobre isso aí", disse ele nesta segunda-feira.
Em declaração a jornalistas, o presidente também voltou a expressar sua intenção de legalizar o garimpo. "Inclusive para índio. Ele tem que ter o direito de explorar o garimpo na sua propriedade, porque a terra indígena é como se fosse propriedade deles."
Para Bolsonaro, ONGs e outros países são contrários a essa medida porque querem ver os indígenas presos em um "zoológico", como se fossem "animais pré-históricos".
Kleber Karipuna, representante da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab) no estado do Amapá, diz que não consegue entender o porquê dessa "repulsa à questão indígena e aos índios do Brasil" que Bolsonaro demonstra ter.
O posicionamento do presidente representaria o interesse do setor privado, principalmente da mineração. "Ele faz essas falas sobre liberação do garimpo para ganhar a opinião pública e conseguir passar essa ideia de aprovar mineração em terra indígena. Mas ele precisa do Congresso, e a gente está se preparando para o debate", afirma.
Ameaça antiga
Demarcada em 1996, a Terra Indígena Wajãpi tem atualmente cerca de mil moradores e acumula casos antigos de garimpeiros invasores. "Toda a região do Amapá e norte do Pará tem uma presença forte de garimpo ilegal", afirma Luis Donisete Grupioni, coordenador executivo do Instituto Iepé de Pesquisa e Formação Indígena.
Nos anos 1980, invasões do tipo provocaram mortes de indígenas e trouxeram doenças. "Tem um esforço muito grande dos indígenas no sentido de ocupar todo o seu território para fazer o monitoramento e vigilância dos limites para que não haja invasões", diz o coordenador do Iepé, que desenvolve projetos com os wajãpi há 17 anos.
Desde o início do ano, lideranças indígenas de várias etnias relatam o aumento do garimpo ilegal principalmente nas terras ocupadas pelos yanomami (em Roraima e no Amazonas) e pelos kayapó e munduruku (no Pará).
"Esse aumento e a morte de Emyra são reações diretas ao posicionamento do presidente Jair Bolsonaro [de apoio ao garimpo em terras indígenas]. Ele não está nem aí para o que vai acontecer lá na ponta, se haverá conflito entre garimpeiros e índios, se alguém vai morrer", denuncia Kleber Karipuna.
Bolsonaro e seu passado garimpeiro
O garimpo faz parte da história de Bolsonaro. Em 2018, quando era ainda deputado federal, ele declarou que "o garimpo está no sangue". Ao receber um representante de garimpeiros da Serra Pelada na Câmara dos Deputados, em Brasília, Bolsonaro lembrou que o pai dele também esteve na região em busca de ouro.
"Sempre tinha no meu carro um jogo de peneira e uma bateia. Sempre que possível, eu parava num canto qualquer para dar uma faiscada", disse ele num vídeo gravado enquanto recebia um abaixo-assinado pedindo apoio à atividade garimpeira.
Bateia, a que Bolsonaro se refere, é um instrumento usado por quem busca ouro e diamante mais comumente em rios. Com um formato que lembra um chapéu vietnamita, o objeto ajuda a separar, por diferença de densidade, os metais preciosos do sedimento.
O livro O cadete e o capitão: A vida de Jair Bolsonaro no quartel, de Luiz Maklouf Carvalho, recupera o episódio em que Bolsonaro foi a um garimpo no interior da Bahia durante suas férias em 1983. Segundo o advogado do agora presidente, citado no livro, a atração pelo garimpo significava "desejo de avançar e progredir".
Os indígenas também não são alvo recente de Bolsonaro. Ainda em campanha durante a corrida presidencial, ele declarou que, se vencesse, não haveria mais "nenhum centímetro demarcado para reserva indígena ou para quilombola".
Um dos primeiros decretos assinados por ele depois de assumir a Presidência retirou a competência da demarcação de terras indígenas da Funai e do Ministério da Justiça, e a repassou para o Ministério da Agricultura - o que foi depois revertido por ação do Congresso.
Em evento na semana passada em Manaus, Bolsonaro disse que busca apoio de países ricos para explorar minério em terras indígenas. "Ele vem enfatizando isso, e faz isso sem respeito à legislação brasileira", afirma Karipuna, da Coiab.
Segundo a Constituição, indígenas têm posse permanente sobre as terras que ocupam tradicionalmente, assim como o direito de usufruto exclusivo sobre seus recursos naturais. Além disso, a lei diz que a União tem o dever de proteger e fazer respeitar todos os seus bens. Ou seja, cabe ao Estado reprimir invasões, fiscalizar as terras indígenas e garantir a esses povos a segurança dentro de seus territórios.
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