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"Rachadinha" de salário de servidores bancou imóveis e loja de chocolates para Flávio Bolsonaro, diz MP

19 dez 2019 - 20h29
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Um esquema de desvio de salários de funcionários do gabinete do então deputado estadual Flávio Bolsonaro, atual senador e filho do presidente Jair Bolsonaro, bancou a compra de dois apartamentos em Copacabana e a participação do parlamentar na sociedade de uma franquia de uma rede de chocolates, afirmam promotores do Rio de Janeiro.

Senador Flávio Bolsonaro durante cerimônia em Brasília
20/03/2019 REUTERS/Adriano Machado
Senador Flávio Bolsonaro durante cerimônia em Brasília 20/03/2019 REUTERS/Adriano Machado
Foto: Reuters

As alegações constam no pedido de busca e apreensão aceito pela Justiça do Estado na quarta-feira e obtidos pela Reuters.

O MP do Rio sustenta que Flávio não tinha recursos para bancar todas essas aquisições. Para tanto, afirmam, foi montada uma complexa rede de crimes. Primeiro, a apropriação dos salários dos servidores, a chamada rachadinha, era operada principalmente pelo ex-assessor Fabrício Queiroz, que geralmente manejava saques e depósitos dos recursos em espécie.

Um exemplo disso, de acordo com o MP, é que Queiroz recebeu 2 milhões de reais em 483 depósitos feitos por servidores do gabinete de Flávio na Assembleia Legislativa do Rio (Alerj).

Depois esses recursos desviados foram usados, ainda de acordo com os promotores, para custear despesas e investimentos feitos por Flávio e familiares. Um dos casos relatados à Justiça refere-se à participação dele na sociedade em uma loja de uma franquia que vende chocolates.

Mesmo sem recursos, o então deputado entrou como sócio no empreendimento e começou a ter um lucro mais rápido que o comum e em valores acima de seu sócio, cujo MP suspeita se tratar se um laranja. Ocorreu ainda, conforme as investigações, depósitos e saques expressivos das contas da empresa.

Para os promotores, havia uma mistura dos salários dos servidores com o objetivo de lavar dinheiro produto do crime de apropriação desses recursos e dar ares de legalidade a esses recursos.

"Evidentemente, o destino final dos recursos ilícitos não era o empreendimento comercial, mas sim dar aparência lícita ao produto do crime de peculato (desvio de recursos públicos) antes do ingresso formal dos valores do patrimônio pessoal do parlamentar", dizem os promotores na representação à Justiça.

A empresa de Flávio foi um dos 24 endereços que foram alvos de busca e apreensão nesta quarta, determinados pela Justiça do Estado do Rio.

Em um vídeo distribuído pela assessoria de imprensa do senador, Flávio Bolsonaro disse que o objetivo da investigação do MP Rio é atingir seu pai, o presidente Jair Bolsonaro.

O senador disse que os 2 milhões de reais depositados por assessores na conta de Queiroz ocorreram ao longo de 12 anos e que foram efetuados principalmente por parentes dele.

"Ele já falou isso publicamente, que geria os recursos da família, que a família depositava o dinheiro na sua conta e ele fazia o que queria com o dinheiro. Eu não tenho nada a ver com isso", disse Flávio, no vídeo.

O senador também se defendeu do que considera ser "outra acusação" a de que ele recebeu um valor muito superior em lucros e dividendos do que seu sócio, em vez de o rateio ter sido feito pela metade para cada um.

"Mas é óbvio! Alguém tem alguma dúvida que eu levo muito mais clientes para a loja do que ele? Não é obviamente natural que na hora de distribuição dos lucros eu tenha uma parte maior? Qual o problema nisso? E aí já estão me acusando de lavar dinheiro na loja. Isso é um absurdo, uma leviandade!", protestou.

Outra frente de investigação do MP diz respeito ao que chamam de lucratividade excessiva na operação de compra de dois imóveis em Copacabana, um dos principais cartões postais do Rio.

Em uma das operações, um imóvel rendeu um lucro de 410 mil reais ao ser comprado em 2012 e vendido pouco mais de um ano depois --um ganho de 292% no período, ante 11% pelas tabelas do setor. Em outro, o lucro foi de 403 mil reais em menos de um ano --237% de proveito, ante 9% pelas projeções do mercado.

A dinâmica para a aquisição dos apartamento é semelhante ao que ocorreu na franquia da loja, isto é, o objetivo, segundo o MP, é lavar dinheiro. Segundo os promotores, Flávio e a mulher pagaram em dinheiro vivo e de forma ilegal 638,4 mil reais na compra dos imóveis, proveniente do esquema da rachadinha.

"No caso dos apartamentos em Copacabana ora analisados, a compra e revenda dos dois imóveis simulou ganhos de capital artificialmente produzidos em torno de 800 mil reais para Flávio Bolsonaro e sua esposa, dobrando ou quase triplicando de valor em pouco mais de um ano, com claro objetivo de lavar parte dos recursos em espécie obtidos ilicitamente através do esquema das 'rachadinhas' de servidores da Alerj através da incorporação ao patrimônio imobiliário do casal", dizem.

No vídeo, Flávio defendeu a compra dos imóveis. "Só porque eu consegui comprar um apartamento a um preço bom, eu estou lavando dinheiro com imóveis agora", rebateu, argumentando que adquiriu os apartamentos de investidores estrangeiros que estavam deixando o Brasil e que obteve um desconto por comprar dois apartamentos de uma só vez.

O juiz Flávio Itabaiana de Oliveira Nicolau concordou com as buscas e apreensão e quebras de sigilo bancário, fiscal e de dados telefônicos de uma série de envolvidos, como Fabrício Queiroz, de familiares da ex-mulher de Bolsonaro e do sócio de Flávio na loja de chocolates.

"Analisando os argumentos expedidos pelo Ministério Público, vê-se que há indícios de que houve a formação de uma organização com alto grau de permanência e estabilidade, composta por dezenas de assessores da Alerj, nomeados pelo ex-deputado estadual Flávio Bolsonaro, para a prática de crimes de peculato e lavagem de dinheiro", disse o magistrado, na decisão.

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