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'Reação da classe política no Brasil após invasões foi mais corajosa que nos EUA após Capitólio'

A avaliação é do brasilianista Christopher Sabatini, especialista sênior da Chatham House, instituto de política internacional baseado em Londres, em entrevista à BBC News Brasil.

10 jan 2023 - 15h58
(atualizado em 11/1/2023 às 11h06)
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Homem atira objeto contra policiais durante invasão de sedes dos três Poderes em Brasília
Homem atira objeto contra policiais durante invasão de sedes dos três Poderes em Brasília
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

A classe política brasileira demonstrou maior coragem na defesa da democracia após os ataques de Brasília no domingo (8/1) do que os republicanos americanos depois da invasão do Capitólio, em 2021.

A avaliação é do brasilianista Christopher Sabatini, especialista sênior da Chatham House, instituto de política internacional com sede em Londres.

Ele cita como exemplos do compromisso com a democracia o fato de que muitos governadores — mesmo os que fazem oposição ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), terem marchado com o presidente em direção ao prédio do Supremo Tribunal Federal (STF) na segunda-feira, um dia após a destruição de prédios públicos por manifestantes bolsonaristas.

Sabatini observa que até mesmo o governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha (MDB) — aliado do ex-presidente Jair Bolsonaro — acatou sem reservas a suspensão de 90 dias do cargo imposta pelo ministro Alexandre de Moraes, do STF.

Reações como essa não aconteceram nos Estados Unidos após a invasão do Capitólio. Na ocasião, muitos políticos republicanos se recusaram a criticar os manifestantes.

Sabatini avalia que Lula ganhou uma espécie de "lua-de-mel" entre políticos da oposição e do centrão para lidar com a grave crise que se estabeleceu após os protestos.

Por outro lado, os protestos tiram um pouco do capital político de Bolsonaro, que se vê mais isolado tanto dentro da política brasileira quanto internacionalmente. No entanto, o ex-presidente demonstrou que segue tendo forte apoio de sua base mais radical.

Confira abaixo a entrevista do especialista à BBC News Brasil.

BBC News Brasil: Lula prometeu unificar o Brasil, mas agora ele vai precisar prender e processar talvez centenas de bolsonaristas. É possível fazer as duas coisas simultaneamente: estabelecer paz e ordem ao Brasil?

Christopher Sabatini: É uma tarefa difícil. E ele precisa garantir que as pessoas sejam responsabilizadas pelo que foi claramente um ataque premeditado à democracia. E isso não envolve apenas as milhares de pessoas que marcharam e depois vandalizaram prédios do governo, mas também aqueles que podem ter apoiado implicitamente dentro do Estado, como policiais, por exemplo, ou governadores.

Por um lado, existe a busca por responsabilidade. Por outro, existe a questão de não querer inflamar ou transformar isso em uma caça às bruxas partidária.

Há ainda um terceiro elemento nisso. Lula precisa enfrentar uma série de desafios sociais e econômicos muito prementes, como o aumento da pobreza e da inflação e o problema fiscal.

O crescimento econômico é crucial para que Lula consiga unificar o país. Lidar com essa tentativa de golpe irá distraí-lo dessas outras questões sociais de longo prazo que são essenciais.

É uma espécie de desafio de três partes.

Acho que a marcha [realizada por Lula ao lado de governadores rumo ao Supremo Tribunal Federal na segunda-feira] é um sinal positivo. Ele tinha todos os governadores lá. Foi amplo, foi popular, foi uma manifestação de apoio à democracia. Acho que ele precisa tentar desafiar sistematicamente a ideia de que a eleição foi roubada.

Ele precisa mostrar determinação e compromisso com as instituições democráticas e não prolongar a permanência dos militares nas ruas em estado de emergência de uma forma que possa ser vista como desnecessariamente inflamatória. Mas ele tem que achar os responsáveis. Isso foi uma insurreição.

Militantes apoiadores de Bolsonaro quebraram janelas e destruíram parte das sedes dos três Poderes em Brasília
Militantes apoiadores de Bolsonaro quebraram janelas e destruíram parte das sedes dos três Poderes em Brasília
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

BBC News Brasil: Lula enfrentou enormes protestos no domingo, mas recebeu muito apoio de instituições, líderes estrangeiros e brasileiros em geral. O senhor acha que ele saiu fortalecido ou enfraquecido dos protestos?

Sabatini: Eu acho que, internacionalmente, o comprometimento e a reação rápida da mídia foram muito positivas [para Lula]. Acho que isso fortalece o Brasil se o país quer ser uma potência mundial e ser visto como um mediador nas relações internacionais.

O apoio a Lula e ao governo democrático é fundamental para isso. E acho que o protesto deu a ele uma espécie de período de lua-de-mel. O que está em jogo não é apenas uma questão partidária ou uma eleição disputada. Trata-se dos fundamentos da democracia: as instituições básicas, o Supremo Tribunal e o palácio presidencial.

E expõe um grupo de criminosos que não mostraram nenhum escrúpulo em destruir prédios do governo e belas obras de arte, seja a arquitetura de Oscar Niemeyer ou a arte pós-moderna que está lá.

Acho que isso permite a Lula levantar uma espécie de bandeira que pode unir alguns brasileiros. Mas a médio e longo prazo, ainda haverá um elemento marginal persistente e raivoso. Essas pessoas considerarão qualquer atitude de Lula como uma perseguição.

Eles vão continuar a fomentando a raiva. Especialmente se a situação econômica e social continuar derrapando ou até piorando. Isso fornecerá um solo mais fértil para os tipos de descontentamento que vimos. Mesmo que esse descontentamento seja construído sobre mentiras, desinformação e ódio, como vimos no domingo.

BBC News Brasil: A mesma pergunta poder ser feita sobre Bolsonaro. Ele mostrou no domingo que ainda tem milhares de apoiadores fieis. Mas os protestos causaram uma enorme reação negativa contra ele. O bolsonarismo saiu fortalecido ou enfraquecido dos protestos?

Sabatini: Acho que o bolsonarismo perdeu parte de seu apelo. As pessoas gostam de comparar o que aconteceu ontem com o dia 6 de janeiro [a invasão do Capitólio, nos EUA, em 2021]. Mas acho que neste momento os políticos brasileiros estão mostrando mais coragem em defender a democracia do que os republicanos dos EUA na época. E isso é positivo.

Líderes dentro do Brasil, como os governadores que marcharam com Lula, claramente estão dispostos a se opor ao desastre e ao horror que viram no domingo. Eu acho isso muito, muito positivo.

Acho que Bolsonaro perdeu alguns dos políticos que o apoiavam. Mas sua base principal — aqueles que permanecem profundamente leais e que acreditam que Lula é comunista e uma ameaça ao seu modo de vida — não vai mudar. Portanto, os protestos podem ter enfraquecido parte do apelo de Bolsonaro junto ao centro, e também seu discurso de lei e ordem.

As imagens de pessoas derrubando um policial do cavalo e destruindo propriedade pública deixam claro a caixa de Pandora que se abriu. Mas eu acho que para muitos de seus principais seguidores, o Brasil vive uma batalha entre o bem e o mal.

Manifestantes quebraram janelas ao invadir o Palácio do Planalto, protagonizando cenas que lembram a invasão do Capitólio dos EUA em janeiro de 2021
Manifestantes quebraram janelas ao invadir o Palácio do Planalto, protagonizando cenas que lembram a invasão do Capitólio dos EUA em janeiro de 2021
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

BBC News Brasil: O senhor acha que Bolsonaro perdeu um pouco do seu capital político?

Sabatini: Sim, ele perdeu parte de seu capital político, certamente entre os políticos democratas de qualidade. Até o governador do Distrito Federal aceitou ser suspenso com uma reação bastante apartidária.

Agora vamos ver o que os Estados Unidos decidem fazer. Mas vai ser difícil para vários líderes internacionais serem capazes de apoiá-lo da maneira que faziam antes - mesmo para elementos do Partido Republicano nos EUA.

BBC News Brasil: Voltando à política internacional, o que o senhor acha que o Brasil tem a ganhar com a demonstração de apoio que tem recebido?

Sabatini: Acho que o Brasil precisa aproveitar a preocupação internacional e o apoio que está recebendo. O Brasil precisa de investimentos e apoio para construir sua economia. Também os EUA e a UE e outros atores internacionais têm se mostrado dispostos a aplicar sanções do tipo Magnitsky [como são conhecidas sanções internacionais contra indivíduos] a indivíduos corruptos ou antidemocráticos em lugares como Rússia, Venezuela e Nicarágua.

Eu acho que o mesmo deveria acontecer no Brasil. Acho que quem for considerado culpado, seja em cargo público ou fora do país, precisa ser responsabilizado. Essa resposta internacional pode ajudar a demonstrar que Lula tem a legitimidade do voto popular de uma forma inegável e reconhecida em todo o mundo.

BBC News Brasil: Algumas pessoas levantaram a possibilidade de Bolsonaro ser expulso dos EUA. Essa é uma perspectiva realista?

Sabatini: Se for determinado que ele foi direta ou indiretamente responsável pelo que aconteceu, eu acho que ele deveria ser. Mas isso exige que o governo brasileiro peça uma extradição. Eu não sei de evidências contra ele. Mas acho que você não pode dar os fósforos às pessoas, a gasolina, apontar para uma casa e depois alegar que o incêndio criminoso não é sua culpa.

A declaração que Bolsonaro emitiu no Twitter [no domingo] foi OK. Claro, ele também fez falsas comparações descabidas com protestos do passado. Mas acho que se for determinado que ele teve responsabilidade nos protestos, a comunidade internacional deveria responder. Ele deveria ser extraditado e provavelmente deveria ter seu visto revogado e algum tipo de sanção Magnitsky global deveria ser aplicada.

BBC News Brasil: O senhor mencionou que isso dependeria de um pedido das autoridades brasileiras. Isso não seria explosivo demais em um contexto em que o Brasil está tentando encontrar um pouco de paz?

Sabatini: Seria. Mas esta é uma questão delicada. Você não quer permitir que Bolsonaro se faça de vítima, o que ele faz muito bem. Mas as pessoas têm que ser responsabilizadas por essa tragédia. Se as autoridades brasileiras puderem demonstrar alguma responsabilidade direta, acho que isso precisa ser feito.

O próprio Lula cumpriu pena na prisão — e não estou entrando no mérito de sua passagem pela prisão ou na forma como o processo foi anulado — mas Lula estava cumprindo pena por corrupção. Temos que exigir o mesmo nível de responsabilização pelos crimes agora. Neste caso, a insurreição é algo acima da disputa partidária.

BBC News Brasil: Estamos a cerca de um mês das eleições no Congresso. Como o senhor acha que os protestos afetaram a influência de Lula no Congresso? Ele perdeu ou ganhou deputados e senadores nesse processo?

Sabatini: Não acho que ele tenha ganhado ou perdido senadores, mas acho que ele ganhou a simpatia e uma espécie de lua-de-mel. Ficou difícil para muitos dos senadores do Centrão apoiar Bolsonaro. A menos que você seja um republicano dos Estados Unidos, é difícil justificar apoiar ou defender políticos que possam ser considerados, talvez indiretamente, responsáveis pela destruição de sua própria instituição.

BBC News Brasil: O senhor mencionou os desafios de Lula, como pobreza e inflação. Mas agora ele tem a tarefa urgente de lidar com as consequências dos protestos. Seu mandato ficou ainda mais difícil agora?

Sabatini: Sim. Ele enfrenta um dilema político histórico. E o país segue ainda muito dividido, embora eu ache que o bolsonarismo tenha sido deslegitimado em alguns setores. Ao mesmo tempo, ele está enfrentando uma pobreza crescente. Vai ser muito difícil administrar todos esses difíceis desafios estruturais, econômicos, sociais e políticos ao mesmo tempo.

BBC News Brasil: O STF demonstrou força ao determinar a prisão e investigação de centenas de pessoas, e a suspensão do governador do Distrito Federal. Essa concentração de poder em uma instituição ou em um juiz, no caso Alexandre de Moraes, é perigosa para a democracia brasileira?

Sabatini: Uma concentração semelhante de autoridade judicial ocorreu sob Sergio Moro. Portanto, existe um precedente. Eu acho que oscilações violentas de autoridade judicial em momentos de crise são um perigo. Isso aconteceu com Sergio Moro e corre o risco de acontecer agora. O desafio será lidar com esta investigação e os indiciamentos sem inflamar acusações de partidarismo por parte das instituições.

Isso precisa ser diferente de como foi, por exemplo, na tentativa pós-golpe na Turquia, onde Erdogan aproveitou aquela oportunidade para fazer uma caça às bruxas. Eu não acho que Lula faria isso, mas ele e o STF têm que evitar percepções de que estão aproveitando esse ataque à democracia para consolidar ainda mais seu poder.

Isso é um desafio muito difícil, principalmente pelos níveis de polarização e pelo fato de que Lula tem índices de reprovação ainda muito altos. Lula tem seus simpatizantes, mas também muita gente o apoia simplesmente porque ele não é o Bolsonaro.

Em 2021, mais de 3 mil pessoas participaram da invasão da sede do Congresso americano
Em 2021, mais de 3 mil pessoas participaram da invasão da sede do Congresso americano
Foto: Reuters / BBC News Brasil

BBC News Brasil: O que o STF fez até agora estaria dentro do comportamento democrático normal?

Sabatini: Sinceramente, não sei avaliar. Mas eu acho que as coisas precisam acontecer rapidamente. Havia uma enorme desconfiança sobre o governador do Distrito Federal e isso precisava de alguma resposta. E o governador lidou muito bem com a questão, dizendo "tudo bem, vou me afastar". Ele só foi suspenso por 90 dias. Acho que o desmantelamento dos acampamentos é uma coisa muito positiva. A questão agora é sobre a detenção e investigação das milhares de pessoas que invadiram os prédios do governo. Acho que a questão vai ser como isso será tratado.

BBC News Brasil: O senhor acha que existe um caminho para o Brasil ter paz no futuro? Ou a situação vai ficar ainda mais tensa e violenta?

Sabatini: Acho que precisa haver [um caminho para paz]. Isso vai exigir a presença de um político muito habilidoso. Vai exigir um esforço para reduzir a polarização partidária. Uma coisa preocupante, por exemplo, é o número de pessoas que estavam de vermelho [as cores do PT] nas marchas de ontem. Essa não é uma bandeira partidária. Ela precisa ser enquadrada como uma questão brasileira. E acho que isso deve ser feito também em cooperação com a comunidade internacional.

Felizmente, ao contrário de Bolsonaro, Lula é um político muito habilidoso. Espero que com suas habilidades e com a simpatia de grandes segmentos da população brasileira com as instituições democráticas e com a comunidade internacional em apoio às instituições democráticas, isso proporcione, pelo menos por enquanto, um ambiente positivo.

- Este texto foi publicado em https://www.bbc.com/portuguese/brasil-64226502

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