Restrição do foro privilegiado 'não resolverá o problema da impunidade', admite Barroso
Em entrevista à BBC Brasil, ministro do Supremo defende que entendimento sobre processos contra parlamentares já seja utilizado para casos envolvendo as demais autoridades.
O político é prefeito, depois se torna parlamentar, deixa o Congresso e volta a ser prefeito. E o processo penal acompanha todas as etapas dessa trajetória: vai de um tribunal a outro acompanhando o foro privilegiado de cada cargo. O resultado? Uma ação que passa anos tramitando sem jamais ser julgada.
A expectativa é que a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de restringir o foro privilegiado de parlamentares imponha um limite a este vaivém de processos que é comum no Brasil. O relator do caso, ministro Roberto Barroso, no entanto, diz à BBC Brasil que a decisão está longe de ser uma solução para a impunidade. Na verdade, segundo o magistrado, o principal efeito do novo entendimento é desafogar o Supremo, que atualmente reúne mais de 500 processos e inquéritos contra deputados e senadores.
"Essa decisão do Supremo resolve o problema do Supremo, de tirar decisões politicamente explosivas do seu colo e de não lotar o Supremo de centenas de processos criminais que não fazem parte da sua vocação institucional", disse o ministro, que esteve em Londres e em Oxford para participar do Brazil Forum UK, evento organizado por estudantes brasileiros no exterior.
Na quinta-feira, 3, o STF decidiu que parlamentares federais só serão julgados pelo tribunal no caso de crimes cometidos durante o mandato e relacionados ao exercício do cargo. Antes, o entendimento era de que a Constituição garantia o foro especial para qualquer tipo de crime, mesmo aqueles cometidos antes da posse.
"Ela (a decisão) não resolverá o problema da impunidade. O problema da impunidade no Brasil é um problema sistêmico, de um sistema processual penal muito ruim e de um país que adotou uma lógica procrastinatória. E todos participam dessa lógica procrastinatória, o juiz, o Ministério Público e a advocacia", criticou, em referência aos trâmites processuais burocráticos e às variadas possibilidades de recursos dos réus aos tribunais, que acabam retardando as decisões judiciais.
Embora classifique a decisão sobre foro de "importante" por "abolir um sistema de privilégios", ele argumenta que a garantia de punição efetiva a autoridades passa por uma mudança de "cultura" quanto ao significado do direito de defesa num processo judicial. Para ele, "devido processo legal" não pode ser encarado como processo que "não acaba nunca".
"Temos que romper com essa cultura (de procrastinação), tanto no penal quanto no cível. Processo tem que levar seis meses, um ano. Se for muito complicado, um ano e meio. E aí acaba", defendeu.
"Garantismo não significa que ninguém nunca seja punido por coisa alguma. Portanto, é uma questão cultural de práticas judiciárias arraigadas acostumadas a um sistema que funciona muito mal, quando funciona."
Alcance do foro
Uma das principais dúvidas geradas pela decisão do STF ao restringir o foro privilegiado para parlamentares é se o mesmo princípio vale para as demais autoridades, inclusive as julgadas em outros tribunais, como governadores e prefeitos. Para Barroso, sim.
Ele defendeu que os ministros do Supremo e outros tribunais adotem, a partir de agora, nos casos concretos, o entendimento de que o foro privilegiado só se mantém para crimes e improbidade administrativa cometidos durante o mandato e em razão do cargo público.
Processos contra ministros do Tribunal de Contas da União (TCU) que tramitam no Supremo ou de governadores que estejam no Superior Tribunal de Justiça (STJ), por exemplo, poderiam ser enviados pelos relatores à primeira instância se o réu ou investigado não tiver cometido o crime durante o mandato.
"Acho que nós estabelecemos um princípio, que é o princípio de que as pessoas devem ser beneficiadas pelo foro quando praticam um ato no cargo e em razão do cargo. Acho que esse princípio vale para todo mundo", afirmou à BBC Brasil.
"Portanto, quando chegar o caso de um juiz, membro do Ministério Público ou membro do Tribunal de Contas, acho que a gente deve operar com o mesmo princípio."
Ele ressalvou, porém, que cada relator terá de analisar o caso concreto para verificar se ele se enquadra no entendimento.
"Claro que pode haver alguma especificidade. É muito difícil produzir decisões abstratas prospectivas. Quando você lida com situações concretas, você é capaz de decidir soluções mais adequadas. De modo que, quando chegar um caso concreto envolvendo outras categorias, o Supremo vai decidir e tem que ser coerente com o mesmo princípio", afirmou.
Perguntado especificamente se espera que outros tribunais apliquem a restrição de foro, com base na decisão do STF, Barroso respondeu:
"Sempre que você toma uma decisão, tem subjacente a ela uma lógica e princípio jurídico. Portanto, acho natural que os outros tribunais apliquem esta lógica e este princípio jurídico a outros casos."
A BBC Brasil perguntou ao ministro qual será o impacto da decisão sobre foro privilegiado nos processos da Lava Jato que tramitam no Supremo. Barroso, porém, não quis responder.
Ele também não quis dar opinião sobre situações concretas que ainda geram dúvidas quanto à aplicação da restrição do foro — por exemplo, quando o crime é cometido durante a campanha para a reeleição ou quando o político pratica o ato num mandato com foro no STJ (governadores, por exemplo), mas depois é eleito para o Congresso Nacional, que tem foro no Supremo.
"O Supremo não decidiu sobre isso", disse Barroso, sem querer discutir essas hipóteses.
Vara especializada
Barroso disse ainda que, na opinião dele, a solução ideal para o julgamento de políticos seria a criação de uma Vara Federal especializada, localizada em Brasília, que seria composta por juizes indicados pelo Supremo e teria como prerrogativa julgar os processos de autoridades com foro privilegiado.
Pela proposta do ministro, caberia recurso da decisão ao STJ ou ao STF, conforme a autoridade. Mas uma alteração como esta dependeria da aprovação de uma nova lei pelo Congresso.
"Há fórmulas alternativas. O professor Miguel Reale Junior propõe que a competência deve ser dos Tribunais Regionais Federais. E há quem defende que seja um juiz federal, porque a justiça estadual pode ter mais influência política", lembrou.
"Minha primeira hipótese é uma vara especializada, minha segunda é o Tribunal Regional e, na pior das hipóteses, um juiz federal."
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