Risco de apagões em 2021 é baixo, mas 2022 preocupa, alerta representante de indústria de máquinas
Em entrevista à BBC News Brasil, presidente da Abimaq defende 'pacificação' política, mas evita críticas ao governo Bolsonaro
A crise energética provocada pela falta de chuvas e a consequente baixa dos reservatórios das hidrelétricas deve ter como principal efeito em 2021 o aumento da conta de luz, impacto que já chegou ao bolso dos brasileiros e encarece a produção no país. Já o racionamento no fornecimento de eletricidade não deve ocorrer e o risco de apagões pontuais determinados pelo Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) em momentos de picos de consumo existe, mas parece baixo para este ano.
Essa é a avaliação da Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (Abimaq), setor que monitora o problema de perto. Em entrevista à BBC News Brasil, o presidente da associação, José Velloso, explicou que sua preocupação maior é com 2022, quando a expectativa é de que as chuvas continuem abaixo da média histórica devido ao fenômeno climático El Niña.
"2022 é preocupante, mas dá tempo de trabalhar", acredita, ressaltando a importância de se aperfeiçoar a distribuição de energia pelo país, para evitar que sobre em uma região e falte em outra.
Outras medidas para mitigar os riscos de apagões no próximo ano passam por acelerar projetos de pequenas centrais hidrelétricas já em curso, assim como os investimentos em geradores de energia solar e eólica, defende.
Segundo Velloso, o racionamento não deve ocorrer como na crise de 2001, justamente porque o país adotou medidas para evitar o cenário de vinte anos atrás: de um lado, ampliou a interligação do sistema elétrico para evitar que falte energia em algumas regiões enquanto sobra em outras; e, de outro, aumentou a oferta de fontes de energia alternativas às hidrelétricas, em especial as térmicas.
A medida dá mais segurança ao fornecimento, mas tem o efeito colateral de aumentar a conta de luz, já que a energia termelétrica é mais cara.
A Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) anunciou essa semana uma nova modalidade de bandeira tarifária, intitulada "Escassez Hídrica", com valor de R$ 14,20 /100 kWh, que entrou em vigor na quarta-feira (01/09) e terá validade até 30 de abril de 2022. O Ministério de Minas e Energia estimou que a nova bandeira gerará aumento de 6,78% na tarifa de luz para os consumidores.
Mesmo antes dessa nova tarifa, a conta de luz já ficou 16% mais cara neste ano, até meados de agosto, segundo o IPCA-15, índice de preços do IBGE que é uma prévia do IPCA.
"A crise energética é preocupante. Já aumentou o custo Brasil e isso aumenta a assimetria entre os produtos produzidos aqui e no exterior", lamenta Velloso.
Apesar disso, para o setor de máquinas e equipamentos, a crise tem também um lado de oportunidade de negócios, ao ampliar as vendas de geradores de energia eólica e termelétrica, ressalta o presidente da Abimaq.
Esse é um dos fatores que contribuíram para um forte crescimento do setor no primeiro semestre de 2021, com alta de 34% do faturamento em relação ao mesmo período de 2020.
O resultado, porém, é em boa parte explicado pelo desempenho muito ruim entre 2015 e 2019, seguido de pequeno crescimento no ano passado, o que gerou uma base baixa de comparação, explica Velloso. No fechamento do ano, a expectativa é que o crescimento deve continuar alto, mas a taxa acumulada deve arrefecer para 20%. Um desempenho menor também é esperado para 2022, mas a Abimaq ainda não fez uma projeção.
A compra de máquinas e equipamentos tem sido puxada por setores como o agronegócio, saneamento básico e embalagens (plástico, papel, celulose), esse último refletindo o aumento do consumo em casa, com compras online ou por aplicativos, devido à pandemia.
Preocupação com crise política, mas sem críticas a Bolsonaro
Embora se mantenha otimista, Velloso diz que o setor tem sentido o impacto do forte aumento do preços de matéria-prima, como aço, vidro, borracha, plástico, bronze e cobre, o que reduz a rentabilidade das empresas.
Ele também manifesta preocupação com o impacto da instabilidade política nos planos de investimento do setor produtivo, o que pode desencorajar demanda por máquinas e equipamentos.
"Nosso país tem tudo pra ter um crescimento sustentável da sua economia, mas muitas vezes aquilo que vem de fora da economia pode prejudicar. Então, o que a gente gostaria é que tivesse paz no país", disse, ao ser questionado sobre a crise política que o Brasil atravessa, com especial tensão entre o governo de Jair Bolsonaro e o Poder Judiciário.
"Quando ela (uma empresa) precisa fazer investimento, pensa duas vezes. O nosso setor pode sim ser prejudicado quando você tem más notícias ou alguma instabilidade. Sem investimento, a economia não tem crescimento contínuo, sustentado. Então, a gente entende que o melhor que tem para o país é a pacificação", defendeu ainda.
Apesar dessas manifestações de preocupação, Velloso evitou na entrevista qualquer crítica a Bolsonaro, cuja gestão tem sido alvo de um descontentamento crescente na elite econômica, principalmente após a intensificação dos embates com o Poder Judiciário e os ataques ao sistema eletrônico de votação.
Diferentemente do noticiado na imprensa brasileira no início da semana, Velloso negou que a Abimaq tenha decidido apoiar um manifesto pela estabilidade institucional e a harmonia entres os Poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário), documento que vinha sendo articulado pela Federação das Indústrias de São Paulo (Fiesp), após iniciativa da Federação Brasileira de Bancos (Febraban).
A conversa com a reportagem aconteceu pouco antes da reunião da direção que finalmente discutiu o tema e resolveu não apoiar o manifesto nesse momento, mas manter análises contínuas do cenário, deixando em aberto a possibilidade de mudar de posição no futuro.
A previsão inicial era que o documento, com uma linguagem suave, seria publicado no início da semana, mas a iniciativa acabou suspensa pela Fiesp após reações do governo Bolsonaro, com destaque para a ameaça de Caixa Econômica e Banco do Brasil deixarem a Febraban. A decisão acabou irritando a federação dos bancos, que na noite de quinta-feira (02/09) voltou a defender o manifesto, por meio de uma nota, apesar de sua suspensão.
"As entidades da sociedade civil que assinam este manifesto veem com grande preocupação a escalada de tensões e hostilidades entre as autoridades públicas", dizia o documento, que acabou não publicado, mas foi vazado para a imprensa.
"O momento exige de todos serenidade, diálogo, pacificação política, estabilidade institucional e, sobretudo, foco em ações e medidas urgentes e necessárias para que o Brasil supere a pandemia, volte a crescer, a gerar empregos e assim possa reduzir as carências sociais que atingem amplos segmentos da população. Mais do que nunca, o momento exige do Legislativo, do Executivo e do Judiciário aproximação e cooperação. Que cada um atue com responsabilidade nos limites de sua competência, obedecidos os preceitos estabelecidos em nossa Carta Magna. Este é o anseio da Nação brasileira", dizia ainda o manifesto suspenso.
Para Velloso, o texto era "neutro", sem ataques ao Executivo ou ao Supremo Tribunal Federal (STF). Ainda assim, não gerou consenso no setor de máquinas e equipamentos. "No meu setor empresarial, tenho gente de direita, de centro e de esquerda. Se a Abimaq tomar alguma posição político-partidária, eu vou estar ferindo alguém aqui dentro, porque não é todo mundo que pensa igual dentro do meio empresarial", ressaltou.
O próximo capítulo da crise está agendado para o dia 7 de setembro, feriado da Independência. Bolsonaro convocou seus apoiadores a se manifestarem pela "liberdade", em oposição às investigações que estão sendo tocadas no âmbito do Supremo Tribunal Federal contra o próprio presidente e seus aliados por supostas divulgações de notícias falsas e ataques às instituições democráticas.
Para os bolsonaristas, esses inquéritos são abusivos e atentam contra a liberdade de expressão.
Já os críticos do presidente veem nos atos de 7 de setembro uma tentativa de Bolsonaro de demonstrar força ante os demais Poderes e seguir alimentando a tensão institucional.
À BBC News Brasil, Velloso evita se posicionar sobre a crise e defende que o foco deve estar não na tensão política, mas na aprovação de reformas econômicas que reduzam o custo Brasil e elevem produtividade do país. Nesse sentido, desde o início do governo o presidente da Abimaq tem manifestado apoio à agenda do ministro da Economia, Paulo Guedes.
Reconhece que muitas promessas ainda não saíram do papel, como a reforma tributária e administrativa, mas, questionado se está decepcionado com o desempenho do governo nesse campo, prefere mirar as críticas para o Congresso.
Lamentou, por exemplo, que as mudanças aprovadas na quarta-feira (01/09) na Câmara dos Deputados na cobrança do Imposto de Renda sobre Pessoa Jurídica e a criação de um impostos sobre os dividendos distribuídos a acionistas pelas empresas - que ainda serão analisadas no Senado - resultaram em aumento da carga tributária para companhias com faturamento maior que R$ 4,8 milhões. "E lógico que a grande maioria da indústria se encaixa nesse perfil", critica. "No nosso juízo, ficou muito ruim do jeito que os deputados fizeram".