Roberto Jefferson: a cronologia da prisão
Alexandre de Moraes, ministro do STF, revogou prisão domiciliar de ex-deputado por ele ter descumprido medidas impostas pelo Supremo dentro de ação penal em que é réu; entenda.
A prisão de Roberto Jefferson (PTB) pela Polícia Federal (PF) neste domingo (23/10) teve forte repercussão nas redes sociais a uma semana do segundo turno das eleições, dividindo inclusive apoiadores do presidente Jair Bolsonaro (PL).
Muitos deles acreditam que a prisão de Jefferson é "ilegal", decorrente de um inquérito "ilegal" e "que não tem participação do MP" (ler abaixo), mas se dividiram quanto à reação do ex-deputado, que atirou nos policiais e lançou granadas contra os agentes.
Não cabe qualquer discussão jurídica sobre a prisão de Roberto Jefferson hoje.
Nada a justifica.
Ela advém de um inquérito ILEGAL no seu nascedouro, fazendo com que TODAS as ações dele derivadas sejam ilegais.
TODAS!
Não cabe qualquer análise jurídica quanto a isso.
— Henrique (@henriolliveira_) October 23, 2022
Enquanto alguns, como o blogueiro bolsonarista Allan dos Santos, falaram de "legítima defesa", outros ponderaram que o ex-deputado "perdeu a razão" ao resistir à prisão.
Fato é que o episódio causou cisão entre os apoiadores de Bolsonaro, com alguns chamando-o de "frouxonaro" nas redes sociais.
Toma vergonha, rapaz.
Você exarou o mandado de prisão manifestamente ilegal para prender Roberto Jefferson por opinião.
A revolta dele é digna, ainda que ele tenha escolhido mal as palavras proferidas.
A revolta deve ser com o voto da ministra que autorizou a censura. pic.twitter.com/umz8LB8MtR
— Beatriz 🇧🇷2️⃣2️⃣ Jair ou já era! (@be_atrizmnteiro) October 23, 2022
Roberto Jefferson foi duplamente herói hoje: mostrou como um homem deve agir diante de ordem de prisão ilegal expedida por tiranos e desmascarou a hipocrisia do Frouxonaro, que só fala em liberdade da boca para fora. E o melhor de tudo, sem poder ser acusado de querer voto.
— Inspetor Reacionário (@InspetorReaca) October 23, 2022
Em uma transmissão ao vivo, o próprio Bolsonaro chamou Jefferson de "bandido" e tentou se desvincular do aliado. Apesar disso, repetiu o argumento de que a prisão do ex-deputado não teve "nenhum respaldo na Constituição" e decorreu "sem atuação do MP".
"Repudio as falas do Sr. Roberto Jefferson contra a Ministra Carmen Lúcia e sua ação armada contra agentes da PF, bem como a existência de inquéritos sem nenhum respaldo na Constituição e sem a atuação do MP", escreveu Bolsonaro no Twitter.
Mas por que Jefferson foi preso dessa vez? E por que ele estava antes em prisão domiciliar? O argumento de Bolsonaro faz sentido?
O que aconteceu?
O ex-deputado Roberto Jefferson foi preso pela Polícia Federal na noite deste domingo (23) e levado para a Superintendência da corporação no Rio de Janeiro. Ele chegou ao local por volta das 21h, depois de ter deixado sua casa, em Levy Gasparian, no interior do Estado, em um carro descaracterizado da PF.
Antes, ele reagiu à abordagem e atirou contra os policiais. De acordo com a investigação, o ex-deputado disparou mais de 20 tiros de fuzil e também lançou granadas na direção dos agentes.
Dois policiais ficaram feridos, atingidos por estilhaços. Eles receberam atendimento médico e foram liberados.
De dentro de sua casa, Jefferson fez vídeos dizendo que não se entregaria. "Eu vou enfrentá-los", afirmou em vídeo gravado dentro de casa.
Em outro vídeo, o vidro dianteiro do veículo da PF aparece estilhaçado. "Mostrar a vocês que o pau cantou. Eles atiraram em mim, eu atirei neles. Estou dentro de casa, mas eles estão me cercando. Vai piorar, vai piorar muito. Mas eu não me entrego", disse.
Jefferson preso novamente
Jefferson já estava em prisão domiciliar. No domingo, ele foi alvo da ação policial da PF por determinação do ministro Alexandre de Moraes, do STF (Supremo Tribunal Federal).
Moraes determinou a prisão preventiva de Jefferson por ele ter descumprido as medidas impostas pelo Supremo dentro de uma ação penal em que ele é réu por incitação ao crime e ataque a instituições.
Além disso, Moraes também ordenou a realização de busca e apreensão na residência de Jefferson.
Argumento de Moraes
Em sua decisão, Moraes aponta que Jefferson recebeu visita e repassou orientações a dirigentes do PTB, concedeu entrevista à rádio Jovem Pan e divulgou notícias fraudulentas contra ministros do Supremo.
Além disso, ele teria descumprido novamente as medidas ao atacar a ministra Cármen Lúcia e compará-la a "prostitutas", "arrombadas" e "vagabundas".
A partir desta terça-feira (25/10), Jefferson não poderia mais ser detido, uma vez que a legislação eleitoral impede qualquer prisão que não seja em flagrante cinco dias antes das eleições.
À noite, Moraes ordenou nova prisão contra Jefferson por tentativa de homicídio, devido ao ataque contra os policiais. Neste caso, por ser um flagrante, o mandado poderia ser cumprido independentemente de horário ou da lei eleitoral.
Da prisão preventiva a domiciliar
Jefferson foi preso em 13 de agosto de 2021 por decisão de Moraes no âmbito do inquérito das milícias digitais, do qual ele é relator do processo.
O inquérito investiga uma suposta organização criminosa digital que atua para desestabilizar a democracia divulgando mentiras e atacando ministros do Supremo e as instituições do país.
Naquela ocasião, o pedido para prender o ex-deputado foi feito pela PF e acatado por Moraes. No pedido de prisão, a PF listou vários vídeos e publicações de Jefferson nas redes sociais em que atacava e ameaçava agentes públicos.
Moraes disse ter tomado a decisão mesmo sem manifestação da Procuradoria-Geral da República (PGR) porque esta não havia se pronunciado sobre o pedido dentro do prazo.
A PGR, no entanto, negou e, em nota, o procurador-geral da República, Augusto Aras, afirmou que "houve, sim manifestação da PGR, no tempo oportuno" e que "em respeito ao sigilo legal, não serão disponibilizados detalhes do parecer, que foi contrário à medida cautelar".
"O entendimento da PGR é que a prisão representaria uma censura prévia à liberdade de expressão, o que é vedado pela Constituição Federal", acrescentou Aras no comunicado.
Esse é o ponto nevrálgico do imbróglio jurídico que alimenta o argumento de Bolsonaro e de seus apoiadores de que a prisão de Jefferson por Moraes foi "sem nenhum respaldo na Constituição e sem a atuação do MP".
No entanto, no fim daquele mês, a própria PGR apresentou denúncia contra Jefferson por incitação ao crime e por homofobia.
Na denúncia, a PGR (Ministério Público), por meio da subprocuradora Lindôra Araújo, afirma que Jefferson estimulou a população a invadir o Congresso, a reagir a policiais militares e a atacar instituições, como o Supremo Tribunal Federal, além de praticar homofobia.
Araújo pediu na ocasião a "apreciação do pedido de prisão domiciliar do acusado".
Em janeiro deste ano, Moraes atendeu a pedidos da defesa de Jefferson e substituiu sua prisão preventiva de Jefferson por domiciliar, por razões médicas, durante a investigação.
Condições para a prisão domiciliar
Como de praxe, impôs para isso uma série de condições, uma vez que o ex-deputado continuava preso, mas em sua casa.
Algumas delas: tornozeleira eletrônica, proibição de contato exterior e de redes sociais; proibição de visitas (exceto familiares) ou entrevistas sem autorização legal; comunicação com outros investigados.
Descumprindo as regras
No entanto, Jefferson violou várias vezes essas regras — a tal ponto que o STF intimou a defesa do ex-deputado e pediu laudo à PF sobre reportagens que noticiavam que ele estava recebendo visitas em casa e coordenando, por vídeo, a estratégia política do PTB.
Em setembro, por exemplo, ele concedeu entrevista à emissora Jovem Pan sem autorização prévia da Justiça.
Antes de determinar a prisão preventiva de Jefferson, Moraes chegou a fixar multa por dia caso o ex-deputado descumprisse as condições de sua prisão domiciliar — uma medida considerada menos interventiva.
Apesar disso, Jefferson seguiu violando as regras e, por fim, publicou vídeo com ataques à ministra Cármen Lúcia.
"Este não é um caso de liberdade de expressão. Não caiam nessa. É o caso de um preso que conseguiu um benefício, e então abusou dele dolosa e calculadamente, com o objetivo escalar o conflito com o STF, obter publicidade para si e vantagens para seu aliado Jair Bolsonaro", escreveu Rafael Mafei, professor da Faculdade de Direito da USP e pesquisador do LAUT (Centro de Análise da Liberdade e do Autoritarismo), em sua conta pessoal no Twitter.
Reações de Bolsonaro e Lula
Bolsonaro tentou se afastar do aliado. Em live neste domingo, o presidente afirmou que não havia uma foto dos dois juntos, o que não é verdade.
"Não tem uma foto dele comigo, nada", disse.
Mas imagens dos dois juntos estão registradas e foram divulgadas pelo PTB, partido de Jefferson.
Na mesma live, Bolsonaro leu uma postagem que havia feito horas antes em suas redes sociais.
"Repudio as falas do Sr. Roberto Jefferson contra a ministra Cármen Lúcia e sua ação armada contra agentes da PF, bem como a existência de inquéritos sem nenhum respaldo na Constituição e sem a atuação do MP [Ministério Público]", escreveu.
Mais tarde, Bolsonaro anunciou a prisão de Jefferson e o chamou de "bandido".
"Como determinei ao ministro da Justiça, Anderson Torres, Roberto Jefferson acaba de ser preso. O tratamento dispensado a quem atira em policial é o de bandido. Presto minha solidariedade aos policiais feridos no episódio", disse.
À noite, voltou a dizer que não existe qualquer ligação entre ele e Jefferson e afirmou haver uma notícia-crime contra ele protocolada por Jefferson.
Já o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou que a reação de Jefferson não foi adequada e representa um risco à democracia do país.
"Não é um comportamento adequado, não é um comportamento normal", disse o petista à imprensa neste domingo, em São Paulo, após conversa com influenciadores.
Segundo o ex-presidente, Bolsonaro "conseguiu criar neste país uma parcela da sociedade brasileira raivosa, com ódio, mentirosa, que espalha fake news o dia inteiro".
Jefferson foi o delator do chamado "mensalão", um esquema de compra de apoio político ocorrido no primeiro mandato de Lula como presidente — parlamentares recebiam dinheiro em troca de votarem a favor dos projetos do governo. Seu partido, o PTB, fazia parte da base aliada.
Em 2003, primeiro ano do governo Lula, Bolsonaro era, coincidentemente, filiado ao PTB, de Jefferson. Quando o mensalão estourou, em junho de 2005, o atual presidente era filiado ao PP (Partido Progressista), outra legenda envolvida no centro do escândalo.
- Este texto foi publicado em http://bbc.co.uk/portuguese/brasil-63375361