'Se não tiver mais acampamento, vamos para WhatsApp': a visão de bolsonarista que passou 70 dias em quartel
Para militar da reserva, movimento diante das bases militares tende a deixar de existir 'fisicamente' após invasão das sedes dos Três Poderes, em Brasília.
Membro do acampamento bolsonarista erguido há 70 dias em frente ao Comando Militar do Sudeste, em São Paulo, o policial militar da reserva Celso Otávio Lopes, de 57 anos, diz que o movimento diante dos quartéis deve deixar de existir "fisicamente" conforme polícias e as Forças Armadas agem para desmontar as barracas.
"O movimento começou espontâneo e, com os atuais acontecimentos, está terminando espontaneamente também. Então todos vão seguir suas vidas e nos comunicaremos através do WhatsApp", diz Lopes à BBC.
Lopes, que passou à reserva da PM paulista como subtenente e hoje trabalha como segurança, foi um dos primeiros a participar do acampamento diante da principal base do Exército em São Paulo, logo após o segundo turno da eleição presidencial.
Ele costuma voltar para casa à noite para dormir, retornando ao acampamento no dia seguinte. É bastante ativo nas redes: todas as noites, envia para uma lista de transmissão no WhatsApp vídeos que ele mesmo grava no acampamento.
Seu grupo pede uma intervenção das Forças Armadas para anular a eleição e diz que o pleito foi fraudado - afirmação contestada pela Justiça Eleitoral e por entidades que monitoraram a disputa.
Na entrevista à BBC News Brasil, Lopes diz ainda que quem depredou as sedes dos Três Poderes em Brasília durante as invasões do último domingo (08/01) deve ser punido.
"Condeno essas ações. Essas pessoas têm que ser ouvidas e julgadas, isso é crime".
Confira os principais trechos da entrevista, concedida por chamada de vídeo.
BBC News Brasil - Qual é a sua avaliação do que aconteceu em Brasília?
Celso Otavio Lopes - Primeiramente a gente deve notar que, ao longo desses 70 dias de manifestação, sempre existiram infiltrados. São pessoas que desconheço se são pagas. São pessoas que vão até as manifestações para provocar as pessoas que lá estão. E ontem não aconteceu diferente.
Inclusive a Força Nacional prendeu um infiltrado com um material explosivo e gasolina. Até recebi um relato de uma pessoa que está lá (em Brasília). Ela me disse que, quando chegaram lá (nos edifícios), já havia depredações, já havia alguns indivíduos lá dentro quebrando tudo.
BBC - Mas a depredação de patrimônio público foi bem grande. Houve muitas vidraças quebradas, computadores foram destruídos, móveis foram revirados, várias obras de arte foram danificadas. Ainda que houvesse um ou outro infiltrado, isso explicaria a dimensão da destruição?
Lopes - Veja bem, os ânimos estão à flor da pele. Tem muita gente que está há 70 dias no acampamento se alimentando mal, dormindo mal, tem muita gente estressada. Então, uma ação inicial desastrosa acaba gerando mais desastre ainda. E tem relatos de infiltrados que incitam o povo a entrar e quebrar.
BBC - Ainda que nem todos tenham depredado, milhares de pessoas entraram em prédios públicos que estavam fechados num domingo. A partir do momento em que tanta gente entra nesses edifícios, não fica difícil de controlar o que essa multidão faz lá dentro?
Lopes - Perfeitamente. Inclusive quando não se tem comando e as pessoas, cada uma reage de uma forma. Os ânimos estão à flor da pele. As pessoas querem justiça. Você quer ver um povo revoltado? Você trata esse povo com injustiça. As pessoas não dormem direito. As pessoas não se alimentam direito. E, quando são injustiçadas, isso se torna revolta.
BBC - Você pretende voltar para o acampamento?
Lopes - Eu tenho notícias de que a Polícia Militar está lá com bombeiros, com o próprio Exército. O major do Exército pediu para que fossem retiradas as barracas. Então, talvez no horário que eu fosse para lá, eles não estariam mais lá. Se não houver mais acampamento, nós vamos nos comunicar pela rede social, através do WhatsApp.
BBC - Quais podem ser os próximos passos para o movimento se o acampamento for desativado?
Lopes - O movimento começou espontâneo. E, com os atuais acontecimentos, está terminando espontaneamente também. Então todos vão seguir suas vidas e nos comunicaremos através do WhatsApp.
BBC - Qual vai ser a repercussão do que aconteceu no domingo para o movimento?
Lopes - A ação depredatória, de patrimônio público, é claro que é ruim para as duas partes, como houve em 2017, quando o MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) invadiu o Congresso, o Planalto.
Nota da redação: A invasão do MST em 2017 foi no Ministério da Fazenda, durante um protesto do grupo contra a reforma da Previdência. Segundo a polícia, cerca de 200 participaram do ato, que deixou vidros quebrados e portas arrombadas.
BBC - Qual é a sua avaliação da atitude que o ex-presidente Jair Bolsonaro tem tido nas últimas semanas? Ele viajou para os Estados Unidos e, em relação a esse episódio de domingo, ele condenou a destruição.
Lopes - Acho correto. Eu também condeno a destruição. Essas pessoas têm que ser ouvidas e julgadas. Isso é crime. E a atitude dele (Bolsonaro) foi legítima. Ele saiu do país. Ele não tem mais controle, aliás, nunca teve nos quatro anos o controle. Quem teve o controle foi o STF (Supremo Tribunal Federal).
BBC - Bolsonaro ainda exerce influência sobre vocês? É uma referência para o movimento?
Lopes - Não. Esse é um movimento que se iniciou por causa do escândalo das urnas, e não com a saída do Bolsonaro. A Simone Tebet poderia ser eleita, estaria tudo bem. Outro candidato poderia ser eleito, estaria legitimamente.
BBC - Se a Simone Tebet se elege, haveria um movimento mesmo assim?
Lopes - Não, porque ela não é ex-presidiária.
BBC - Então é uma questão com o Lula?
Lopes - Com a situação pregressa dele.
BBC - Considerando o cerco que vai se fechando agora, inclusive por parte das Forças Armadas, que estão participando da remoção dos acampamentos, o que você espera que ainda possa acontecer?
Lopes - Nós esperamos que se faça justiça. Uma esperança seria o Congresso, através da inelegibilidade da chapa Lula-Alckmin. Ou de uma justiça internacional. Ou a justiça de Deus. Com as Forças Armadas, nós não contamos mais.