Site divulga supostos diálogos entre Moro e membros da Lava Jato
"The Intercept" revela troca de mensagens atribuídas ao então juiz e hoje ministro da Justiça e a integrantes da operação. Ministro do STF diz que colaboração entre juiz e procuradores afeta a equidistância da Justiça.O site The Intercept publicou neste domingo (09/06) uma série de reportagens revelando mensagens atribuídas ao então juiz federal e hoje ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, trocadas através do aplicativo Telegram com procuradores da Lava Jato, incluindo Deltan Dallagnol, coordenador da força-tarefa.
Os diálogos contêm, segundo o portal, indícios de que Moro orientava as investigações da Operação Lava Jato em Curitiba, o que o site descreve como uma "colaboração proibida" de Moro com Dallagnol.
O Intercept também afirma que procuradores da Lava Jato "tramaram em segredo" para impedir a autorização de uma entrevista do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva antes das eleições de 2018, por temor de que isso ajudasse o candidato do PT, Fernando Haddad.
Outras conversas mostrariam que Dallagnol estava preocupado com a solidez das acusações apresentadas contra Lula para condená-lo pelo caso do tríplex de Guarujá, poucos dias antes de a denúncia ser apresentada ao então juiz Sergio Moro.
Tanto procuradores da Lava Jato quanto Moro denunciaram recentemente que tiveram seus celulares hackeados, o que constitui crime. The Intercept afirmou que obteve os diálogos antes da invasão, obtidos de uma fonte anônima.
O Ministério Público Federal do Paraná confirmou, através de comunicado, que houve vazamento de mensagens de procuradores após um ataque hacker. O órgão frisou, entretanto, que as mensagens não mostram nenhuma ilegalidade e denunciou que "seus membros foram vítimas de ação criminosa de um hacker que praticou os mais graves ataques à atividade do Ministério Público, à vida privada e à segurança de seus integrantes".
O ministro Moro declarou, através de nota, que as mensagens não revelam "qualquer anormalidade ou direcionamento da atuação enquanto magistrado". Ele também criticou o site por não tê-lo procurado antes da publicação da reportagem e disse que as conversas foram tiradas de contexto.
Segundo o Intercept, Moro orientou ações e cobrou novas operações da Lava Jato. Em uma das conversas, ele teria perguntado a Dallagnol: "Não é muito tempo sem operação?" A resposta do chefe da força-tarefa teria sido: "É, sim."
Em outro diálogo, o site afirma que Dallagnol teria pedido a Moro para decidir com rapidez a respeito de um pedido de prisão, ao que o magistrado responde: "Não creio que conseguiria ver hoje. Mas pensem se é uma boa ideia."
A Constituição determina que não haja vínculos entre juiz e as partes em um processo judicial. Para que haja isenção, o juiz e a parte acusadora - neste caso, o Ministério Público - não devem trocar informações nem atuar fora de audiências.
Pedidos de investigação e afastamento
O ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo Tribunal Federal (STF), disse que a troca de colaborações entre o ex-juiz Moro e o procurador Dallagnol afeta a equidistância da Justiça. "Apenas coloca em dúvida, principalmente ao olhar do leigo, a equidistância do órgão julgador, que tem de ser absoluta. Agora, as consequências, eu não sei. Temos que aguardar", afirmou.
"Isso [relação do juiz e procurador] tem que ser tratado no processo, com ampla publicidade. De forma pública, com absoluta transparência", acrescentou, segundo o jornal Folha de S. Paulo.
Integrantes do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), que fiscaliza as atividades de procuradores e promotores, pediram a apuração da conduta dos procuradores citados nas reportagens. Uma das supostas irregularidades a serem investigadas é tentativa de conduzir as investigações do caso para manter o processo contra Lula em Curitiba. A prática é proibida por lei, assim como a atuação política de procuradores.
A Associação Juízes para a Democracia (AJD) e a Associação Latino-americana de Juízes de Trabalho (ALJT) criticaram a conduta de Moro e defenderam a anulação de todos os processos do ministro na Lava Jato. Em nota, as associações de magistrados destacaram que as denúncias revelam "uma relação promíscua, antiética e ilícita entre integrantes do Ministério Público e do Poder Judiciário".
"Não há falar em democracia sem um Poder Judiciário independente, imparcial e comprometido com o império das normas jurídicas processuais, a prevalência dos Direitos Humanos e a efetivação das garantias constitucionais, sobretudo a presunção de inocência, para a realização de julgamentos justos para quem quer que seja", afirma a nota.
O Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) afirmou que os fatos são graves e defendeu o afastamento dos envolvidos dos cargos públicos que eles ocupam até o fim da investigação para evitar suspeitas.
"A OAB e o Colégio de Presidentes de Seccionais, por deliberação unânime manifestam perplexidade e preocupação com os fatos recentemente noticiados pela mídia, envolvendo procuradores da República e um ex-magistrado, tanto pelo fato de autoridades públicas supostamente terem sido hackeadas, com grave risco à segurança institucional, quanto pelo conteúdo das conversas veiculadas, que ameaçam caros alicerces do Estado Democrático de Direito", disse a OAB em nota.
Segundo o jornal Folha de S. Paulo, o Congresso estaria avaliando instaurar uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para apurar o caso. O presidente da comissão especial da reforma da Previdência na Câmara dos Deputados, Marcelo Ramos (PL-AM), defendeu o afastamento de Moro do Ministério da Justiça até o esclarecimento das denúncias.
"Acho que o Moro juiz indicaria ao Moro ministro o afastamento até esclarecer os fatos", disse Ramos, que é professor de Direito Constitucional, à agência de notícias Reuters. O deputado afirmou que a medida seria a melhor atitude para garantir a liberdade da investigação do caso pela Polícia Federal, que é controlada pelo ministro da Justiça, e também pelo discurso que Moro sempre pregou.
O presidente Jair Bolsonaro ainda não se manifestou sobre o escândalo. Seus filhos, porém, defenderam Moro nas redes sociais e atacaram o Intercept. "É impressão minha, ou só no Brasil uma imprensa utiliza uma invasão ilegal de algo privado, ignorando a invalidade judicial e ilegalidade, mas não se importa em divulgar, com o único intuito de queimar o governo Bolsonaro e favorecer o sistema?", disse o vereador Carlos Bolsonaro (PSL-RJ).
O senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ) afirmou que o vazamento é mentiroso e divulgou a nota publicada por Moro. O deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) atacou o fundador do Intercept, Glenn Greenwald, divulgando informações falsas de que o jornalista teria trabalho na CNN e envolvimento com o WikiLeaks.
Jornalista defende publicação
O The Intercept foi fundado pelo jornalista americano Glenn Greenwald, que também é um dos autores da reportagem. Ele ficou conhecido mundialmente após ajudar o ex-analista de sistemas Edward Snowden a revelar informações secretas obtidas pela Agência de Segurança Nacional (NSA, na sigla em inglês) dos Estados Unidos.
Em entrevista ao UOL, Greenwald afirmou que o material que ainda não foi revelado reforçaria a conduta indevida do ministro na Lava Jato. "Moro era um chefe da força-tarefa, que criou estratégias para botar Lula e outras pessoas na prisão, se comportando quase como um procurador, não como juiz", destaca.
O jornalista afirmou ainda que o volume do material vazado para o Intercept é maior do que o do caso Snowden. Sobre as acusações de que a informação seria falsa, Greenwald disse que nem Moro e nem Lava Jato negaram o conteúdo dos documentos e ressaltou que o material foi apurado antes da publicação.
Greenwald defendeu ainda a publicação do material e reiterou que os envolvidos não foram procurados antes para evitar a censura das reportagens.
"Ninguém pode negar que o que publicamos são coisas que o público tem o direito de saber. Os adoradores da Lava Jato estão chocados com o fato de Moro ter excedido limites, deixado claro que estão trabalhando para interferir nas eleições. Ninguém pode negar que o vazamento desses materiais é exatamente aquilo que os jornalistas devem fazer: denunciar pessoas poderosas que estão se comportando de forma antiética", disse Greenwald ao UOL.
MD/CN/afp/ots
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