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Sob a sombra da violência na Amazônia

15 fev 2020 - 19h14
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Em meio ao desmatamento e conflitos por terra, uma pequena agricultora sofre as consequências de denunciar os crimes na região de Novo Progresso, no Pará. Seu filho teve de fugir para escapar das ameaças de morte.Maria Márcia Elpidia de Melo, líder de um assentamento de agricultores no estado do Pará, denunciou publicamente a apropriação ilegal de terras. Ela não vê seu filho único, Elmiro, há mais de seis meses: em 2019, o jovem de 20 anos foi espancado e recebeu ameaças de morte de agressores desconhecidos. Por isso, ela insistiu para que ele deixasse a região.

Área desmatada em Novo Progresso em agosto, no auge das queimadas na Amazônia de 2019
Área desmatada em Novo Progresso em agosto, no auge das queimadas na Amazônia de 2019
Foto: DW / Deutsche Welle

A mãe solteira de 42 anos vive no assentamento Terra Nossa desde 2006, numa casa térrea de tijolos. Uma luz sarapintada entra pela janela, enquanto ela se debruça sobre a mesa da cozinha, ao reconhecer que seu trabalho colocou sua vida em perigo. A agricultora e presidente da Associação de Produtores Rurais Nova Vitória acabou se envolvendo cada vez mais em disputas por terras.

"O que não posso aceitar é que matem meu filho", diz, com os olhos marejados. "Por enquanto ele está seguro, mas eu não vou visitá-lo porque tenho medo que alguém vá me seguir." Antes de deixar a região, Elmiro ajudava a mãe.

Segundo a Comissão Pastoral da Terra, que monitora a violência no campo, três moradores do vilarejo foram assassinados em 2018. Desde então, 16 habitantes na região receberam ameaças de morte em razão de conflitos de terra.

Grilagem e ameaças

Em 2019, Maria Márcia relatou diversos incêndios criminosos e atividades ilegais de extração à polícia de Novo Progresso. Ela conta que, em três ocasiões, homens envolvidos com a exploração ilegal de madeira lhe disseram para parar de reclamar, ou enfrentar a morte. A polícia se negou a comentar as ameaças.

Terra Nossa, um assentamento de 350 famílias cercado pela floresta e acessível apenas por uma estrada de terra, está no centro do desmatamento na Amazônia. O município de Novo Progresso, nas proximidades, ganhou as manchetes internacionais em agosto de 2019, quando enormes incêndios florestais atingiram a região. A prática anual das queimadas vem sendo levada ao extremo pelos grileiros.

Em apenas um dia, 203 incêndios foram registrados em Novo Progresso pelas autoridades. Na maioria dos casos, as queimadas foram coordenadas por um grande grupo, composto majoritariamente de fazendeiros, que busca eliminar áreas de floresta para então requerê-las para si.

Segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), entre 1º de agosto e 30 de novembro de 2019 o desmatamento atingiu 4.217 quilômetros quadrados, mais do que o dobro do registrado no mesmo período do ano anterior.

Especialistas afirmam que as leis atuais encorajam um processo sem fim de incêndios, desmatamento e grilagem. "Há um claro incentivo na lei", afirma Brenda Brio, pesquisadora do instituto Imazon. "Ela permite que pessoas ocupem terras públicas, finjam que as estão usando [para fins legítimos] para então requerer o título dessas terras."

Em dezembro, o presidente Jair Bolsonaro afrouxou ainda mais as regulamentações, triplicando a quantidade de terras consideradas próprias para a requisição de posse e permitindo que aqueles que ocupassem terrenos desde 2014 recebessem os títulos. Anteriormente, 2008 era o limite mínimo.

Nas estradas empoeiradas que cortam Terra Nossa, usadas para o transporte ilegal de madeira, surge um cenário de pilhas de troncos de árvores de idades contadas em décadas. "Era bonito aqui, antes de todo esse negócio começar", diz Maria Márcia.

A Amazônia é uma das regiões mais pobres do Brasil, com 45% de seus 23 milhões de habitantes vivendo abaixo da linha da pobreza. Alguns produtores locais se enervam com a sugestão de que a floresta deve ser priorizada em vez das condições de vida dos trabalhadores. Bolsonaro, eleito com a promessa de abrir a região aos negócios, vem angariando apoio.

"O que esperam de nós? Que alimentemos nossas famílias com poeira?", questiona Agamenon da Silva Menezes, líder do sindicato dos fazendeiros de Novo Progresso. "Mesmo que as mudanças climáticas sejam reais - e não estou seguro se acredito nisso - por que vocês [os países industrializados] podem enriquecer enquanto esperam que o resto de nós seja feliz e fique pobre?"

Desconfiança nas autoridades

Apesar da ampla condenação internacional, Bolsonaro encoraja e defende essas práticas: "O desmatamento e as queimadas nunca vão acabar", disse ele em 2019. "É cultural." Na busca pelo lucro, porém, a grilagem em larga escala - tanto dos fazendeiros ricos como de outros fora do Brasil - entra cada vez mais em conflito com as comunidades locais.

"Onde há desmatamento, há muitas vezes expropriação e violência", afirma o cientista social Mauricio Torres, especialista em apropriação de terras na Amazônia. "Para desmatar, é necessário remover as comunidades que ocupam a floresta."

Terra Nossa é habitada por pequenos fazendeiros que utilizam a terra e a floresta para cultivar palmeiras de açaí e castanha-do-Pará de modo sustentável. Porém a onda de grilagem transformou o estilo de vida local.

Raione Lima Campos, advogada da Comissão Pastoral da Terra, afirma que Maria Márcia e outros líderes locais se tornam com frequência alvo de madeireiros e fazendeiros, ao denunciar essas práticas.

O Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) fez pouco para resolver as questões de disputas de terra e violência, diz. "O Incra não tem interesse nisso. Sempre foi ruim, mas agora a situação piorou." O Incra rejeitou pedidos da DW para se pronunciar sobre o agronegócio na Amazônia.

Para Maria Márcia, o resultado é uma perturbadora mistura de desconfiança em relação às instituições públicas que deveriam protegê-la.

A apropriação de terras, no entanto, é apenas uma peça no plano de Bolsonaro, juntamente com a chamada Ferrogrão (a ferrovia que deverá transportar a produção de soja na Amazônia), usinas hidrelétricas ao longo do rio Tapajós e a rodovia BR-163, que deverá cortar o estado do Pará. Essas iniciativas visam abrir a região amazônica ao agronegócio.

Ao caminhar pelo jardim de Maria Márcia, onde seu filho Elmiro costumava brincar entre as árvores de caju, pupunha e açaí, fica a sensação de que ela está completamente isolada e vulnerável, ainda que esteja no coração pulsante de um dos mais significativos projetos de infraestrutura do mundo.

"Esses grileiros e gangues organizadas estão por toda parte. Eles até mesmo influenciam os políticos. Qualquer problema que eles tenham - por exemplo, eu - vai desaparecer um dia."

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