STF decide se anistia do novo Código Florestal a quem desmatou é válida
Corte deve encerrar nesta quarta-feira julgamento de ações que questionam a lei que alterou regras sobre preservação ambiental em propriedades rurais.
O Supremo Tribunal Federal (STF) deve concluir nesta quarta-feira um julgamento que tem dividido os membros da corte e terá repercussões para os agricultores e as regras de proteção ambiental no Brasil.
Os ministros terminarão de analisar as quatro ações que questionam a constitucionalidade da Lei 12.651, também conhecida como o novo Código Florestal, sancionada em 2012 pela então presidente Dilma Rousseff.
Entre os pontos questionados está o perdão a multas e sanções a agricultores que desmataram ilegalmente até 2008, um dos dispositivos mais polêmicos do novo código.
Dez dos onze ministros já votaram, e por enquanto há empate em relação a vários pontos, incluindo a anistia.
O desempate caberá ao ministro Celso de Mello, membro mais antigo da corte e último a votar.
Preservação em áreas privadas
A legislação brasileira determina que todo agricultor deve manter parte de sua propriedade preservada. No bioma amazônico, o índice de proteção exigido é de 80%, no Cerrado, 35%, e nos demais biomas, 20%. Essa porção do território é conhecida como Reserva Legal.
Também devem ser preservadas todas as áreas ecologicamente sensíveis das propriedades, como nascentes e matas à beira de rios. Esses trechos são chamados de Áreas de Preservação Permanente (APP), considerados essenciais para a proteção de recursos hídricos e para a manutenção da biodiversidade.
O novo Código Florestal criou um banco de dados para controlar o cumprimento dessas regras: o Cadastro Ambiental Rural (CAR), hoje com 4,7 milhões de imóveis rurais registrados e informações detalhadas sobre a ocupação do solo em cada propriedade.
Segundo a nova regra, proprietários que até 2008 desmataram áreas que deveriam ter sido preservadas ficariam livres de multas e outras sanções, desde que se registrassem no CAR e se comprometessem a se adequar à legislação.
Se o STF julgar que essa anistia é inconstitucional, o governo federal poderá multar os proprietários rurais pelas infrações cometidas antes de 2008.
O que pensam agronegócio e ambientalistas
Entidades ligadas ao agronegócio criticam a possível anulação do perdão.
Para Rodrigo Lima, diretor geral da consultoria Agroicone, a mudança da regra "criaria um cenário de insegurança muito grande" para os agricultores.
Ele afirma que a anistia é justa porque, até a aprovação do novo código, as regras sobre o desmatamento em propriedades privadas passaram por muitas mudanças, o que dificultava seu cumprimento.
Segundo Lima, se a anistia for revogada, "teremos uma situação paradoxal, na qual quem fez o CAR pode ter criado provas contra ele mesmo".
Já organizações ambientalistas defendem a revisão da anistia. Para a bióloga Nurit Bensusan, do Instituto Socioambiental (ISA), o perdão "premia os proprietários que infingiram a lei".
"Aquele que seguiu as regras, fez tudo direitinho, vai se sentir um trouxa completo (se a anistia for mantida)", afirma.
Ela diz ainda que a manutenção da regra estimularia novos desmatamentos ilegais, pois criaria a expectativa de outros perdões no futuro.
"Quem respeitará esse código se amanhã outra anistia puder ocorrer?", questiona a bióloga.
Regras de compensação
Outro ponto polêmico cuja votação no STF está empatada trata da compensação de áreas de Reserva Legal desmatadas além dos percentuais mínimos por meio de pagamentos para a preservação da vegetação excedente em outras propriedades.
Antes do novo código, a legislação definia que compensação deveria ocorrer na mesma microbacia hidrográfica da propriedade que havia desmatado além da conta. Após o novo código, passou-se a aceitar que a compensação ocorresse no mesmo bioma.
Para Nurit Bensusan, do ISA, a possibilidade de compensação no mesmo bioma "pode gerar bacias completamente desmatadas". Ela defende o retorno à regra anterior.
Já Rodrigo Lima, da Agroicone, afirma que a limitação ao mesmo bioma não necessariamente fará com que os produtores recorram a áreas distantes para a compensação. Ele diz que os governos estaduais poderão definir que a compensação ocorra no próprio Estado, pois teriam interesse em impedir a saída dos recursos movimentados por esse mercado.
Outros temas pendentes
Alguns outros pontos analisados pelo STF cuja votação está empatada são:
- A possibilidade de redução da Reserva Legal - de 80% para 50% - em municípios na Amazônia que tenham mais da metade de seu território ocupado por Terras Indígenas e/ou Unidades de Conservação, ou nos Estados com mais de 65% do território ocupado por Terras Indígenas e/ou Unidades de Conservação que tenham planos de Zoneamento Ecológico-Econômico (instrumento que busca conciliar desenvolvimento econômico e conservação ambiental);
- A permissão para realizar atividades agropecuárias em APPs nos topos dos morros;
- A possibilidade de novas autorizações para o corte de vegetação a quem desmatou ilegalmente;
Decisões já tomadas
Em decisões festejadas por ambientalistas, a maioria dos juízes do STF já decidiu no julgamento que:
- Não se pode desmatar APPs para implantar depósitos de lixo ou instalações esportivas;
- Todas as nascentes e olhos d'água, sejam intermitentes ou perenes, devem ter APPs preservadas;
- APPs só podem ser desmatadas por "interesse social" ou "utilidade pública" quando não houver alternativas.
Outras decisões tomadas no julgamento agradaram o agronegócio, entre as quais a manutenção dos seguintes pontos do novo código:
- As APPs em beira de rios devem ser medidas conforme sua variação média anual, e não conforme o nível medido na cheia;
- Pequenas propriedades podem seguir critérios menos rigorosos para recuperar APPs na beira de rios;
- Pequenos imóveis rurais podem plantar em regiões de várzea;
- Propriedades que desmataram além dos percentuais mínimos atuais ficam dispensadas de recompor as áreas caso tenham seguido as regras vigentes no momento em que desmataram;
- Propriedades podem contabilizar APPs no percentual de Reserva Legal;
- Possibilidade de empregar espécies exóticas em até 50% da Reserva Legal desmatada.