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STF derruba tese do marco temporal para demarcação de terras indígenas

21 set 2023 - 15h20
(atualizado às 19h02)
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Por Maria Carolina Marcello

BRASÍLIA (Reuters) -O plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) rejeitou nesta quinta-feira a adoção de um marco temporal para as demarcações de terras indígenas, em decisão que concede uma vitória aos povos originários sobre o setor agropecuário, mas que pode não ter encerrado de vez a discussão sobre o tema.

Com variações sobre eventuais compensações a ocupantes das áreas que vierem a ser demarcadas, entre outras questões, 9 dos 11 ministros do STF posicionaram-se contra a adoção da data de promulgação da Constituição como referência para a demarcação de terras indígenas.

O Supremo ainda deve discutir, na próxima semana, modulações dos votos e como se darão eventuais indenizações.

"Foram tantos anos de muitas lutas, muitas mobilizações, muita apreensão para este resultado, porque esse resultado define o futuro das demarcações de terras indígenas no Brasil. Então vamos sim comemorar o resultado dessa grande força dos povos indígenas do Brasil", disse a ministra dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara, que está em Nova York cumprindo agendas relacionadas à Semana do Clima da ONU.

Caso aplicado o marco temporal, só seriam passíveis de demarcação as terras onde ficasse comprovada a ocupação -- ou a disputa pelo local -- por indígenas na época da promulgação da Constituição Federal, em 5 de outubro de 1988.

O relator do caso, Edson Fachin, foi acompanhado, guardadas as diferentes nuances de cada voto, pelos ministros Alexandre de Moraes, Cristiano Zanin, Luís Roberto Barroso, Dias Toffoli, Luiz Fux, Cármen Lúcia, Gilmar Mendes e Rosa Weber, presidente do tribunal.

Votaram a favor do marco temporal os ministros Nunes Marques e André Mendonça, ambos indicados para o Supremo pelo ex-presidente Jair Bolsonaro, defensor da adoção do marco temporal.

Primeiro a votar nesta quinta-feira na retomada do julgamento, Fux considerou que "as áreas ocupadas pelos indígenas, e aquelas áreas que guardam ainda uma vinculação com a ancestralidade e a tradição dos povos indígenas, ainda que não estejam demarcadas, elas têm a proteção constitucional".

Rosa, por sua vez, avaliou que "os direitos dos povos indígenas, as terrras por eles tradicionalmente ocupadas, traduzem sobretudo e principalmente direitos fundamentais".

O resultado contrário ao marco temporal confere uma vitória aos povos indígenas e segue linha da posição do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, mas contraria representantes do setor agropecuário.

A Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) do Congresso, influente bancada que reúne mais de 280 deputados e cerca de 40 senadores, pretende lutar pelo marco temporal no Legislativo.

Em vídeo divulgado pela FPA, o presidente da frente, deputado Pedro Lupion (PP-PR), considerou que a decisão causa insegurança jurídica e a classificou de "muito grave e muito preocupante".

O deputado disse que a bancada vai trabalhar de forma articulada para aprovar propostas relacionadas ao assunto -- um PL que retoma o marco temporal e uma PEC que trata de indenizações --, mesmo que para isso seja necessário oferecer obstáculos a outras votações no Legislativo.

"A Frente Parlamentar Agropecuária está unida, coesa, trabalhando por esse assunto. Custe o que custar: obstruções na Câmara, obstruções no Senado, e trabalho contundente para resolvermos esse assunto", disse o deputado no vídeo.

O projeto de lei mencionado por Lupion já foi aprovado pela Comissão de Agricultura e Reforma Agrária do Senado e tramita agora na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ).

O senador Marcos Rogério (PL-RO), relator da proposta na CCJ do Senado, apresentou seu parecer na quarta-feira, a favor da adoção do marco temporal. O colegiado deve votar o relatório na próxima semana. O senador é integrante da oposição e da FPA.

CONGRESSO OU STF

Apesar da disposição da frente, a posição do Supremo deve prevalecer em última instância, de acordo com especialistas.

Segundo o advogado e mestre em Direito do Estado pela Universidade Federal do Paraná Luiz Eduardo Peccinin, o posicionamento do STF deverá servir de referência para as demais decisões sobre o tema.

"Sobrevindo uma lei que positive um tema já declarado inconstitucional pelo STF, ela (a lei) deverá ser questionada na corte em sede de ação de inconstitucionalidade para que tenha seus efeitos suspensos e futuramente seja declarada incompatível com a Constituição", afirmou.

O advogado constitucionalista Camilo Onoda Caldas, sócio do Gomes, Almeida e Caldas Advocacia, também aventa a possibilidade de o tema voltar ao STF caso o Legislativo aprove uma nova legislação. A discussão judicial será, no entanto, "muito mais célebre porque o entendimento já estará estabelecido pela corte, que apenas vai verificar se aquilo que o Congresso estabeleceu é ou não compatível com o entendimento que o STF possui".

Para Rubens Beçak, doutor em Direito Constitucional e livre-docente em Teoria Geral do Estado pela Universidade de São Paulo, o debate sobre o marco temporal pode se tornar insuperável mediante a posição do Supremo.

Segundo o estudioso, isso significa que não adianta o Congresso tomar uma posição em sentido contrário posteriormente, porque sua constitucionalidade já teria sido analisada pela mais alta corte do país.

"Essas teorias são aquela que depois que se avança em um determinado sentido... fica difícil o Legislativo andar no sentido contrário", afirmou. "Isso já aconteceu outras vezes e o que acaba prevalecendo é a jurisdição dada pelo STF".

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