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STF restringe foro de parlamentares e decisão pode gerar efeito cascata sobre 54 mil autoridades

Maioria dos ministros entendeu que mecanismo fere igualdade, enquanto parte da Corte vê risco de decisão dar poder demais aos juízes.

3 mai 2018 - 20h15
(atualizado às 20h16)
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Com nova decisão do STF, expectativa é de que mais de 90% das investigações contra parlamentares na Corte sejam redistribuídas para a primeira instância
Com nova decisão do STF, expectativa é de que mais de 90% das investigações contra parlamentares na Corte sejam redistribuídas para a primeira instância
Foto: Rosinei Coutinho/SCO/STF / BBC News Brasil

A maioria dos ministros do Supremo Tribunal Federal decidiu restringir sensivelmente o foro privilegiado de deputados federais e senadores. A partir de agora, parlamentares federais só serão julgados pelo STF no caso de crimes cometidos durante o mandato e relacionados com o exercício da sua função. Antes, o entendimento era de que a Constituição garantia o foro especial para qualquer tipo de crime, mesmo anterior à posse do cargo.

Com isso, a expectativa é de que mais de 90% dos inquéritos e investigações contra parlamentares em andamento no STF sejam redistribuídos para varas de primeira instância em todo o país, de acordo com a localidade onde os supostos crimes foram cometidos.

Os casos não necessariamente irão para a vara de Sérgio Moro, que hoje tem prerrogativa para julgar apenas parte dos processos da Operação Lava Jato.

Embora a decisão dessa quinta-feira trate apenas de parlamentares, diversos ministros reconhecem que ela terá potencial de reduzir a proteção de outras autoridades. Há mais de 54 mil pessoas com algum tipo de foro especial no Brasil, segundo levantamento do Senado. Isso inclui governadores, prefeitos, vereadores, juízes, promotores e diplomatas, entre outros.

O foro privilegiado evita que autoridades sejam julgadas em primeira instância, mas não necessariamente no Supremo. Governadores, por exemplo, têm seus casos analisados primeiro pelo Superior Tribunal de Justiça, enquanto prefeitos começam a ser julgados na segunda instância.

Parte dos ministros entende que as situações de outras categorias terão de ser analisadas gradativamente, conforme os casos cheguem ao STF. No entanto, como decisões do Supremo geram parâmetros para todo país, é possível que magistrados de outras cortes passem a aplicar o entendimento a outras autoridades. A Constituição prevê, por exemplo, que deputados estaduais têm as mesmas prerrogativas dos federais, o que, para alguns juristas, abre espaço para decisão ser aplicada a eles também.

Para o ministro Gilmar Mendes, o entendimento terá de ser igual para todos.

"Não há por que diferenciar cargo eletivo de concurso público ou outras nomeações", ressaltou.

Já o ministro Ricardo Lewandowski disse que a decisão do Supremo de restringir o foro de parlamentares deve gerar uma reação do Congresso para acabar com a proteção de forma geral. A expectativa agora é de que o Parlamento dê andamento a uma proposta de emenda constitucional (PEC) que acaba com o foro por prerrogativa de função de todas as autoridades do país, com exceção dos chefes dos três poderes da União (Executivo, Legislativo e Judiciário) e o vice-presidente da República.

No entanto, por causa da intervenção federal militar no Rio de Janeiro, qualquer alteração da Constituição Federal está vedada até o final deste ano.

Privilégio ou proteção?

A ampla restrição do foro de parlamentares foi apoiada por sete ministros: Luís Roberto Barroso, Edson Fachin, Rosa Weber, Luiz Fux, Marco Aurélio, Cármen Lúcia e Celso de Mello. Segundo eles, a aplicação ampla do foro por prerrogativa de função contraria o princípio da igualdade, previsto na Constituição Federal, e acaba gerando impunidade, devido à lentidão dos julgamentos penais no Supremo e também por causa do vaivém de ações, o chamado "elevador processual", conforme políticos ganham e perdem cargos com foro.

Nesse sentido, os ministros também decidiram, por unanimidade, que processos penais contra deputados e senadores não deverão mudar de instância mesmo que eles deixem de ser parlamentares, caso já tenha sido concluída a fase de instrução processual (investigação e produção de provas).

"A prática atual não realiza adequadamente princípios constitucionais estruturantes, como igualdade e república, por impedir, em grande número de casos, a responsabilização de agentes públicos por crimes de naturezas diversas. Além disso, a falta de efetividade mínima do sistema penal, nesses casos, frustra valores constitucionais importantes, como a probidade e a moralidade administrativa", disse Barroso em seu voto.

Alexandre de Moraes, Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski e Gilmar Mendes, por sua vez, defenderam que o foro especial não é um privilégio, mas um mecanismo para proteger parlamentares eleitos pelo povo de sofrerem perseguição política. Por isso, defenderam uma restrição menor do mecanismo, permitindo que o foro no Supremo para deputados e senadores fosse mantido para todo tipo de crime cometido durante o mandato, mesmo que sem relação com o exercício do cargo.

Eles também argumentaram que o sistema penal brasileiro é lento mesmo na primeira instância, portanto, o fim do foro especial não garantiria mais velocidade aos julgamentos. Segundo Gilmar Mendes, não há estatísticas que permitam comprovar que o foro privilegiado torne os processos mais lentos. Ele disse que estudo da Fundação Getúlio Vargas que vem sendo amplamente citado para embasar esse entendimento "tem mais erros do que páginas".

"Em pouco tempo vai se descobrir que os processos que vão ser mandados para os estados não vão andar. Aí, vão dizer: 'ah que saudade do foro'", disse Mendes.

Restrição ampla do foro traz riscos?

Alguns ministros, como Ricardo Lewandowski, manifestaram preocupação com as "consequências imprevisíveis" de uma mudança tão grande no sistema.

Para Gilmar Mendes, o impacto da decisão sobre o foro de outras autoridades pode acabar dando poder demais a juízes de primeiro grau sobre altos funcionários públicos, criando uma "grande bagunça".

"Os senhores imaginam um oficial de Justiça de Cabrobó (interior de Pernambuco) vindo aqui intimar o Comandante do Exército. É bom que se atente para isso", criticou.

Ele também criticou o fato de que juízes de primeiro grau passariam a ser julgados por colegas e não desembargadores acima deles, dando espaço para favorecimentos.

Já o ministro Celso de Mello, quando votou em sessão anterior, defendeu a capacidade desses juízes para julgar autoridades. "Eu pessoalmente atuei durante 20 anos como membro do ministério Público perante magistrados de primeira instância e posso atestar a seriedade, a responsabilidade, a independência com que esses agentes públicos atuam", disse.

Juristas ouvidos pela BBC Brasil se dividiram sobre esse risco. Para o advogado Ives Gandra Martins, hoje há um "ativismo muito grande de membros do judiciário e do Ministério público, que coloca todos sob suspeita".

Ele considera que o STF, ao prender o ex-senador Delcídio Amaral em 2015, flexibilizou a proteção prevista na Constituição que impede detenção de parlamentares sem autorização do Congresso, salvo em caso de flagrante. Por causa disso, diz, a restrição ao foro agora cria o risco de congressistas serem presos por decisão de qualquer um dos milhares de juízes de primeira instância.

"Esses juízes são preparados, mas não têm a experiência dos ministros de cortes superiores. O foro não é um privilégio, é uma proteção aos eleitores que votaram no parlamentar", argumentou.

Já a professora de Direito Constitucional da Universidade Federal do Paraná (UFPR) Estefânia Barboza não considera que a restrição do foro necessariamente dá poderes exagerados aos juízes e membros do Ministério Públicos, já que suas decisões poderão ser revistas pelas outras instâncias.

Ela vê, porém, o risco de magistrados de primeira instância ficarem mais sujeitos à pressão política. Ele lembra que os constituintes, ao preverem o foro especial, buscaram proteger não só as autoridades de perseguição, mas também os integrantes do judiciário de serem assediados por poderosos.

"Dizer que você tem interferência sobre onze ministros (do Supremo) acho mais difícil, mas um deputado num município pode realmente ter um processo de interferência nas decisões de um juiz às vezes muito pior", destacou.

Embora reconheça que esse cenário seja possível, o procurador de Justiça na Bahia Rômulo de Andrade Moreira considera que juízes de primeira instância podem até ser menos influenciáveis que magistrados de tribunais e cortes superiores, nomeados politicamente.

"Há muitos casos de tribunais que protegem réus. Às vezes, o juiz tem mais coragem de atuar que o tribunal. Já houve época em que o tribunal da Bahia, por exemplo, que era dominado pelo Antônio Carlos Magalhães (três vezes governador do estado, já falecido)", ressaltou.

Moreira acredita que a decisão do STF de restringir o foro de parlamentares terá efeito cascata sobre todas as autoridades e não vê problema em ter sua proteção como membro do Judiciário reduzida também apenas a crimes relacionados ao desempenho do cargo.

"Eu sou procurador de Justiça, tenho prerrogativa de foro para exercer minha função sem medo de ser processado. E se eu for processado, serei processado por um tribunal. Agora, se eu atropelo alguém, o que tem a ver com minha função?", questiona.

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