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Subtenente não pôde incluir companheiro no plano de saúde

17 mai 2014 - 08h48
(atualizado às 08h51)
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André Costa (esq.) e o companheiro, o subtenente do Comando da 4ª Brigada de Cavalaria Mecanizada de Dourados, no Mato Grosso do Sul
André Costa (esq.) e o companheiro, o subtenente do Comando da 4ª Brigada de Cavalaria Mecanizada de Dourados, no Mato Grosso do Sul
Foto: Arquivo Pessoal / Divulgação

Há mais de um ano, André Costa, 27 anos, passa por dificuldades psicológicas e financeiras por conta de um episódio que ele entende ser um preconceito contra sua orientação sexual. Em um relacionamento há mais de quatro anos com J. A. B., um subtenente do Comando da 4ª Brigada de Cavalaria Mecanizada de Dourados, no Mato Grosso do Sul, cidade onde moram, fez o contrato de união estável com seu companheiro em março de 2013. “Pretendíamos solicitar que eu fosse incluído como dependente mais adiante, quando meu companheiro já estaria aposentado e não passaria por represálias”, conta.

Mas o processo de solicitação teve de ser adiantado, pois André sofreu um acidente de motocicleta e quebrou o fêmur, no dia 17 de março de 2013. Foi então que, segundo André, as represálias começaram, pois antes da solicitação, o Exército já tinha conhecimento da relação dos dois e nunca houve problemas. “Fui para um hospital público de Dourados, mas as condições eram horríveis. Liguei para meu advogado para tentar me incluir no Fusex (Fundo de Saúde do Exército) como dependente do J. e pudesse usufruir dos benefícios de saúde. Quando meu advogado entrou na Justiça, o juiz negou a inclusão e se negou a ler o processo”, conta.

André relata que, após esse processo, sofreu ameaças anônimas que acredita terem sido feitas pelo Exército - até então, nunca havia tido problemas na comunidade nem na corporação por sua orientação sexual, diz, inclusive ia a jantares com os militares. “Cartas anônimas começaram a chegar em minha casa me ameaçando. Recebi mensagens de textos com ameaças de morte, de números que não existiam quando eu tentava ligar. E algumas viaturas do Exército começaram a rondar minha casa.”

O rapaz tentou registrar um boletim de ocorrência na delegacia de Dourados e acabou desistindo, pois quando comentou que era contra o Exército, foi orientado a não denunciar porque não tinha provas. A vida de André começou a ficar difícil. Além da enfermidade, começou a ter problemas financeiros, pois não podia trabalhar. “Fiquei 17 dias no hospital, esperando uma cirurgia. Minha perna até hoje não se recuperou direito. Me senti ameaçado por muito tempo. Comecei a ficar doente. Encostava o armário na porta, com medo de que entrassem e me matassem. Sempre gostei de abrir as janelas da casa, sentar em frente e conversar com os amigos. Já faz muito tempo que não faço isso. Fico na casa de minha família agora. Via o Exército em tudo, cheguei ao ponto de ir ao mercado e, ao ver um militar fardado, achar que eu estava sendo perseguido. E na verdade ele só estava lá fazendo compras, mas eu estava tão assustado que largava o carrinho e ia embora”, conta.

No início, André tentou procurar emprego, pois antes do acidente apenas estudava e dependia economicamente de seu companheiro, mas admite que não teve saúde mental para trabalhar. Vivendo da ajuda de familiares e amigos, André pretende se mudar para Campo Grande em breve, para tentar recomeçar a vida. Na nova cidade, ele pretende voltar a trabalhar e estudar, procurar uma entidade de defesa LGBT para ajudá-lo em seu caso e levar o processo até o final, pois ainda quer ser incluído como dependente de seu companheiro. 

“A única coisa que espero é ser reconhecido como dependente dele e ter os mesmo benefícios que uma família heterossexual teria dentro do Exército. O plano de saúde é um direito meu, tenho um documento (de união estável) que prova que tenho os mesmos direitos. É um caso simples de resolver, se fosse visto como algo comum. Mas a Justiça e as Forças Armadas julgam como algo de outro mundo”, desabafa. 

Após a rejeição do processo em Dourados, o caso, que já está tramitando há mais de um ano, foi então encaminhado para São Paulo e está correndo em segredo na Justiça Federal de Primeiro Grau do Estado, segundo André. Enquanto não recebe uma resposta, tem esperança de que sua história sirva de exemplo para que outros militares homossexuais lutem por seus direitos. “A minha maior finalidade, além de conseguir a inclusão como dependente, é dar força para outros casais. Quanto mais pessoas se esforçarem para serem felizes, colocarem a cara a tapa por seus direitos, mais o Exército vai ver que não há razões para discriminar”. 

No Estatuto dos Militares, da Lei nº 6.880, de 9 de dezembro de 1980, no parágrafo segundo do artigo 50, que trata dos direitos dos militares e de seus dependentes, está determinado que podem ser dependentes, esposas e ex-esposas, filhos, mães e pais, enteados, familiares como netos, entre outros, e menores que estejam sob guarda dos militares, desde que sejam dependentes econômicos do mesmo, vivam sob o mesmo teto e sejam declarados na organização militar competente, além de “a pessoa que viva, no mínimo há 5 (cinco) anos, sob a sua exclusiva dependência econômica, comprovada mediante justificação judicial”. Segundo o assessor do Ministério da Defesa, que conversou com o Terra, os pedidos de inclusão como dependentes funcionam da mesma maneira para homens e mulheres, mas não soube dizer se a regra havia sido alterada nos Estatutos Militares de cada força. 

Constrangimento no alistamento

Em Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, um estudante de jornalismo passou por constrangimento em uma das fases de recrutamento militar. Marcel Hartmann, 21 anos, conta que, quando se apresentou no Exército em 2011, após completar 18 anos, em uma das fases (não se recorda se na segunda ou terceira), havia um questionário a ser respondido. “Eram mesas individuais, como quando se vai votar. O militar nos perguntava o que estava no questionário, e uma das questões era se o candidato já havia transado com mulheres. Respondi que não. Então o militar perguntou se eu havia transado com homens. Respondi que sim. Na época, tinha namorado e nunca escondi minha opção. Ele então revidou com ironia: 'bá, começou bem, hein?'. Eu não revidei, porque ele era uma autoridade, e eu não queria entrar para o Exército. Eu sou gay, e nunca foi uma de minhas aspirações também. Acabei passando nessa fase e fiquei desesperado.”

Na etapa seguinte, um mês depois, o estudante perguntou ao militar que o estava avaliando se seria realmente aceito no Exército e ressaltou que era gay. “Ele respondeu que o Exército não fazia discriminações. Foi com ironia, porque sabemos que faz”, desabafa. “É complicado, porque eticamente fazer essa pergunta é errado, pois a opção sexual não interfere nas escolhas profissionais da pessoa.”

 O sargento Fernando Alcântara de Figueiredo (esq.) e seu companheiro, o também sargento Laci Marinho de Araujo, que revelaram ser um casal enquanto ainda serviam o Exército e afirmam ter sido perseguidos
O sargento Fernando Alcântara de Figueiredo (esq.) e seu companheiro, o também sargento Laci Marinho de Araujo, que revelaram ser um casal enquanto ainda serviam o Exército e afirmam ter sido perseguidos
Foto: Arquivo Pessoal / Divulgação
Fernando e Laci

Em 2008, o sargento Fernando Alcântara de Figueiredo e seu companheiro, o também sargento Laci Marinho de Araujo, assumiram-se como um casal, ainda quando serviam ao Exército. Fernando conta que, quando fez parte de processos de recrutamento, alguns candidatos, no momento de depositar o Certificado de Alistamento Militar (CAM) em um envelope, colocavam junto outro papel revelando que eram gays, para serem retirados da seleção. “Éramos orientados pelos superiores a verificar aspectos de 'afetação'. Era esse o termo que usavam, 'afetação'. Ou de 'sensibilidade', que agredisse a esperada virilidade masculina. Nesses casos, éramos orientados a descartar”, afirma.

Na época, após o anúncio do casal, os dois denunciaram uma série de perseguições, tortura e discriminação por sua orientação sexual, que resultou em prisões e processos. Inicialmente diagnosticado com esclerose múltipla (hoje sofre de epilepsia), Laci não tinha condições de permanecer no Exército. Acabou sofrendo um processo de deserção, mas, como tinha todos os laudos que comprovavam que não tinha condições de saúde para se apresentar, seu caso foi aceito como denúncia de violação dos direitos humanos pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), da Organização dos Estados Americanos (OEA). Ele foi julgado e condenado por denúncia caluniosa pelo Superior Tribunal Militar (STM).

Três anos depois do caso vir à tona, uma das lutas que o casal apoia, por meio de uma ONG criada há cinco anos, o Instituto Ser, é o fim da corte militar. “O Tribunal Militar acaba sendo de exceção, para julgar desafetos institucionais do órgão e, na ponta dessa pirâmide, estão os homossexuais. Nos processos de deserção, por exemplo como aconteceu com o Laci, um oficial com mais de 15 anos de serviço, em uma época que morávamos dentro de uma vila militar, como ele poderia ter desertado? Por isso, uma de nossas lutas é a extinção do Tribunal Militar. É a justiça de um comandante e a justiça de uma pessoa só, não é de ninguém”, diz Fernando.

Para exemplificar os desafetos institucionais que cita, Fernando diz que a questão primordial para o Exército é a imagem de virilidade e a ideia de que ser homossexual faz o militar perder o respeito da tropa. “Isso nunca aconteceu comigo (ele manteve sua vida amorosa em segredo por anos), é uma argumentação preconceituosa que deve ser abominada do cotidiano das Forças Armadas. A capacidade física e intelectual para o combate é o que deveria importar e não a opção sexual”, desabafa.

“O Instituto Ser busca não segregar as denúncias, mas uma de nossas frentes é defender os militares homossexuais dentro das Forças Armadas. Quando sofríamos perseguição de 2006 a 2008, procuramos instituições de defesa dos direitos do LGBTs, e elas se sentiam desconfortáveis em nos ajudar, porque não éramos homossexuais declarados, então não conseguimos avançar. Mas também não deixamos de defender e ajudar outros tipos de casos de discriminação”, explica. Atualmente, chegam até a organização cerca de 15 denúncias por mês, incluindo todas as frentes de defesa do instituto, até mesmo caso de maus tratos a animais. Referentes apenas ao preconceito contra homossexuais, são 10 casos por mês, sendo quatro deles de dentro das Forças Armadas. 

O Instituto conta com um grupo de advogados que voluntariamente presta assessoria e leva os casos ao Ministério Público. Também existe uma parceria com Procuradorias Regionais de Diretos do Cidadão, que possuem uma sensibilidade com os temas relacionados à orientação sexual. “Também oferecemos um apoio psicológico às vítimas de discriminação, com uma rede de profissionais autônomos voluntários. Nossa ideia é a criação de uma casa de passagem que atenda pessoas que são expulsas de instituições ou de suas casas em razão do preconceito. Esperamos doações para que possamos revertê-las no projeto”. 

Figueiredo se mostra otimista com o fato de seu processo ter passado para o âmbito internacional. “Pode fazer com que o País mude sua política nas Forças Armadas. É muito triste ser profissional e se sentir vocacionado a defender o seu País e então ver toda a sua disposição e seu sentimento de patriotismo renegados em razão do preconceito. Inclusive a disposição para defender pessoas que se apresentam preconceituosas, porque você defende todos. Mas enquanto você se colocar na posição de vítima não se consegue avançar. Fomos vítimas do sistema? Sim, fomos. Mas resolvemos enfrentar, porque os casais homoafetivos têm os mesmos direitos e deveres dos outros”.

Cartola - Agência de Conteúdo - Especial para o Terra Cartola - Agência de Conteúdo - Especial para o Terra
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