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Suposto 'padrão' citado por Bolsonaro não indica fraude eleitoral; presidente admite não ter provas

"Não tem como se comprovar que as eleições não foram ou foram fraudadas. São indícios. Um crime se desvenda com vários indícios. Vamos apresentar vários indícios aqui", disse Bolsonaro, que pediu à PF análise de denúncia que tenta provar manipulação nas eleições de 2014.

29 jul 2021 - 22h51
(atualizado em 30/7/2021 às 16h58)
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Presidente mandou denúncia que tenta provar manipulação nas eleições de 2014 para análise da Polícia Federal
Presidente mandou denúncia que tenta provar manipulação nas eleições de 2014 para análise da Polícia Federal
Foto: Reprodução / BBC News Brasil

O presidente Jair Bolsonaro usou sua live semanal desta quinta-feira (29/07) para fazer uma apresentação questionando a lisura das últimas eleições e apontando o que considera ser "fortíssimos indícios" de fraudes nas urnas eletrônicas.

No entanto, apesar de ter no passado prometido apresentar provas dessas fraudes, ele reconheceu que não existe essa comprovação.

"Não tem como se comprovar que as eleições não foram ou foram fraudadas. São indícios. Um crime se desvenda com vários indícios. Vamos apresentar vários indícios aqui", disse.

"Os que me acusam de não apresentar provas, eu devolvo: apresente provas de que ele (sistema eleitoral) não é fraudável", afirmou em outro momento.

A apresentação reuniu uma série de vídeos antigos que circulam na internet apontando supostas fraudes nunca confirmadas.

Um deles mostra uma pretensa análise matemática da evolução da apuração minuto a minuto no segundo turno de 2014 para tentar provar que a contagem foi manipulada para seguir um padrão que favoreceria a reeleição da então presidente Dilma Rousseff (PT) contra o candidato derrotado, Aécio Neves (PSDB).

Bolsonaro anunciou que o vídeo será encaminhado à Polícia Federal (PF) para que seja produzido um laudo sobre as denúncias.

"Em 2014, por ocasião do 2º turno, o TSE disponibilizou apuração das eleições minuto a minuto. E pessoas especialistas no assunto, de matemática, probabilidade e estatística buscaram saber se existia um padrão", disse Bolsonaro.

"Porque as curvas (da evolução dos votos) de Aécio e Dilma, Aécio começou lá em cima e Dilma lá em baixo, e elas foram se aproximando. Quando se cruzaram estabeleceu-se um padrão dali para frente. E não tem padrão em eleições", continuou.

"Então um dado complexo que chegou ao nosso conhecimento, nós aqui achamos que procedia a informação, e vai para a Polícia Federal, que eu espero que em poucas semanas dê um lado se procede ou não isso aí", cobrou o presidente.

O vídeo citado por Bolsonaro foi produzido e divulgado por Naomi Yamaguchi, que tentou ser eleita deputada federal em 2018 pelo PSL e é irmã da médica Nise Yamaguchi, apoiadora de Bolsonaro conhecida por defender o uso da cloroquina no tratamento de covid-19, apesar de o remédio não ter eficácia comprovada contra a doença.

Nele, ele entrevista um homem anônimo que analisa a evolução da contagem dos votos minuto a minuto, identificando o que seria um supostamente um padrão estatisticamente impossível de ocorrer naturalmente. A argumentação exposta na gravação, porém, é contestada pelo TSE e por especialistas em segurança de dados e estatística, mostrou reportagem da BBC News Brasil publicada antes da apresentação.

O entrevistado de Yamaguchi diz no vídeo que achou estranho o fato de Aécio Neves ter começado a apuração com vantagem sobre Dilma, mas a petista ter conseguido virar. Ele conta, então, que buscou uma forma de provar a fraude a partir de uma análise da evolução da contagem de votos minuto a minuto, divulgada pelo TSE. "Se eu analisar esses números e descobrir um padrão, eu comprovo que esses números foram frutos de uma fórmula matemática, de um algoritmo", disse.

A partir daí, ele afirmou ter analisado a variação do incremento de votos de Dilma e Aécio em cada minuto e encontrou um padrão que seria praticamente impossível estatisticamente: por 241 minutos seguidos, os dois candidatos teriam se alternando na liderança da variação do ganho de votos.

"Aqui nós temos (a alternância) Dilma, Aécio, Dilma, Aécio, Dilma, Aécio, Dilma, Aécio, Dilma, Aécio. Quantas vezes, Naomi? 241 vezes Dilma, Aécio (se alternando)", sustentou o entrevistado de Yamaguchi.

"Aqui eu encontrei o padrão que eu procurava. E isso aqui não é o resultado de uma eleição natural, aonde se abrem urnas de vários pontos do país e você tem minuto a minuto uma variação imprevisível. Aqui, é totalmente previsível. E eu concluo com isso que somente uma fórmula poderia produzir este minuto a minuto que a gente enxergou em 2014", disse ainda o homem.

Ao analisar os dados brutos da apuração minuto a minuto, a BBC News Brasil não encontrou um padrão de alternância entre os incrementos de votos de Dilma e Aécio em 2014 durante os 333 minutos que duraram a contagem.

Os números oficiais do TSE indicam, na verdade, que Aécio liderou sozinho o ganho de votos nos minutos iniciais. Depois, Dilma apresentou maior incremento de votos na maior parte do tempo, com o tucano recebendo mais votos em alguns momentos pontuais.

Isso ocorreu porque naquele ano a apuração da região Sul e de parte do Sudeste, onde o tucano foi melhor, começou antes do que no Norte e Nordeste, onde Dilma teve mais votos.

Cálculo foi feito errado, segundo especialista em segurança de dados

O especialista em segurança de dados Conrado Gouvêa, doutor em Ciência da Computação pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), também analisou a apuração minuto a minuto e não encontrou um padrão de alternância entre os ganhos de votos de Dilma e Aécio. Sua análise está detalhada em seu site pessoal.

Gouvêa reproduziu as tabelas divulgadas no vídeo de Yamaguchi para tentar entender a análise sugerida pelo entrevistado e identificou que foi feito um cálculo errado que tem o resultado prático de necessariamente levar a alternância de Dilma e Aécio como o vencedor da apuração minuto.

Isso porque, em vez de analisar quem ganhou o maior incremento de votos a cada minuto, o homem anônimo elaborou uma metodologia em que analisou alternadamente o desempenho de cada candidato nos minutos ímpares e pares da apuração.

Ele passou a somar a cada minuto par os votos obtidos em todos os minutos pares anteriores de cada candidato. E fez o mesmo para os minutos ímpares. Depois calculou a evolução da proporção de votos ímpares e pares de cada candidato minuto a minuto.

O problema, afirma Gouvêa, é que com o avançar da apuração a proporção de "votos pares" e "votos ímpares" de cada candidato tende a se estabilizar de uma forma que necessariamente um dos candidatos sempre aparece como "vencedor" nas linhas pares e o outro sempre como "vencedor" das ímpares.

Isso explica porque nos 241 minutos finais de apuração, Dilma e Aécio aparecem alternados na análise feita pelo homem anônimo.

"Eu fiz um teste usando o mesmo cálculo aplicado no vídeo, em que gerei votos aleatórios para Dilma e Aécio, e o resultado alcançado foi o mesmo: dava uma alternância entre os dois. Se a mesma metodologia for usada nos resultados do resultado da eleição de 2018, fatalmente haverá uma alternância por muitos minutos entre Bolsonaro e Haddad (candidato do PT derrotado). Isso não é indício de qualquer fraude", disse Gouvêa à BBC News Brasil.

TSE rebate falas de Bolsonaro em live

Bolsonaro tenta provar que houve fraude nas eleições para sustentar a necessidade de alterar a urna eletrônica para incluir um comprovante impresso do voto. Segundo ele, apenas isso permitiria a auditoria do resultado eletrônico.

Já o TSE afirma que a urna eletrônica permite a auditoria dos resultados por meio do Boletim de Urna que é impresso ao final da votação na seção eleitoral (o documento possibilita comparar os votos computados em cada urna no sistema eletrônico do TSE com os do respectivo boletim).

Críticos de Bolsonaro dizem que ele não está de fato preocupado com a segurança da votação e deseja lançar desconfianças sobre o sistema eletrônico para contestar o resultado do pleito de 2022 caso não consiga se reeleger.

O TSE enviou à imprensa informações que contestam os questionamentos contra a confiabilidade da urna eletrônica apresentados na live do presidente
O TSE enviou à imprensa informações que contestam os questionamentos contra a confiabilidade da urna eletrônica apresentados na live do presidente
Foto: TSE / BBC News Brasil

O TSE enviou à imprensa informações que contestam os questionamentos contra a confiabilidade da urna eletrônica apresentados na live do presidente.

Em uma dessas acusações contra o sistema eleitoral, Bolsonaro apresentou vídeos antigos de pessoas comuns dizendo que não conseguiram votar no candidato que queriam nas urnas. Essas pessoas afirmavam que digitavam o número de seu candidato, mas a foto correspondente ao escolhido não era exibida na tela da urna.

Segundo o TSE, esses casos se tratam de pessoas que se confundiram sobre a ordem dos candidatos, tentando votar, por exemplo, no cargo de presidente, quando a tela solicitava o voto para governador.

"Dessa forma, ao ser digitado o pretendido número do candidato à presidência, a urna alertou que o voto seria nulo, visto que não havia candidato a governador correspondente àquele número", explica o Tribunal.

Bolsonaro também acusou o TSE de fazer a apuração em uma "sala secreta". E insinuou que isso serviria para favorecer a eleição do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 2022.

Ao rebater essas acusações, o Tribunal ressaltou que ao final da votação é impresso o Boletim da Urna que permite checar se os votos computados na urna eletrônica são os mesmos apurados na contagem eletrônica. Por isso, diz o TSE, não é possível manipular a votação em uma suposta "sala secreta".

"A apuração dos resultados é feita automaticamente pela urna eletrônica logo após o encerramento da votação. Nesse momento, a urna imprime, em cinco vias, o Boletim de Urna, que contém a quantidade de votos registrados na urna para cada candidato e partido, além dos votos nulos e em branco", diz o site do Tribunal.

"Esse processo de apuração é realizado pela urna eletrônica antes da transmissão de resultados, que ocorre por uma rede de transmissão de dados criptografados. Ao chegarem ao TSE, a integridade e autenticidade dos dados são verificados e se inicia a totalização (isto é, a soma) dos resultados de cada uma das urnas eletrônicas, por supercomputador localizado fisicamente no tribunal. O resultado final divulgado pelo TSE sempre correspondeu à soma dos votos de cada um dos boletins de urna impressos em cada seção eleitoral do país", esclarece ainda o Tribunal.

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