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Taxistas usam aplicativos de celular para assediar mulheres

Jovens de diferentes Estados ouvidas pelo Terra relataram situações constrangedoras que passaram após utilizarem apps de serviço de táxi. São histórias de assédios, ofensas e até ameaças

21 jan 2015 - 09h25
(atualizado às 15h33)
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Não é difícil entender por que os aplicativos de celular se tornaram a primeira opção para quem costuma pegar táxis nas grandes cidades brasileiras. Além de serem mais rápidos e práticos (possibilitam, por exemplo, que o passageiro escolha a forma de pagamento no momento da solicitação), eles transmitem maior sensação de segurança. Ou pelo menos deveriam transmitir. Na última semana, o Terra obteve relatos de passageiras que foram assediadas, ofendidas e ameaçadas por motoristas que conseguiram seus contatos em bancos de dados supostamente sigilosos de duas grandes empresas do ramo.

Um desses casos, relatados por uma empresária de 28 anos de Porto Alegre (RS), aconteceu em outubro do ano passado. Naquele dia, era aniversário de sua filha, motivo pelo qual estava com pressa para voltar para casa. Como não tem carro, decidiu pedir um táxi através do EasyTaxi. O motorista veio rapidamente e o caminho foi bastante tranquilo. A surpresa aconteceu assim que ela chegou ao destino final e entrou em seu apartamento.

“Por que não tem foto tua no seu perfil? É tão bonita”, mandou o taxista, via WhatsApp, a seu celular. Assustada, a gaúcha não respondeu. “Eu sei que tu viu”, afirmou ele, segundos depois. “Gostei de ti” e “te achei sexy” foram alguns dos textos enviados em seguida.  

A empresária bloqueou o número do celular do homem, contou o que havia ocorrido a seu namorado e fez um relato em um grupo do Facebook. Ela também pensou em ligar para a empresa e denunciar o caso, mas desistiu. Além de ficar com medo de possíveis represálias, achou que o máximo que a companhia poderia fazer seria demiti-lo – o que não resolveria o problema.

Dias depois, passou por mais um inconveniente com outro taxista cadastrado na EasyTaxi. Após cancelar uma corrida que havia solicitado devido à demora do motorista, recebeu mensagens com reclamações. 

“Ele não me xingou nem ‘deu em cima’ de mim, então foi um aborrecimento menor, neste sentido. Só que novamente usou meu número de celular! Não respondi nenhuma das mensagens, mas fiquei preocupada. Eles tinham meu telefone, sabiam onde eu morava”, contou.

Mesmo com estes problemas, ela continua pegando táxis pela cidade – e continua usando o aplicativo para isso. Apesar de tudo, conhece a realidade do transporte público e sabe que esta – completamente inacessível para a maioria da população brasileira – ainda é, infelizmente, a alternativa mais “segura”.

“Estamos muito atrasados no Brasil na questão do machismo. Já morei em outros países em que eu tinha muito mais liberdade para tudo. Podia andar de saia no calor na rua e pegar qualquer tipo de transporte sem preocupação. Hoje ando apenas pelo meu bairro e é só chegar perto da entrada do trem que já começo a me sentir mal”, disse.

Outra jovem de 21 anos relatou à reportagem ter passado por problema semelhante com outro aplicativo do gênero, o 99Taxis. Jornalista de São Paulo, ela contou que solicitou o carro no último mês de dezembro, após sair da festa de final de ano da empresa em que trabalhava.

Jovens relatam assédio de taxistas após corrida:

“Já era tarde, eu não tinha outro jeito de voltar para casa. Entrei no táxi, fui ‘batendo papo’ com o motorista e resolvi inventar uma história para não contar minha vida toda para ele. Ele foi perguntando e não falei nada verdadeiro. Menti que era gaúcha e estava de passagem por São Paulo. Três ou quatro dias depois recebi uma mensagem: ‘e ai, guria, já voltou para Porto Alegre?’”, contou.

A garota também não respondeu, excluiu a conversa e bloqueou o número, o que fez a “investida” do taxista acabar por aí. 

“Fiquei meio assustada. Meu número deveria ser sigiloso, apenas para uso da empresa. Nunca dei permissão para usarem meu celular fora das corridas, muito menos para me mandarem mensagens assim. Não aconteceu nada demais, mas poderia ter chegado em outro nível. Eles deveriam ter algum mecanismo no próprio aplicativo para denunciarmos esse tipo de conduta”, completou.

A jornalista, que mora na zona leste da cidade, disse ainda que utiliza táxi somente em casos específicos, mas que seu transporte do dia-a-dia é o público. Segundo ela, quando está a bordo de metrô ou ônibus ou quando caminha pela rua, a preocupação é ainda maior.

“Somos assediadas o tempo inteiro. Sempre me sinto invadida. Não ando por aí para verem como eu estou, ando porque preciso andar. A maioria das mulheres não gosta de receber ‘cantada’, então os homens não podem apostar em uma minoria que pode gostar. Muitos ainda propagam o discurso de que ‘deveríamos agradecer’ por receber ‘elogios’. Se você é homem e não sabe como é passar por essa situação, é melhor não falar nada. Deixa para quem passa por isso todo santo dia”, completou.

Das cantadas às ofensas

O caso de uma estudante paulista de 20 anos é um pouco diferente. Natural do interior do Estado, ela, que vive na capital, costuma usar o EasyTaxi praticamente toda semana – já que, por morar longe da família, tem medo de andar sozinha durante a noite.

Em novembro do ano passado, estava na casa de seu namorado, atrasada para ir trabalhar. Ao fazer a solicitação no aplicativo, percebeu que o motorista demoraria mais que o planejado: o tempo aproximado de chegada, que é mostrado na tela do celular, apenas aumentava ao invés de diminuir. Ela, então, cancelou aquela corrida e chamou outra no app.

“Uns 5 minutos depois, ele me ligou perguntando onde eu estava e eu contei que já havia entrado em outro táxi. Aí começaram os xingamentos. Achei estranho e desliguei, mas ele continuou me mandando mensagens por mais três dias me ofendendo. Chamou de vagabunda, vadia, otária. Disse que me bloquearia no aplicativo e que ia passar meu nome a todos os taxistas da região”, contou.

<p>Estudante paulista foi ofendida e ameaçada por meio de mensagens; insultos foram de "otária" a "vagabunda"</p>
Estudante paulista foi ofendida e ameaçada por meio de mensagens; insultos foram de "otária" a "vagabunda"
Foto: Reprodução

De acordo com a estudante, como o homem não chegou a vê-la e nem sabia onde ela morava, ela não ficou com medo das ameaças.

“Conversei sobre a situação com outros taxistas que me disseram que ele não faria nada comigo, que não teria perigo. Acabei nem entrando em contato com a empresa por isso. Mas me senti ofendida, claro. Tudo é mais difícil para as mulheres. Nós temos medo de andar de metrô à noite sozinhas, temos medo de caminhar da estação até nossa casa e agora também temos medo de pegar táxi. Se eu fosse homem, aquele taxista não faria nada disso, deixaria quieto”, disse.

Embora nunca tenha sido assediada por taxistas, os efeitos do machismo também são cotidianos em sua vida. Na redação da revista em que trabalha como estagiária, a estudante costuma receber e-mails, mensagens em redes sociais e até mesmo cartas de homens que se aproveitam da exposição de seu nome na assinatura dos textos para assediá-la.

“Eles não nos entendem. Ontem mesmo eu conversava com um colega de trabalho sobre a questão do transporte público e ele disse: ‘como é que você vai se sentir ofendida com apenas um elogio?’. Mas na rua ou no transporte público qualquer ‘elogio’ é agressão. Nós não queremos. Não estamos ali para isso. Nossa roupa e nossa aparência não são um pedido para nada”, desabafou.

Respostas das empresas

Procurada pelo Terra, a EasyTaxi alegou que todos os motoristas cadastrados no aplicativo recebem um treinamento específico e que a empresa bloqueia os que não agem em conformidade com as regras.

“A Easy Taxi esclarece que os motoristas cadastrados no aplicativo recebem todo o treinamento sobre as regras de segurança na plataforma. A empresa reitera o compromisso com a sociedade em disponibilizar uma ferramenta que facilite a mobilidade urbana e melhore a segurança do passageiro. A Easy Taxi condena qualquer uso do aplicativo que não esteja de acordo com o seu propósito e, conforme seu termo de uso, bloqueia os motoristas que não ajam em conformidade com as regras. A empresa incentiva, em casos de assédio, que seja feita a denúncia através dos canais de atendimento”, disse, em nota.

O contato com a empresa pode ser feito por telefone (+55 4003-2498/ 4007-1963), e-mail (contato@easytaxi.com.br), Facebook (https://www.facebook.com/easytaxibr) e Twitter (https://twitter.com/easytaxi).

A 99Taxis, por sua vez, afirmou que “o uso de informações do passageiro é exclusivo para facilitar o trabalho de transporte” e que a utilização inapropriada por parte do taxista “é expressamente proibida e gera punições que podem ir de orientação e suspensão do uso do aplicativo até a exclusão definitiva do serviço”.

As denúncias podem ser feitas diretamente pelo aplicativo, pelo e-mail (contato@99taxis.com) ou pelo telefone (0300 31 31 739). A empresa lembrou ainda que existe um canal com o Departamento de Transportes Público da Prefeitura (DTP), órgão que emite e controla as licenças de taxistas, que pode revogar a permissão do profissional em casos graves.

“O uso do aplicativo aumenta significativamente a segurança dos passageiros, já que os taxistas são todos identificados, e temos toda a documentação que comprova sua habilitação e do veículo para prestação de serviço de transporte. Isso previne comportamentos inadequados e, caso ainda assim aconteçam, garante que as providências corretivas possam ser tomadas. Na maioria das vezes, só temos como saber quando houve desvio de conduta ou violação dos nossos termos quando somos informados por passageiros. Por isto, agradecemos muito pela informação, que nos ajuda a subir a barra e melhorar continuamente o serviço de táxi nas cidades onde atuamos”, disse, também em nota. 

Crime de assédio sexual

O assédio sexual é crime determinado pelo artigo 260 do Código Penal. De acordo com o texto, o ato é definido por "constranger alguém com o intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual, prevalecendo-se o agente da sua condição de superior hierárquico ou ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função" - e isso vale tanto para o meio físico quanto o "virtual" (como internet e celulares). A pena pode ir de 1 a 2 anos de detenção. 

Quando a mulher se sentir vítima de assédio, então, pode procurar uma delegacia e formalizar a denúncia. Quanto mais provas tiver, melhor. Por isso, o ideal é não deletar os históricos de conversas.

Fonte: Terra
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