Temer minimiza impopularidade e defende seu legado em discurso de despedida na ONU
Em discurso na Assembleia Geral das Nações Unidas, o presidente Michel Temer defendeu seu legado e disse que o Brasil superou a crise econômica.
Michel Temer começou a se despedir oficialmente da Presidência da República nesta terça-feira, após discursar pela terceira - e última - vez na abertura da sessão de debates da Assembleia Geral das Nações Unidas, em Nova York.
Desde 1949, o Brasil é o responsável pelo primeiro discurso da reunião. A posição é importante, já que antecede a fala do presidente dos Estados Unidos, anfitriões e principais financiadores da ONU, e de líderes de quase 200 países.
Como a BBC News Brasil adiantou, o discurso do presidente teve tom de despedida e trouxe o que Temer tem defendido a interlocutores próximos, empresários e políticos como principais legados de seu governo - um dos mais impopulares do planeta, com 90% de desaprovação e 6% de aprovação, segundo pesquisa divulgada pelo Ibope no dia 19.
"O país que entregarei a quem o povo brasileiro venha a eleger é melhor do que aquele que recebi", disse Temer, defendendo as políticas econômicas do governo. "Dissemos não ao populismo e vencemos."
Durante a semana um diplomata descreveu à BBC News Brasil, na condição de anonimato, os objetivos do discurso.
"O desafio é tentar passar uma mensagem positiva sobre o país e a gestão. Algo como 'missão cumprida'", avaliou. "É uma retórica complicada, porque o Brasil ainda é visto como um país muito corrupto e burocrático, mesmo depois do impeachment da (ex-presidente) Dilma (Rousseff)."
Sobre desemprego, o emedebista foi mais discreto. "Voltamos a crescer e a gerar empregos", disse, apesar de 12,9 milhões de brasileiros (ou 12,3% da força de trabalho) ainda buscarem ocupação em todo o país, segundo os dados trimestrais mais recentes do IBGE.
Na contramão do presidente americano, Donald Trump, Temer foi enfático na defesa de órgãos e parcerias multilaterais, classificando medidas protecionistas e nacionalistas como tentações.
"O isolamento pode até dar uma falsa sensação de segurança. O protecionismo pode até soar sedutor. Mas é com abertura e integração que alcançamos a concórdia, o crescimento, o progresso."
Temer também destacou aspectos da política internacional, como a assinatura de um tratado de proibição de armas nucleares, em 2017, e resultados na área ambiental, como a criação dos dois maiores conjuntos de unidades de conservação marinha do Brasil em março.
"Instituímos, nos mares brasileiros, áreas de preservação da dimensão dos territórios da Alemanha e da França somados", afirmou.
Confira a seguir os cinco principais "legados" abordados no último discurso de Temer nas Nações Unidas.
1 - 'Vencemos'
Segundo pessoas próximas, Temer quis consolidar a imagem de "reformista" de seu governo em sua última fala na ONU.
"Vencemos a crise. Nada escondemos da população. Identificamos os problemas e os encaramos de frente, um a um", disse o presidente em encontro com empresários americanos nesta segunda-feira.
O presidente fez referência ao crescimento de 1% do PIB (Produto Interno Bruto) em 2017, após dois anos de recessão, e manteve a postura de distanciamento absoluto do governo de Dilma Rousseff, no qual foi vice.
Desde 2016, o presidente repete em discursos que "recebeu o país" em uma grave crise econômica, e a ideia também foi anotada em sua fala derradeira nas Nações Unidas.
Na véspera, Temer prometeu que ainda deve insistir na reforma da Previdência, tida por muitos como derrotada no início do ano, quando não conseguiu apoio suficiente no Congresso.
Ele acredita que os parlamentares estarão mais inclinados a votar a favor da reforma depois das eleições.
"Quando se busca fazer uma reforma da Previdência, normalmente há uma dificuldade de natureza eleitoral. Quem está habilitado a disputar eleições tem dificuldade para tratar deste tema. Ora bem, passadas as eleições, esta preocupação desaparecerá", disse o presidente a empresários.
2 - Relevância internacional
A defesa ao multilateralismo e pedidos de fortalecimento da ONU marcaram a narrativa de Temer sobre relações internacionais.
O presidente destacou a liderança do Brasil na adoção de um tratado inédito de Proibição de Armas Nucleares, assinado por mais de 100 países no ano passado, mas sem a participação das principais potências nucleares (China, Estados Unidos, França, Rússia e Reino Unido).
"Tive a honra de ser o primeiro chefe de Estado a assiná-lo."
Outro ponto que ganhou destaque foi o "fortalecimento do Mercosul" e sua aproximação com os vizinhos da Aliança do Pacífico. Em julho, o bloco formado por Argentina, Brasil, Uruguai e Paraguai assinou um plano conjunto de ações com grupo que reúne Chile, Colômbia, México e Peru - o objetivo é que os países latino-americanos avancem em direção a tratados de livre-comércio e novas parcerias em um mercado formado por 470 milhões de pessoas.
"(Buscamos) uma América Latina cada vez mais unida", disse.
Criticado por uma política internacional acanhada - que culmina em apenas dois encontros bilaterais durante a assembleia da ONU, o presidente disse que "revitalizamos ou iniciamos negociações comerciais com parceiros de todas as regiões", sem citar detalhes.
"Por meio dessas e de outras iniciativas, seguimos estreitando nosso relacionamento com o conjunto das Américas, com a Europa, com a Ásia, com a África."
Sem citar países específicos, Temer fez menção breve à necessidade de "eliminação de tantas distorções ao comércio agrícola que afetam, sobretudo, países em desenvolvimento" - uma crítica aos subsídios oferecidos por outras nações em setores nos quais o Brasil compete.
Também mencionou contribuições do Brasil em missões de paz, com destaque pra a missão da ONU no Haiti, comandada pelo Brasil por 13 anos com mais de 30 mil soldados, e o comando do componente marítimo da Missão da ONU no Líbano, assumido pelo Brasil em 2011.
Temer também defendeu o apoio brasileiro à solução de dois Estados - Israel e Palestina, "vivendo lado a lado, em paz e segurança", "esforços internacionais para pôr termo ao conflito na Síria" e "soluções diplomáticas" para as discussões sobre desnuclearização da Coreia do Norte.
3 - Defesa do meio ambiente
Temer falou novamente sobre desmatamento na Assembleia Geral da ONU - desta vez, afirmando que a taxa de desmatamento atual é 75% mais baixa do que em 2004.
No discurso do ano passado, o presidente brasileiro divulgou uma queda de 20% no desmatamento - fala que foi desmentida pelos próprios autores do estudo citado por ele, conforme a BBC News Brasil revelou na época.
Em menção à "causa dos oceanos", ele comentou um decreto assinado em março, transformando partes dos arquipélagos de São Pedro e São Paulo, em Pernambuco, e de Trindade e Martim Vaz, no Espírito Santo, nos dois maiores conjuntos de unidades de conservação marinha do Brasil.
Com total de 92 milhões de hectares, as áreas protegidas têm "a dimensão dos territórios da Alemanha e da França somados."
A adesão brasileira ao acordo de Paris e sua defesa após a saída dos Estados Unidos também foram lembradas por Temer.
O Brasil se comprometeu perante a ONU a reduzir as emissões de gases poluentes em 37% até 2025, e cortes de 43% até 2030. Os percentuais se referem aos níveis registrados em 2005.
Para Donald Trump, o pacto climático "é prejudicial" aos interesses da economia e dos trabalhadores americanos.
Assinado na França por 195 países, o tratado se compromete a manter o aumento das temperaturas médias globais "muito abaixo" dos 2°C em relação à era pré-industrial.
4 - Instituições funcionando
Temer disse novamente que o Brasil é "uma democracia vibrante, lastreada em instituições sólidas".
Em menção às eleições, ele defendeu a alternância de poder e disse que o país seguirá o que manda a Constituição.
"Os principais candidatos podem discordar em muita coisa, mas (...) nenhum põe em dúvida a democracia", disse Temer na véspera, em referência ao clima de instabilidade política no país.
A jornalistas, ele afirmou que "hoje, não há condições para violar princípios democráticos".
"Ninguém pensa que haverá autoritarismo", disse o emedebista. "O que vai acontecer é o cumprimento da Constituição", completou.
5. Direitos humanos
Mais conhecido pelas medidas de austeridade, Temer defendeu seu legado em programas sociais e projetos ligados aos direitos humanos no Brasil.
"Programas sociais antes ameaçados pelo descontrole dos gastos puderam ser salvos e ampliados", disse, sem entrar em detalhes, apontando que a recessão deixou "severas consequências para a sociedade, sobretudo para os mais pobres".
Ele não citou mudanças feitas por seu governo no Bolsa Família, que incluem a oferta de crédito para pequenos empréstimos a beneficiados.
Em agosto, no entanto, Temer decidiu deixar a cargo do Congresso a responsabilidade de aprovar ou não metade dos recursos destinados ao programa em 2019 - assim, o Bolsa Família corria o risco de perder R$ 15 bilhões dos R$ 30 bilhões previstos inicialmente para o programa.
Após a má repercussão em período eleitoral, o presidente voltou atrás e decidiu repor os R$ 15 bilhões do orçamento original.
Temer também destacou a Declaração Universal dos Direitos Humanos e as negociações brasileiras por um Pacto Global sobre Migração, dando destaque novamente aos refugiados venezuelanos que têm chegado ao Brasil.
"Estima-se em mais de um milhão os venezuelanos que já deixaram seu país em busca de condições dignas de vida. O Brasil tem recebido todos os que chegam a nosso território. São dezenas de milhares de venezuelanos a quem procuramos dar toda a assistência", disse.
Segundo um auxiliar, no entanto, "o presidente diz que o Brasil apoiou migrantes venezuelanos, mas foram as imagens de expulsão violenta dos refugiaos que correram o mundo".
"Temos promovido sua interiorização para outras regiões do Brasil. Emitimos documentos que os habilitam a trabalhar no país. Oferecemos escola para as crianças, vacinação e serviços de saúde para todos. Mas sabemos que a solução para a crise apenas virá quando a Venezuela reencontrar o caminho do desenvolvimento", continuou, dizendo que o Brasil tem "orgulho de nossa tradição de acolhimento".
"Há um pedaço do mundo em cada brasileiro", disse o presidente, que começa a contagem regressiva para deixar o Palácio do Planalto.