'Troquei o telejornal por Scooby-Doo': cansados de política, brasileiros criam estratégias para fugir do debate
Você pode substituir o noticiário político por Scooby-Doo, por exemplo. Essa é a sugestão da gerente de concessionária Jadna Andrade, de 40 anos, que diz estar cansada de ler, ouvir e falar tanto de impeachment, votações, Congresso, governo.
Às vezes, no lugar do jornal, também vê episódios da Turma da Mônica. “Assisto a desenho porque limpa minha mente e a esvazia dos problemas diários. É uma historinha bobinha, infantil. Um ritual para dormir.”
Jadna faz parte de um grupo de brasileiros que, cansados da quantidade de informações sobre os rumos da política, está criando estratégias para se afastar do tema.
A BBC Brasil conversou com alguns deles para saber o que estão fazendo para fugir da crise política e também com psicólogos, para discutir qual é o ponto de equilíbrio entre a alienação e a superexposição.
Jadna também parou de ouvir rádio no caminho para o trabalho e agora só escuta música clássica: Mozart está entre seus favoritos.
“Ouvia o jornal todo dia, na ida e na volta. Estava ficando mal humorada e nervosa, e não sabia o porquê. Ficava me perguntando: será que são as noticías? Com a música clássica deixei de ficar assim.”
Outra medida é apagar as montagens e textões sobre corrupção recebidos pelo WhatAspp: “nem olho e deleto.”
Apesar de todas as estratégias para fugir do tema, ela não deixa de ir nas manifestações antigoverno.
“Não posso deixar de participar, porque é o destino do meu país, mas também não posso ficar focada só nisso. Não quero adoecer mentalmente e emocionalmente.”
O mais comum, no entanto, é que a blindagem à discussão política inclua também os protestos. Morador de Brasília - onde são esperados grandes atos no domingo, por causa de votação do impeachment na Câmara -, o engenheiro aposentado Luiz Lovato, de 76 anso, tem outros planos.
Depois do almoço, vai assistir filmes de faroeste estrelados pelo americano John Wayne. À noite, jogará paciência no computador. Sua filha e sua mulher vão para as manifestações, mas ele está muito decepcionado e cansado para se juntar a elas, explica.
Com “receio de que alguma notícia vá prejudicar sua saúde”, o gaúcho passou a colocar erva cidreira no chimarrão e desistiu de assistir aos telejornais. Outro dia, no horário no jornal, viu “Bonequinha de Luxo”, clássico dos anos 1960 com Audrey Hepburn: “pelo menos é um bom filme.”
No meio do mato
Há também quem prefere se isolar das notícias fora de casa - onde não pega sinal de celular.
Nem se quisesse, o contador carioca Alexandre Godoy, de 35 anos, conseguiria saber o resultado da votação do domingo. Ele estará na metade de uma travessia de 31 km por florestas e montanhas entre as cidades de Petrópolis e Teresópolis, no Rio de Janeiro.
“Faço atividades físicas regularmente e não será o impeachment que vai me impedir neste fim de semana. Depois vejo as repercussões.”
Mesmo se não fizesse a travessia, diz, iria ao cinema para não estar em casa. Ele também se nega a participar dos protestos. “Manifestação para quê? Lugar de protestar é na urna.”
A analista de sistemas Juliana Pereira também evita os protestos, que considera carregados de "energias negativas". O mesmo vale para as discussões on-line.
“Tenho muita sensibilidade energética. Quando você começa a ver posts, memes e se envolve nessa coisa toda que está rolando no Facebook, acaba entrando numa energia de raiva, injustiça.”
Nos portais, passa batido das manchetes políticas em busca de “notícias melhores”. “Não fico mais abrindo as reportagens, lendo tudo, procuro coisas boas.”
Alienação x superexposição
Mas até que ponto participar da discussão política e acompanhar de perto o noticiário é ruim?
Psicólogos ouvidos pela BBC Brasil deram dicas para identificar se o consumo de informações e o envolvimento nos debates está passando dos limites.
Uma delas, diz o professor de psicologia da PUC-SP Antonio Carlos Amador Pereira, é perceber o quanto esse tema já interferiu na vida pessoal. Brigar com a família ou amigos por causa de posições políticas e deixar de fazer alguma atividade para ficar ligado na televisão não são bons sinais.
Segundo Pereira, é notável que há um esgotamento dos brasileiros ante a situação política do país. Ele diz que muitos se sentem traídos pelos líderes nos quais confiaram e a quem atribuíam “poderes messiânicos”. A frustração viria de forma apaixonada e impediria uma análise racional. Portanto, distanciar-se um pouco do turbilhão é bom, pondera o psicólogo.
“Tem que ter um certo afastamento, até para enxergar melhor as coisas. Se você começa a acompanhar como uma novela, cria a expectativa do final que você deseja e que não vai acontecer amanhã. Domingo vai ter a votação, mas o processo vai se alongar por meses. As pessoas ficam esgotadas.”
Pereira ressalta que ter estar atento ao que acontece não exige tensão ou violência. Segundo ele, é possível ter posturas firmes com serenidade, ao exemplo de Gandhi: “conseguiu a independência de um país sem pegar uma arma.”
“Nesse sentido, se está cansado, dê um tempo. É final de semana, não deixe de se divertir porque tem uma votação. Se você ficar na frente da TV, o mundo não vai deixar de mudar. Não é alienação, é busca de saúde.”
A psicóloga e professora do Instituto de Psicologia da USP Leila Tardivo diz que, essa busca também passa por separar a vida coletiva da privada. Apesar de problemas do país, como a crise econômica, estarem afetando as famílias, é importante manter as esferas em perspectivas diferentes.
“A gente tem sentido um sofrimento mais intenso. O desemprego traz a angústia, o medo do futuro; mas é o momento de tocar a vida, de proteger o privado e as nossas relações significativas.”
E, segundo ela, de não idealizar saídas mágicas para a melhora do país. “Na segunda, trabalhamos do mesmo jeito. (A votação) não vai resolver magicamente nada. Podemos sair desse momento amadurecidos, pensando em possibilidades de desenvolvimento, de harmonizar pensamentos distintos."