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Vídeo de brasileiros na Rússia é retrato de sexismo 'cotidiano' e é preciso um basta, diz representante da ONU

Para o representante das Nações Unidas, a exposição da mulher retratada no vídeo representa violência a todas as mulheres e a indignação que o caso despertou precisa se refletir na prática.

22 jun 2018 - 15h57
(atualizado em 26/6/2018 às 15h52)
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Representante da ONU diz que a indignação que o caso despertou precisa se refletir na prática
Representante da ONU diz que a indignação que o caso despertou precisa se refletir na prática
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

No primeiro comentário oficial das Nações Unidas sobre o vídeo em que brasileiros induzem uma mulher russa a repetir palavras obscenas durante a Copa do Mundo da Rússia, o representante do secretário-geral da ONU no Brasil, Maurizio Giuliano, lembra que a violência psicológica contra mulheres acontece todos os dias - e, na maioria esmagadora das vezes, não tem visibilidade.

"O vídeo foi gravado em um lugar e em um contexto particularmente visíveis. É a Copa do Mundo. A agressão foi filmada, envolve uma mulher estrangeira, reúne vários homens, não apenas um, e também circulou online", diz Giuliano em entrevista à BBC News Brasil.

"Mas é fundamental que nos lembremos que este caso é um de uma série de agressões que acontecem todos os dias, em todos os lugares. E isso precisa de um basta", continua o italiano, diretor do Centro de Informações da Organização das Nações Unidas para o Brasil. "Este caso particular é emblemático de um problema muito amplo."

Segundo o representante da ONU, a exposição da mulher retratada no vídeo representa uma violência para todas as mulheres e a indignação que o caso despertou precisa se refletir na prática, em situações cotidianas.

"Diferentemente do que muitos pensam, a violência sexual não é apenas física, mas também pode ser psicológica", afirma. "Precisamos de uma consciência pública sobre todas as formas de violência contra as mulheres."

Responsabilidade da Fifa

Após a repercussão do caso, o Ministério Público Federal no Distrito Federal abriu uma investigação criminal.

"O MPF entende que a conduta dos brasileiros denegriu a dignidade e expôs a estrangeira a humilhação pública, diante do cunho nitidamente machista e discriminatório percebido nas imagens", diz a Procuradoria, em decisão divulgada na última quarta-feira.

Neste vídeo, três jovens são induzidas a dizer que querem fazer sexo com o torcedor brasileiro. Elas repetem as palavras sem entender o significado delas
Neste vídeo, três jovens são induzidas a dizer que querem fazer sexo com o torcedor brasileiro. Elas repetem as palavras sem entender o significado delas
Foto: BBC News Brasil

"A instauração da investigação foi determinada com base nos artigos 1, 3 e outros da Convenção Internacional sobre Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra a Mulher. O normativo estabelece a definição do que significa discriminação contra a mulher e deixa acordado que os signatários devem garantir o exercício e gozo dos direitos humanos e liberdades fundamentais em igualdade de condições com o homem", continua a decisão.

Questionado sobre a postura adequada para a Fifa em relação ao caso, o diretor das Nações Unidas no Brasil aponta que qualquer grande organização ligada aos esportes tem obrigação de evitar este tipo de episódio.

"Órgãos como a Fifa ou Comitê Olímpico têm de tomar medidas para prevenir esse tipo de violência sexual, seja física ou psicológica, através da educação e da sensibilização", avalia.

O representante não quis comentar o papel do Itamaraty ou do governos dos dois países. "Em termos de repercussão legal, cabe às autoridades russas e brasileiras determinarem o melhor caminho", acrescentou.

Exposição dos envolvidos

O caso também levantou a discussão sobre o que poderia ter se tornado "linchamento virtual" dos envolvidos no vídeo, que em entrevistas ressaltaram indignação com a exposição e preocupação com sua integridade física após o ocorrido.

Representante da ONU no Brasil lembra que maioria dos casos de violência psicológica contra mulheres não tem visibilidade
Representante da ONU no Brasil lembra que maioria dos casos de violência psicológica contra mulheres não tem visibilidade
Foto: Organização das Nações Unidas / BBC News Brasil

Questionado, o diretor da ONU afirma que eles devem receber tratamento digno e de acordo com a legislação.

"Qualquer pessoa no mundo que cometa qualquer tipo de ato questionável deve ser tratada de acordo com a lei e as normas do sistema legal", diz Giuliano, que antes do Brasil trabalhou em escritórios da ONU em locais como Afeganistão, Sudão e Timor Leste.

Para o advogado russo Andrei Shugaev, dificilmente esses casos poderiam ser enquadrados como crime ou contravenção. Segundo ele, falar palavrões em público é uma ofensa administrativa punível com multa ou detenção.

No entanto, Shugaev destaca que a polícia russa não tem agido com rigidez nesses casos durante a Copa do Mundo.

Num dos vídeos que circulam pelas redes sociais, um adolescente é induzido a dizer que quer 'dar para o Neymar'
Num dos vídeos que circulam pelas redes sociais, um adolescente é induzido a dizer que quer 'dar para o Neymar'
Foto: BBC News Brasil

A jurista e ativista feminista russa Alena Popova, por sua vez, deu início a uma petição online, endereçada ao Ministério de Assuntos Interiores da Rússia, pedindo que os autores do vídeo sejam responsabilizados.

Segundo a petição, há diferentes artigos na legislação do país que punem quem "publicamente humilha a honra e a dignidade de uma menina ou mulher russa". Conforme o documento, os autores do vídeo podem ser enquadrados em dois artigos que penalizam quem "insulta a outrem" ou "atenta contra a ordem pública".

"Mais do que isso, queremos que os estrangeiros que fizeram o vídeo peçam desculpas públicas à jovem e a todos os cidadãos da Rússia pelo sexismo, desrespeito às leis russas, desrespeito às cidadãs russas, insulto e humilhação baseada em gênero", conclui a petição, que até o fechamento desta reportagem reunia 25 mil assinaturas.

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