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Viroses nas praias evidenciam falta de saneamento básico

22 jan 2025 - 13h11
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Tratamento adequado de esgoto poderia evitar surtos de viroses, como os registrados na Baixada Santista, além de melhorar a conservação ambiental do litoral e impulsionar o turismo.Nos primeiros dias do ano, moradores e turistas da Baixada Santista sofreram com surtos de gastroenterite, uma doença que causa diarreia, vômito e náusea. "Penso que o caso de São Paulo acendeu uma luz amarela forte", alertou a professora de Oceanografia da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Monica Ferreira da Costa. "Porque esses eventos podem se tornar cada vez mais frequentes e mais impactantes."

Para especialista em saneamento básico, surto recente de virose na Baixa Santista expõe falta de estrutura de região para atrair turistas
Para especialista em saneamento básico, surto recente de virose na Baixa Santista expõe falta de estrutura de região para atrair turistas
Foto: DW / Deutsche Welle

Embora a Baixada Santista tenha chamado a atenção da mídia devido à grande quantidade de casos de gastroenterite, o problema é recorrente em muitas praias brasileiras no verão. Cidades de Santa Catarina e Paraná também registraram aumento da doença em 2025, pressionando o sistema de saúde.

Ainda não foi encontrada a origem dos surtos em São Paulo, mas especialistas dizem que há uma forte correlação com a falta de saneamento básico adequado. Esgoto não tratado e lixo espalhado nas cidades vão parar nos rios e, depois, no mar, levando junto patógenos como vírus, bactérias, fungos e vermes. "Tudo o que você pode pegar no esgoto você pode pegar na praia, inclusive na areia", salientou Costa.

A Secretaria do Estado da Saúde de São Paulo (SES) encontrou o norovírus, um patógeno geralmente transmitido por via fecal-oral, em amostras das fezes de pacientes em Guarujá e em Praia Grande. Por isso, nesse caso, a gastroenterite está sendo chamada de virose.

Costa, especialista em poluição marinha, destaca que, além da falta de saneamento adequado, principalmente de coleta e tratamento de esgoto, outro fator pode fazer os surtos ficarem mais frequentes e impactantes: as mudanças climáticas.

"As mudanças climáticas estão facilitando a sobrevivência desses microrganismos e ajudando na sua dispersão pelo meio ambiente. Porque há o aumento da temperatura da água e maior quantidade de água doce chegando ao mar, já que as chuvas estão mais frequentes, intensas e duradoras", explicou a pesquisadora.

O impacto no turismo

Além da saúde, o turismo foi afetado em São Paulo. Segundo o Sindicato de Hotéis, Restaurantes, Bares e Similares da Baixada Santista e Vale do Ribeira (SinHoRes), 19% das reservas foram canceladas na primeira semana do ano. "Nós nos preparamos o ano inteiro para a temporada de verão. Além das reservas canceladas, provavelmente muitas pessoas deixaram de procurar a região", disse o presidente do sindicato, Arthur Veloso.

A Federação de Hotéis, Restaurantes, Bares e Similares do Estado de São Paulo (FHORESP), da qual Veloso é conselheiro, cobrou o governo de São Paulo. Em um ofício, reclamou que os surtos de viroses, além de arrastões, têm sido recorrentes há várias temporadas e se agravaram "com força desproporcional neste início de ano".

Falando a jornalistas, o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, culpou os esgotos clandestinos pela crise e alegou que a situação vai melhorar com mais investimentos da Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp).

Em nota à DW, a Sabesp afirmou que "o surto de virose registrado no litoral paulista não tem relação com suas operações. Os sistemas de água e esgoto da região operam normalmente e são monitorados 24 horas por dia."

O SinHoRes considera que a situação está normalizada, mas a pauta do saneamento básico deve ser priorizada. "Virou assunto número um nosso. Tivemos que virar especialista em tratamento de esgoto e de água e em balneabilidade de praia. Porque sem isso nós perdemos nosso maior motor, nossa força de atração, que são as praias."

Ganhos bilionários

Ao mesmo tempo em que o setor de turismo é impactado pela falta de saneamento, também é causa do problema, de acordo com Luana Siewert Pretto, presidente executiva do Instituto Trata Brasil, uma Organização da Sociedade Civil de Interesse Público especializada em saneamento básico e proteção dos recursos hídricos.

"Há um movimento muito grande de pessoas para determinadas regiões por conta do turismo nas férias e em determinadas épocas do ano. Se a localidade não tratar o esgoto, ele vai para a natureza. O ideal seria ter primeiro coleta e tratamento de esgoto, para atrair depois as pessoas", avaliou.

Para Pretto, o setor de turismo está se voltando para a questão, mas bem menos do que deveria. "Cada vez mais o turismo está pensando neste problema. Porque um surto desses como no litoral de São Paulo prejudica muito o setor. Mas ainda há um longo caminho. A preocupação do setor ainda é baixa", avaliou.

Um estudo do Trata Brasil mostrou que o setor de turismo teria um ganho de R$ 80 bilhões com acesso universal ao saneamento básico até 2040. "As pessoas não querem ir a um local onde ficam doentes. Então isso prejudica o turismo naquela localidade. Infelizmente, em muitos locais, o saneamento básico ainda é visto como aquele ditado: obra enterrada não dá votos."

O Novo Marco Legal do Saneamento estabelece que até 2033 o Brasil precisa universalizar o acesso à água potável (99%) e à coleta e tratamento de esgoto (90%). O estudo do Trata Brasil indica que, mantendo o atual ritmo, a meta seria cumprida somente em 2070, com um atraso de 37 anos.

Para Pretto, uma oportunidade de mudar este cenário são os novos mandatos de prefeito, já que o saneamento básico é uma prerrogativa municipal. "Os ciclos são longos nos projetos de saneamento básico. É preciso fazer o projeto de engenharia, o licenciamento ambiental e depois a obra, para só depois melhorar os indicadores. Se não fizermos nada hoje, vamos continuar convivendo com esses surtos."

Praias próprias ou impróprias?

Uma das formas de perceber a poluição das praias são as medições de balneabilidade, regulamentadas pelo Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama). A análise verifica se a água está própria ou imprópria para o banho, ou seja, podendo ter patógenos como vírus ou bactérias.

Um levantamento do jornal Folha de S. Paulo mostrou que a qualidade das praias brasileiras caiu ao pior nível desde 2016, quando o jornal começou a fazer a pesquisa - em 2020 os dados não ficaram disponíveis por causa da pandemia. A pesquisa mostrou que das 861 praias que tiveram sua balneabilidade medida todos os anos, apenas 258 foram consideradas boas.

Uma tese de doutorado analisou a balneabilidade das praias da costa leste do nordeste brasileio e também identificou, na média, piora nos índices. "Foi possível constatar que a balneabilidade, apesar de ser influenciada por fatores meteorológicos e oceanográficos, como quantidade de precipitação e alterações de maré, o principal fator de queda é a falta de saneamento ambiental", escreveu a pesquisadora Cibele Rodrigues da Costa.

O saneamento básico é geralmente comparado a uma mesa, em que cada perna representa um componente: abastecimento de água potável; esgotamento sanitário; gestão de resíduos sólidos (coleta de lixo); e drenagem e manejo de águas pluviais. Sem um desses pilares, o todo fica desequilibrado.

Na análise da professora da UFPE, o tratamento de esgoto é uma das pernas que mais precisa de atenção, junto com a coleta de lixo. "Se fizéssemos o tratamento de esgoto, estaríamos nos livrando dos vírus, das bactérias, dos fungos, dos vermes. E estaríamos livrando a fauna e a flora marinha também dessas coisas - e de cafeína, cocaína, fármacos, excesso de matéria orgânica, de óleo, de metais pesados."

Deutsche Welle A Deutsche Welle é a emissora internacional da Alemanha e produz jornalismo independente em 30 idiomas.
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