Vítimas de violência, transexuais brasileiras viram alvo na Itália
Nos últimos cinco anos foram assassinadas 20 transexuais na Itália, a maioria brasileira
Cidade da Utopia. É neste Centro Cultural alternativo na periferia de Roma que a Associação Libélula ocupa um espaço. A presidente, a transexual brasileira Leila Daianis, radicada em Roma há 33 anos, recebeu a reportagem do Terra enquanto atendia duas associadas. Uma transexual de Nápoles e outra francesa. Uma outra transexual brasileira aparece: havia terminado uma sessão de “aconselhamento”.
Não existe uma estatística oficial, mas um levantamento da Associação Libélula revela que atualmente aproximadamente mil transexuais brasileiras vivem na Itália. Ideologicamente comprometida em dar voz e imagem a essa comunidade invísivel aos olhos da sociedade e da legislação, Leila Daianis é referência para as transexuais em Roma e na Itália, e não somente às brasileiras.
“Recebemos pessoas de todos os lugares, e não só transexuais. Acolhemos estas pessoas, aconselhamos e procuramos dar apoio nos mais variados aspectos, desde um aconselhamento informal até assistência jurídica e registro civil”, explica.
Não é preciso uma estatística oficial para entender o motivo que impulsiona tantas transexuais brasileiras a atravessarem o Atlântico em direção à Europa: uma vida melhor longe da violência do Brasil. Muitas vezes, os primeiros contatos com os “vendedores de sonhos” acontecem ainda em solo brasileiro, com falsas promessas ou até mesmo uma passagem aérea paga cujo retorno, entretanto, não é garantido.
Um cidadão brasileiro pode permanecer na Europa, sem visto, por no máximo três meses. Se deseja prolongar a permanência, deve apresentar um motivo à imigração. É justamente nesse momento no qual o ‘estar ilegal’ passa a ser uma realidade que muitas transexuais brasileiras começam a perceber que o sonho de viver na Europa não era tão dourado assim.
“Antes de vir para a Itália, deve-se pensar em quantas são as barreiras que existem aqui. Uma delas são as normativas. Porque se a pessoa não vem com um trabalho, com uma coisa já certa, é inútil vir, porque depois passa a ser irregular, passa a cometer um crime na Itália. Pessoas sem documentos regulares são consideradas criminosas”, adverte Leila.
Discriminação
Na Itália a transfobia tem capítulo específico dentro de propostas de leis que estão sendo apresentadas – com muita fadiga pelos movimentos LGBT – ao Parlamento, portanto ainda não é passível de punição legal.
“Aqui na Itália existe muita discriminação, mas é uma discriminação diferente. Te tratam bem para poder ver você longe, um pouco como acontece em toda a Europa. Os europeus são assim, eles te tratam, te ajudam, mas querem uma distância.”
Troca de sexo na Itália
A Cirurgia de Redesignação Sexual (CRS) custa, na Itália, entre 25 e 30 mil euros. A Organização Mundial de Saúde considera a transexualidade um transtorno de identidade de gênero. A avaliação de um médico é necessária para identificar tal transtorno e, necessariamente, para autorizar a cirurgia. Contudo, no caso de cidadãos brasileiros, não basta pagar para realizar a operação na Itália, como explica Leila.
“É preciso ter residência na Itália. Uma pessoa em situação ilegal não pode fazer. É possível, todavia, fazer tratamentos médicos e endocrinológicos. Para isso, existe uma lei que autoriza os estrangeiros a obterem esses tratamentos temporariamente. Porém, não é possível entrar com o pedido para a CRS.”
Prostituição
Na Itália as estatísticas da violência contra as transexuais revela que as brasileiras estão entre as maiores vítimas de homicídios, na maior parte ligados à prostituição.
“De acordo com o Transgender Europe (ONG de apoio a transexuais na Europa), na Itália, nos últimos cinco anos foram assassinadas 20 transexuais, a maioria brasileira”, recordou Leila durante uma manifestação na Piazza del Popolo, no centro histórico de Roma.
A maioria das transexuais brasileiras na Itália se prostitui e muitas o fazem pelo dinheiro necessário para fazer a CRS, seja no Brasil ou na Europa. Porém, nessa busca, muitas transexuais brasileiras terminam mortas. Isso porque, se por um lado, muitas trans também querem fugir do Brasil, país com a maior taxa de assassinatos de transexuais do mundo, média de 95 por ano, de outra parte, a Transgender Europe revela que a Itália é o país europeu menos tolerante com as transexuais.
Questão de gênero
Leila chama a atenção para um erro comum nas tantas denominações da comunidade LGBT. Dentro do “T” estão os transexuais e os transgêneros. Os indivíduos transexuais trazem uma identidade de gênero oposta àquela do gênero biológico e nisto vem acentuada a necessidade de viver e ser aceito como pertencente ao sexo oposto. Nada a ver com a denominação “travesti”, - não usada na Itália - que identifica um sujeito que se veste como sendo do sexo oposto mas mantém a identidade de gênero.
Os mesmos conflitos de identidade de gênero são observados no indivíduo transgênero, contudo este não expressa a necessidade de viver e ser aceito como pertencente ao sexo oposto, uma vez que transitam entre um gênero e outro. Exemplo são as drags queens que, por desejo pessoal ou profissão, usam roupas do sexo oposto e não são, necessariamente, homossexuais.
“É importante que o foco – na questão dos direitos - não fique somente nos gays, mas também nas lésbicas e nas pessoas trans. Tem que ter uma paridade na própria comunidade LGBT porque o nosso ‘T’ está ali, mas é muito importante lembrar que aquele ‘T’ precisa ser valorizado, precisa ter dignidade também como os gays”, conclui a presidente a Associação Libélula.