Walter Delgatti condenado: de hacker da 'Vaza Jato' a homem-bomba do governo Bolsonaro
Programador, que está em prisão preventiva, atribuiu a Bolsonaro elaboração de planos para colocar em xeque segurança do sistema eleitoral e atrapalhar eleições; ele foi condenado a 20 anos de prisão, mas cabe recurso.
O programador Walter Delgatti Neto, mais conhecido como "hacker da Vaza Jato", foi condenado a 20 anos de prisão, mais multa, pelo caso de invasão do Telegram de autoridades, em 2019.
A decisão foi do juiz Ricardo Augusto Soares Leite, da 10ª Vara da Justiça Federal de Brasília.
Delgatti foi condenado pelos seguintes crimes: invasão de dispositivo informático, organização criminosa, lavagem de dinheiro e interceptação de comunicações.
Ele pode apelar da decisão.
Outras seis pessoas também foram condenadas pelo juiz no mesmo caso.
Delgatti virou uma das novas dores de cabeça para Jair Bolsonaro (PL), ao atribuir ao ex-presidente a elaboração de planos para colocar em xeque a segurança do sistema eleitoral e atrapalhar as eleições.
Em depoimento à Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) dos Atos Golpistas na semana passada, em Brasília, Delgatti, que está em prisão preventiva desde o início deste mês (ler mais abaixo), acusou a campanha de Bolsonaro de querer forjar uma invasão de uma urna eletrônica, a menos de um mês das eleições.
O intuito seria minar a confiança no processo eleitoral e manipular a opinião pública.
Também afirmou que o ex-presidente lhe pediu que assumisse a autoria de um suposto grampo contra o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes.
Delgatti disse ainda que o ex-presidente lhe prometeu um indulto caso fosse preso pela ação contra as urnas eletrônicas.
"Ele [Bolsonaro] me deu carta branca para fazer o que eu quisesse relacionado às urnas. Eu poderia, segundo ele, cometer um ilícito que seria anistiado, perdoado, indultado no caso", declarou Delgatti.
Mas o hacker não apresentou nenhuma prova de suas acusações. Também não esclareceu por que os supostos planos que ele atribui a Bolsonaro não foram levados adiante — a Polícia Federal deve ouvi-lo novamente nesta sexta-feira (18/8).
Bolsonaro e sua mulher, a ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro, já estão sendo investigados em meio a um suposto de esquema de desvio e venda de presentes dados por delegações estrangeiras à Presidência da República, como um conjunto de joias da Arábia Saudita.
Na quinta-feira, Moraes atendeu a Polícia Federal (PF) e quebrou o sigilo bancário e fiscal do casal.
Mas quem é Walter Delgatti Neto?
Ligações com Zambelli
Natural de Araraquara, no interior de São Paulo, Delgatti foi preso no início de agosto após uma operação que também mirou a deputada federal Carla Zambelli (PL), aliada de Bolsonaro. Não foi sua primeira prisão (ler mais abaixo).
Delgatti e Zambelli são suspeitos de estarem por trás de uma trama contra Moraes, que resultou na invasão dos sistemas do CNJ (Conselho Nacional de Justiça) e na inserção de documentos e alvarás de soltura falsos, dias antes dos atos antidemocráticos de 8 de janeiro.
O hacker diz que a invasão dos sistemas da Justiça foi um pedido de Zambelli. Ele alega que recebeu R$ 40 mil pela ação e apresentou provas "relacionadas a pagamentos que recebeu da deputada", informou o advogado de Delgatti, Ariovaldo Moreira.
'Vaza Jato'
Mas, antes de ser acusado de atacar os sistemas eleitoral e judiciário supostamente a pedido de Zambelli, Delgatti já havia se tornado conhecido nacionalmente em 2019.
Isso porque ele invadiu celulares de procuradores da Lava Jato e divulgou conversas entre eles e o ex-juiz e atual senador Sergio Moro (União Brasil), à época ministro da Justiça de Bolsonaro. A ação ficou conhecida como "Vaza Jato".
Por causa disso, ganhou o apelido de "hacker da Vaza jato".
Delgatti e Moro trocaram acusações durante a CPMI desta quinta-feira.
Quando Moro acusou o hacker de ter uma "extensa" lista de antecedentes criminais, Delgatti disse que leu as conversas do ex-juiz e o chamou de "criminoso contumaz".
Moro reagiu: "O bandido aqui... quem foi preso é o senhor".
As conversas divulgadas por Delgatti serviram para o STF anular algumas condenações determinadas por Moro, como foi o caso do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Na prática, isso permitiu ao petista concorrer as eleições presidenciais do ano passado.
A 'Vaza Jato' foi revelada em 2019 e culminou com a prisão de Delgatti e outros três suspeitos.
Denunciado como mentor da suposta quadrilha, ele teve a prisão preventiva revogada em outubro de 2020 e passou a aguardar em liberdade o julgamento do processo que corria na Justiça Federal do Distrito Federal, com uso de tornozeleira eletrônica e sem acesso à internet.
Mas acabou sendo preso novamente no fim de junho deste ano, por descumprir medidas judiciais, como não ter sido localizado em endereços indicados à Justiça — ele estava proibido de se mudar sem autorização. Também afirmou estar cuidando do site e das redes sociais de Zambelli. Além disso, fez compras on-line e usou um e-mail como chave PIX para arrecadar doações, mesmo estando barrado de usar a internet.
Antes de sua primeira prisão, em 2019, Delgatti já tinha uma longa ficha de antecedentes criminais — era investigado ou acusado da prática de crimes em pelo menos 20 casos.
Entre esses crimes estão: estelionato, furto qualificado, apropriação indébita e tráfico de drogas.
Em entrevista ao portal UOL, em 2022, Delgatti disse que estava cursando Direito em uma faculdade particular.
Mas, quando foi preso em 2019, em meio ao escândalo da 'Vaza Jato', afirmou à polícia que era "investidor" e que tinha conta bancária na Suíça.
Também já fingiu ser aluno de medicina da USP com uma carteirinha falsa "para enganar as meninas", em suas próprias palavras.
Delgatti foi criado pela avó e não tinha contato com a mãe. Seu pai morreu de enfarto em 2018.
Na juventude, era conhecido pelo apelido de "Vermelho", pelo cabelo e barba ruivos.
Outro lado
Em nota, a defesa de Bolsonaro acusou Delgatti de "calúnia".
"Considerando as informações prestadas publicamente pelo depoente Sr. Walter Delgatti Neto perante a Comissão Parlamentar Mista de Inquérito na presente data, a defesa do ex-Presidente Jair Messias Bolsonaro, informa que adotará as medidas judiciais cabíveis em face do depoente, que apresentou informações e alegações falsas, totalmente desprovidas de qualquer tipo de prova, inclusive cometendo, em tese, o crime de calúnia".
Em suas redes sociais, o advogado do ex-presidente, Fabio Wajngarten, insistiu que o hacker "mente e mente e mente".
"Um PRESIDENTE que SEMPRE jogou dentro das 4 linhas pediria para fraudar as eleições? Mente e mente e mente", escreveu ele no X, anteriormente conhecido como Twitter.
Um PRESIDENTE que SEMPRE jogou dentro das 4 linhas pediria para fraudar as eleições?
Mente e mente e mente.
— Fabio Wajngarten (@fabiowoficial) August 17, 2023
Também por meio de sua defesa, Carla Zambelli negou as acusações.
Segundo seu advogado, ela "somente se manifestará após integral conhecimento do conteúdo dos autos" e "novamente refuta e rechaça qualquer acusação de prática de condutas ilícitas e ou imorais pela parlamentar, inclusive, negando as aleivosias e teratologias mencionadas pelo senhor Walter Delgatti."