Brega funk: a ascensão de um ídolo do ritmo que é a 'aposta' de 2020 no Brasil
Cantor mais ouvido do brega funk nas plataformas de streaming, Dadá Boladão ilustra o crescimento do ritmo nascido na periferia do Recife e que se popularizou no Brasil com passinho contagiante: "Muita gente acabou deixando de fazer coisas erradas para estar dançando".
A agenda de Dadá Boladão, de 26 anos, não tem um dia em branco: 12 de janeiro, São Paulo (SP); 13, Recife (PE); 14, Lisboa (Portugal)... Num período de 20 dias neste início de ano, o cantor pernambucano, estrela do brega funk, pisou em 20 palcos diferentes no Brasil e no exterior, uma medida da explosão que o ritmo nascido na periferia do Recife experimentou ainda em 2019.
Da pequena cidade de Itapissuma, em Pernambuco, Dadá (apelido de Alef Flávio Pereira) viu sua vida — e também a de outros jovens ligados à música — mudar completamente nos últimos três anos: de uma casa destruída por uma enchente em um bairro pobre do Recife a um apartamento perto da praia no nobre bairro de Boa Viagem; de R$ 50 de cachê a R$ 10 mil cobrados para se apresentar em casas de shows do eixo Rio-São Paulo.
"Hoje, com um notebook e um celular na mão, um menino das favelas do Recife consegue tirar o sustento da casa dele", conta Dadá, que aparece como principal nome do ritmo nas plataformas de streaming no Brasil, como o Spotify. "Muita gente acabou saindo das ruas, deixando de fazer coisas erradas, para estar dançando".
No caso do brega funk, dançando, filmando e postando nas redes sociais. A ascensão do ritmo veio junto com o fenômeno do "passinho dos maloka", uma coreografia com movimentos rápidos das mãos em direção à cintura, acompanhando a batida acelerada.
A dança virou febre em encontros com milhares de jovens em praças e parques da capital pernambucana e foi se espalhando para capitais vizinhas, como João Pessoa, Maceió, Natal… até conquistar a internet.
A apresentadora Xuxa tentou reproduzir o passinho na TV e viralizou nas redes sociais, a cantora Anitta aprendeu e levou os passos para seus shows superproduzidos, e a também cantora Pabllo Vittar fez até hit com a batida do brega funk, a música Parabéns, lançada no fim do ano passado.
Tanta visibilidade trouxe resultados impressionantes até mesmo para quem já conhecia a cena do Recife. O Spotify apontou um crescimento de 145% na reproduções de músicas do ritmo em 2019.
"Definitivamente o brega funk se destacou dos outros ritmos no ano passado. Os artistas passaram a aparecer no ranking das mais tocadas no Brasil, o que é um grande termômetro para a gente", afirma à BBC News Brasil Roberta Pate, diretora de relacionamento com artistas e gravadoras do Spotify na América Latina.
O Deezer, outra plataforma popular no Brasil, informou que o ritmo é a "aposta" para 2020. Motivo: a playlist que concentra as músicas do estilo cresceu 680% em dezembro de 2019, na comparação com os primeiros meses do ano passado. Dadá Boladão, que disparou após o lançamento do hit Surtada, registrou no final do ano passado um crescimento de 2.963% em relação à média mensal dele até agosto de 2019.
Brega + Funk
Como o nome do estilo musical já diz, a história do brega funk remete à trajetória dos dois ritmos na periferia do Recife.
Do lado do brega, o nome associado imediatamente é o de Reginaldo Rossi, que ganhou o "título" de rei do ritmo no final dos anos 1980, após o sucesso nacional da música Garçom. Inicialmente, o cantor rejeitava a denominação de "brega", usada para classificar algo "cafona, de qualidade inferior". Mas acabou aceitando a coroa e surfou na onda das músicas sobre dores de cotovelo e traição.
O romantismo do brega inspirou dezenas de bandas, que estouraram em programas de auditório locais, principalmente no início dos anos 2000. Nessa mesma época, a banda paraense Calypso fixou residência no Recife, aproveitando a sua localização no centro do Nordeste, e passou a incorporar aspectos do tecnobrega de Belém na cena pernambucana.
Já do lado do funk, o sucesso do ritmo dos morros cariocas também aconteceu na cidade. O jornalista cultural e pesquisador de ritmos da periferia Gabriel Albuquerque, da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), explica que, no início dos anos 2000, os bailes funk que aconteciam no Recife eram marcados pela rivalidade entre bairros, o que envolvia facções e brigas dentro e fora das festas.
Os conflitos levaram ao fechamento de casas de shows e ao estigma contra os artistas. Foi quando os MCs entenderam que, para fazer sucesso, precisariam incorporar aspectos do brega, já estourado na cidade, às suas músicas. Entre 2008 e 2009, o MC Leozinho lançou o que, para muitos, é considerado o primeiro brega funk.
"Foi uma maneira de atingir mais gente. Todo mundo que hoje faz sucesso no brega funk passou por isso", destaca Albuquerque.
Neste contexto, surgiu a figura de Dadá Boladão. Muito antes do atual contrato com a produtora KondZilla, dona do maior canal de YouTube do Brasil, ele corria atrás do sonho de muitos meninos das periferias brasileiras: ser jogador de futebol.
Largou a escola antes de se formar no ensino médio, foi morar em Sergipe para jogar num time local, mas a carreira com a bola no pé não vingou. A música, por outro lado, começava a parecer mais atraente.
Aos 19 anos, começou a ganhar os primeiros cachês em festas no Grande Recife, ao lado do MC Tocha. Em 2016, decidiu se arriscar na carreira solo. Cobrava R$ 100, mas muitas vezes recebia só R$ 50 na hora do show, dinheiro que não dava para pagar músicos e dançarinas. "Eu não tinha nada. Passava necessidade mesmo, sem ter nem o que comer, mas minha equipe continuava acreditando em mim", conta o artista, que hoje chega a cobrar R$ 10 mil para tocar em grandes eventos no Sudeste do Brasil.
Com o crescimento do mercado local, o brega funk foi substituindo o brega mais romântico no gosto da periferia recifense. "Esse fortalecimento interno, somado à profissionalização do audiovisual e aos videoclipes altamente disseminados na internet, fizeram o ritmo se espalhar", explica Alburquerque.
Para Dadá Boladão, a virada na carreira aconteceu em 2017, quando as cantoras Ivete Sangalo e Solange Almeida regravaram uma música sua, Revoltada. "A gente ficava cantando só para a galera do nosso bairro, dizendo os nomes dos amigos. Mas a gente foi ficando profissional, trabalhando na imagem até chegar a esse alcance nacional. Quando elas gravaram minha música, o meu nome saiu do Recife", lembra.
Já a explosão nacional do estilo veio com uma então adolescente de 15 anos, a MC Loma, e as Gêmeas Lacração, que emplacaram o hit do carnaval de 2018 após um vídeo caseiro da música Envolvimento viralizar na internet.
Em 2020, o sucesso do ritmo parece mais consolidado e menos dependente de hits na internet. "Não está mais restrito a festas regionais. Tem grande chance de estar presente não só no Carnaval, mas em todas as celebrações e eventos culturais", destaca Roberta Pate, do Spotify.
Na última semana de janeiro, das 20 músicas mais tocadas no Brasil na plataforma, quatro eram de brega funk — o ritmo perde apenas para o sertanejo, com 13 músicas.
A imagem da favela
A cena é comum: em esquinas, praças e parques do Recife, meninos e meninas se reúnem em grupos e, para as câmeras de celulares, repetem coreografias do brega funk.
Enquanto para uns é só uma brincadeira de fim semana, outros já levam como profissão. O dançarino Artur Borges, de 25 anos, consegue pagar contas em casa com o que ganha com apresentações com o grupo Magnatas do Passinho, um dos responsáveis por espalhar a coreografia pelo Brasil.
Borges e mais sete amigos dançavam outros ritmos pernambucanos, como o frevo, quando, em 2018, resolveram investir em outros passos de dança.
"Mudou a vida da gente a visibilidade que tudo isso trouxe, principalmente após artistas de fora começarem a dançar também. Ainda tem gente que faz cara feia quando vê a gente dançando na rua, mas agora estão aceitando mais, bem diferente do começo", destaca Borges, que se divide entre os palcos e uma barbearia.
Mesmo com todo o sucesso recente, o próprio Dadá Boladão diz que ainda enfrenta preconceito. "Claro que nem todo mundo que vai a um encontro é santo, mas isso acontece em qualquer lugar. Não é por causa da roupa que veste, do tipo de tatuagem ou do corte de cabelo que a gente deve ser tratado diferente. As pessoas precisam conhecer a nossa história", diz o cantor, sobre críticas aos encontros promovidos pelos jovens no Recife.
Sobre as críticas ao teor muitas vezes sexual das canções, Dadá destaca que isso também faz parte da "cultura da periferia" e que as músicas "contam uma história de ficção, como um filme".
Para o pesquisador Gabriel Albuquerque, apesar do sucesso experimentado pelo brega funk, os jovens ainda enfrentam repressão em sua terra natal.
"Na geografia do Recife, as favelas estão muito misturadas com os bairros nobres, diferentemente de São Paulo, por exemplo, que tem uma periferia muito distante, com que poucos têm contato. E aí a música da favela se mistura, e os encontros acontecem. Mas não sem conflitos."
Uma reportagem de 2019 da
conta a história de um jovem que perdeu um olho após ser atingido por bala de borracha disparada pela polícia numa praça. A publicação usou o caso para denunciar a repressão que meninos e meninas moradores das periferias enfrentam em espaços públicos recifenses.
Em janeiro de 2020, um jovem foi assassinado numa festa do bairro do Ibura, na zona sul da cidade, após uma ação da Polícia Militar, segundo
. Em nota, a PM negou a responsabilidade do disparo.
"Os nossos encontros acontecem em todos os cantos da cidade e, sim, existe o preconceito, porém menos que antes. E a gente sabe que ocupar esses lugares é melhor para nós, porque temos visibilidade e a repressão é menor", explica Borges, que considera Dadá Boladão um dos seus ídolos na música.
Muitas vezes de longe — diante da agenda lotada —, Dadá Boladão conta que ainda acompanha o movimento musical da periferia no Recife. "Tendo essa visibilidade, creio que é oportunidade tirar a imagem ruim da periferia. Eu acho que a favela venceu mesmo."