Script = https://s1.trrsf.com/update-1737639310/fe/zaz-ui-t360/_js/transition.min.js
PUBLICIDADE

Caroço do açaí, um remédio natural contra obesidade e diabetes

Pesquisa da UERJ mostra efeitos promissores do extrato da semente de açaí contra a obesidade e o diabetes

24 jan 2025 - 11h03
Compartilhar
Exibir comentários

O açaí (Euterpe oleracea), fruto típico da Amazônia, ganhou fama mundial nos últimos anos como um superalimento. Seus benefícios nutricionais amplamente reconhecidos levaram a um grande aumento na demanda nacional e internacional. Segundo o IBGE, o Brasil produziu cerca de 1,6 milhão de toneladas de açaí em 2023. No entanto, essa popularidade trouxe um problema ambiental significativo: os caroços, que representam mais de 70% do peso do fruto, são frequentemente descartados de maneira inadequada.

No início dos anos 2000, o professor Roberto Soares de Moura, do Instituto de Biologia Roberto Alcântara Gomes, na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (IBRAG/UERJ), visitou o estado do Pará, principal produtor de açaí no Brasil. Durante a viagem, ele observou de perto os impactos causados pelo descarte irregular desses caroços. Foi assim que surgiu seu interesse em investigar as propriedades medicinais desse resíduo, em colaboração com a professora Angela de Castro Resende.

Na época, existiam poucas iniciativas para reutilizar esses caroços. Com o passar dos anos, surgiram alguns projetos interessantes, desde a produção de cosméticos, bioplásticos, papel e biocarvão, até móveis e calçados.

Contudo, seu potencial farmacológico ainda é pouco explorado. Já era sabido que a polpa do fruto era rica em polifenois - compostos presentes em vegetais, como o resveratrol em uvas vermelhas e os ácidos fenólicos dos chás. Essas substâncias são conhecidas por suas propriedades antioxidantes, anti-inflamatórias e protetoras contra doenças crônicas. Assim, surgiu a hipótese de que os caroços também poderiam conter antioxidantes.

Em 2007, o professor Roberto iniciou os estudos sobre o extrato do caroço do açaí em seu laboratório, onde cinco anos mais tarde defendi minha tese de doutorado. As pesquisas que desenvolvo até hoje são voltadas para avaliação desse extrato em modelos de obesidade. Meu interesse surge da necessidade de criar estratégias terapêuticas naturais para o tratamento dessa condição, agravada pelas mudanças nos hábitos alimentares e no estilo de vida da população. A modernização tem promovido o consumo de alimentos ultraprocessados e um comportamento cada vez mais sedentário.

Após vários anos de estudos - financiados pela Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (FAPERJ) - nossa equipe tem confirmado que a suplementação alimentar com o extrato da semente de açaí apresenta efeitos muito promissores contra a obesidade e o diabetes, demonstrados em diversos modelos animais e culturas de células.

Benefícios ao fígado e metabolismo

Em nossos experimentos, geralmente usamos camundongos alimentados com uma dieta rica em gorduras, que induz obesidade e condições metabólicas similares às humanas. Desde os primeiros resultados, publicados em 2010, observamos que, ao acrescentar nessa dieta um suplemento com o extrato dos caroços de açaí, os animais ganharam 40% menos peso e tiveram níveis 14% menores de glicose e 70% menores de insulina. Além disso, as taxas de colesterol e triglicerídeos permaneceram normais, embora sejam cerca de 50% maiores nos que receberam apenas a dieta gordurosa.

Mais tarde, descobrimos que a associação com o extrato também levou a um menor acúmulo de gordura no fígado, mesmo em camundongos que ainda consumiam a dieta hipercalórica. Quando combinado com exercícios físicos, o extrato promoveu resultados ainda mais expressivos: redução de 70% na glicemia, 81% no colesterol total e 72% na gordura acumulada no fígado.

Mostramos algumas indicações de como esses mecanismos acontecem, com mudanças no metabolismo e aumento na excreção de colesterol. Também demonstramos que o extrato atua diretamente no sistema renina-angiotensina-aldosterona (SRAA), um conjunto de reações hormonais importantes para a regulação da pressão arterial e do equilíbrio de líquidos no corpo.

Proteção aos rins

Os benefícios do extrato também foram observados nos rins, protegendo-os em condições adversas como diabetes e hipertensão. Nesses casos, os rins frequentemente sofrem inflamação e têm dificuldade em filtrar o sangue - problemas conhecidos como nefropatias diabética e hipertensiva. Em estudos com ratos diabéticos ou naturalmente hipertensos, o tratamento reduziu a inflamação, normalizou os níveis de ureia e creatinina e preveniu danos renais graves.

Além disso, o extrato mostrou potencial para evitar hipertensão secundária em ratos com estreitamento da artéria renal. Esse bloqueio geralmente é causado pelo acúmulo de placas de gordura e frequentemente evolui para disfunções renais severas.

Analisando a interação do extrato em culturas de células, pudemos ver que ele as protege da oxidação induzida por doses tóxicas dos gases hidrogênio e oxigênio. As ações antioxidantes ocorrem em múltiplas frentes, tanto pela atuação direta dos compostos fenólicos do extrato, quanto por estimular a produção de outras enzimas protetoras.

Impactos no intestino e no cérebro

Nossos resultados mais recentes, fruto da tese de doutorado de Bernardo Arnoso, defendida em dezembro de 2024, mostram que o extrato do caroço tem ação similar à da metformina - um dos principais medicamentos para o tratamento do diabetes - mas com mecanismos um pouco diferentes e algumas vantagens específicas.

Além disso, como esperado, a alta ingestão de gorduras alterou a população de bactérias no intestino. Ambos os tratamentos restauraram um equilíbrio mais saudável, mas o extrato foi além: aumentou a produção de ácidos graxos de cadeia curta, substâncias benéficas que promovem a saúde intestinal e metabólica.

No cérebro, alterações causadas pela dieta no hipotálamo - região que regula fome e metabolismo - foram parcialmente revertidas pelos dois tratamentos, embora por vias distintas. A metformina aumentou a sensibilidade à leptina (hormônio que controla o apetite), enquanto o extrato modificou outros sinais relacionados com a ingestão de alimentos.

Próximos passos

Uma das grandes vantagens do extrato do caroço do açaí é seu processo de obtenção simples, que viabiliza sua produção em larga escala. O professor Roberto já registrou uma patente para o método de extração e, embora esteja disponível como suplemento alimentar, ainda são necessários estudos clínicos em humanos para viabilizar seu uso como medicamento.

Essa etapa é essencial para entender melhor como o composto é absorvido, distribuído e metabolizado pelo organismo, e assim definir doses seguras e identificar possíveis contraindicações. Apesar dos desafios burocráticos e éticos que têm atrasado os estudos translacionais, estamos buscando parcerias que possibilitem esses avanços em um futuro breve.

Paralelamente, nossa equipe também explora o potencial de outros produtos naturais promissores no tratamento de doenças metabólicas, como as folhas de Alpinia zerumbet (falso-cardamomo) e o própolis verde brasileiro.

A obesidade é um dos maiores desafios de saúde pública do século XXI. Além disso, o número de pessoas com diabetes vem crescendo em todo o mundo e estimativas apontam que deverá chegar a 1,3 bilhão de pessoas até 2050. Essas condições têm impactos profundos na qualidade de vida e sobrecarrega os sistemas de saúde. Nossas pesquisas buscam por alternativas naturais e sustentáveis para prevenir e tratar esses transtornos metabólicos. Acreditamos que o aproveitamento de resíduos do caroço do açaí para o desenvolvimento de compostos terapêuticos tem grande potencial de gerar um impacto positivo, tanto na saúde quanto no meio ambiente.

The Conversation
The Conversation
Foto: The Conversation

Cristiane Aguiar da Costa recebe financiamento da Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico. Integrante como inventora de Depósito de RESENDE, A.C.; OGNIBENE, D. T. ; da Costa, C.A. ; DE BEM, G. F. ; OLIVEIRA, B. C. ; SOARES, R. A. ; MOURA, R. S. D. . Patente: Privilégio de Inovação. Número do registro: BR10202001310, título: "USO DO EXTRATO DO CAROÇO DE AÇAÍ PARA TRATAMENTO DE ASTENIA ASSOCIADA AO ENVELHECIMENTO", Instituição de registro: INPI - Instituto Nacional da Propriedade Industrial, Brasil. Depósito: 26/06/2020

The Conversation Este artigo foi publicado no The Conversation Brasil e reproduzido aqui sob a licença Creative Commons
Compartilhar
Publicidade
Seu Terra












Publicidade