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Catar 2022: famílias buscam respostas sobre imigrantes mortos em obras antes da Copa

Parentes de migrantes que trabalham em projetos de construção civil dizem que falhas de segurança levaram à morte.

16 nov 2022 - 16h43
(atualizado às 16h50)
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Umesh Kumar Yadav era usuário frequente do TikTok
Umesh Kumar Yadav era usuário frequente do TikTok
Foto: Umesh Kumar Yadav / BBC News Brasil

O Catar transformou sua infraestrutura na preparação para a Copa do Mundo de 2022, que começa neste domingo (20/11).

Cinco milhões de pessoas do sul da Ásia foram empregadas em projetos de construção, inclusive do Nepal — onde famílias disseram à BBC que falhas de segurança levaram à morte de seus entes queridos.

Na madrugada de 10 de novembro, o voo QR 644 da Qatar Airlines pousou no aeroporto de Kathmandu, no Nepal.

Entre a carga descarregada do avião, estava uma grande caixa branca de madeira.

"Restos mortais do falecido Umesh Kumar Yadav, homem de 32 anos, nepalês" estava escrito do lado de fora da caixa.

Em Golbazar, a 250 km a sudeste de Katmandu, o pai dele amarrava um búfalo do lado de fora da casa de alvenaria da família. Ele mora em um dos bairros mais pobres de uma das nações mais pobres do mundo, onde as oportunidades são escassas.

Quando Umesh, seu filho, teve a chance de ir trabalhar no Catar, um dos países mais ricos do mundo, Laxman Yadav vendeu alguns búfalos para pagar US$ 1,5 mil a um agente de empregos que havia prometido arranjar um trabalho para ele.

Os pais de Umesh, Laxman e Sumitra, venderam parte do rebanho para conseguir um emprego para o filho no Catar
Os pais de Umesh, Laxman e Sumitra, venderam parte do rebanho para conseguir um emprego para o filho no Catar
Foto: BBC News Brasil

É comum agentes visitarem áreas carentes não apenas no Nepal, mas também em Bangladesh e na Índia, oferecendo aos jovens um emprego lucrativo no exterior, em troca de grandes quantias de dinheiro para garantir um visto a eles.

Os trabalhadores muitas vezes vão passando de um contrato para outro, tornando difícil para as famílias saberem onde estão trabalhando - ou para quem.

A duas horas de carro, no distrito de Dhanusha, fica a casa de Krishna Mandal. O pai dele, Sitesh, foi trabalhar no Catar há quatro anos.

Sitesh, que havia se mudado para o Catar há quatro anos, mandou selfies do trabalho para o filho
Sitesh, que havia se mudado para o Catar há quatro anos, mandou selfies do trabalho para o filho
Foto: Sitesh Mandal / BBC News Brasil

Às vezes, mandava selfies para o filho enquanto trabalhava.

"Ele me disse que trabalhava em tanques de água, mas não nos contou muito sobre o que estava fazendo", diz Krishna.

Sitesh deveria ter voltado para visitar a família em 12 de outubro. Mas, poucos dias antes, Krishna recebeu um telefonema dizendo que seu pai havia morrido em um acidente.

Um amigo da família disse que Sitesh estava trabalhando em tubulações de esgoto, dois metros abaixo do solo na capital Doha, quando um monte pesado de terra caiu sobre ele.

O atestado de óbito afirma que ele sofreu "múltiplas lesões contundentes devido ao impacto de um objeto sólido".

Krishna conta que não recebeu um único telefonema do empregador do pai, ou qualquer proposta de indenização.

A BBC entrou em contato com a empresa para a qual Sitesh trabalhava, mas eles não responderam ao pedido de comentário.

Poucas informações

Em Golbazar, Laxman não sabia muito sobre a vida do filho no Catar — como ele não tem smartphone, não podia acompanhar as atualizações diárias que Umesh costumava postar no TikTok.

Em seus vídeos, ele podia ser visto dançando diante do horizonte ou em sua acomodação em estilo dormitório com outros trabalhadores migrantes.

Umesh também compartilhava vídeos dele trabalhando em canteiros de obras, sorrindo no topo de uma escada ou até mesmo — no verdadeiro estilo TikTok — levantando pesados blocos de concreto como um desafio.

Em 26 de outubro, Umesh postou um vídeo dançando à noite em frente a arranha-céus que exibiam anúncios da Copa do Mundo.

Foi sua última postagem.

O primo de Umesh, que também se chama Laxman, e também estava trabalhando no Catar, recebeu uma ligação em 27 de outubro para informar que ele havia morrido. Ele foi com outros colegas ao canteiro de obras para descobrir como.

"Eles disseram que Umesh estava subindo no elevador do andaime, quando tocou em algo e quebrou, e ele caiu."

"Eles deveriam ter cuidado com a segurança no local de trabalho", diz Laxman.

Uma foto enviada ao primo de Umesh mostra um andaime quebrado pendurado na lateral de um prédio de vários andares
Uma foto enviada ao primo de Umesh mostra um andaime quebrado pendurado na lateral de um prédio de vários andares
Foto: BBC News Brasil

"Deveriam ter verificado tudo, e só então permitir que as pessoas trabalhassem."

A BBC entrou em contato com a construtora para a qual Umesh trabalhava — eles negam veementemente que um lapso na segurança tenha causado a morte dele.

"O acidente ocorreu como resultado de sua negligência e imprudência", diz o comunicado.

"O trabalhador que morreu foi muito descuidado na obra, e foi notificado várias vezes para cumprir as condições de segurança como os demais colegas, mas sem sucesso."

Desde que as obras de construção para a Copa do Mundo começaram no Catar, surgiram notícias sobre mortes de trabalhadores migrantes e as difíceis condições que enfrentam.

O governo do Catar diz que está comprometido em "garantir a saúde, segurança e dignidade de todos os trabalhadores empregados em nossos projetos". E afirmou à BBC que aprimorou os regulamentos de saúde e segurança.

A família de Umesh Kumar Yadav realizou um ritual fúnebre depois que o caixão com o corpo dele foi trazido de volta ao Nepal
A família de Umesh Kumar Yadav realizou um ritual fúnebre depois que o caixão com o corpo dele foi trazido de volta ao Nepal
Foto: BBC News Brasil

Mas novos dados fornecidos à BBC pelo Business and Human Rights Resource Centre mostram que, no ano passado, houve cerca de 140 casos de violações dos direitos dos trabalhadores, com cerca de metade relacionados a questões de saúde e segurança.

Eles acreditam que o número real pode ser maior, em parte omitido devido ao medo de represálias.

A BBC teve acesso a mais de uma dúzia de atestados de óbito de trabalhadores de todo o sul da Ásia em um período de seis anos. Muitos citam a causa da morte como "múltiplas lesões contundentes". As famílias dizem que ainda querem respostas.

Enquanto o caixão com o corpo de Umesh seguia do aeroporto para Golbazar, seu pai e dezenas de outros moradores se preparavam para o ritual de despedida — recolhendo pilhas de madeira e feno para iniciar uma fogueira.

No Nepal, é tradição que o filho mais velho acenda a pira. Laxman segurou então o filho de Umesh, Sushant, de 13 meses, no colo — enfiando um pedaço de graveto na mãozinha do bebê para que ele pudesse acender o fogo.

"Ele costumava nos ajudar. Temos empréstimos para pagar e seus filhos pequenos para sustentar", diz Sumitra, mãe de Umesh, com o rosto molhado de lágrimas.

"Ele era meu herói."

Reportagem adicional de Rajneesh Bhandari, Rammohan Pateriya e Mrigakshi Shukla.ça.

- Este texto foi publicado em https://www.bbc.com/portuguese/geral-63654204

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