'Ainda Estou Aqui' não ganhou verba de R$ 1 milhão do governo federal, nem recebeu via lei Rouanet
SUCESSO DO FILME DE WALTER SALLES GERA ONDA DE DESINFORMAÇÃO RELACIONADA AO USO DE RECURSOS PÚBLICOS; ATRIZ FERNANDA TORRES TAMBÉM É VITIMA DE BOATOS MENTIROSOS
O que estão compartilhando: que o filme Ainda Estou Aqui contou com recursos públicos em sua produção. O valor de R$ 1 milhão seria proveniente do Fundo Setorial do Audiovisual (FSA), linha de fomento gerenciada pela Agência Nacional do Cinema (Ancine). Outras postagens afirmam que a produção recebeu recursos via lei Rouanet.
O Estadão Verifica investigou e concluiu que: é falso. Segundo o Ministério da Cultura, Ainda Estou Aqui foi financiado com recursos próprios. Ou seja, não recebeu recursos públicos federais geridos pela Agência Nacional do Cinema (Ancine). A VideoFilmes, produtora majoritária do longa, adotou um modelo de parceria financeira internacional que reúne empresas como a brasileira Globoplay e as francesas Arte-Cinema e Mact Productions. Ao Verifica, Maria Carlota Bruno, diretora executiva da VideoFilmes e uma das produtoras do filme, disse que foram captados ainda recursos com pré-vendas internacionais. Vale dizer que o longa não poderia receber recursos da Rouanet, que não se aplica à produção de longas-metragens de ficção.
Saiba mais: Postagem na plataforma X diz: "Fernanda Torres desfila no tapete vermelho ao ganhar Globo de Ouro, mas quem bancou foi o contribuinte! O filme Ainda Estou Aqui pode ter captado até R$ 1 milhão do FSA. Não foi Rouanet, foi do Programa Brasil de Todas as Telas. A verdadeira vitória será não usarem dinheiro nosso."
Para sustentar a alegação de que o filme contou com apoio estatal de R$ 1 milhão, está sendo compartilhada uma informação de dezembro de 2017, quando foram anunciados projetos contemplados pelo edital PRODAV 13/2016, no Programa Brasil de Todas as Telas. A produtora VideoFilmes foi selecionada no subgrupo Núcleos Criativos, com a proposta para desenvolver cinco longa-metragens, Ainda Estou Aqui entre eles. O valor envolvia os cinco projetos.
Esta é uma linha de financiamento voltada para apoiar projetos em fase embrionária. É uma etapa que envolve, por exemplo, a formatação do roteiro. Maria Carlota esclarece que o valor não foi usado pela VideoFilmes e acabou devolvido ao Fundo Setorial. A informação é corroborada pelo Ministério da Cultura: "A VideoFilmes requereu a rescisão do contrato de investimento, com a consequente devolução dos valores repassados", comunicou.
"Nos termos do contrato, na hipótese de rescisão, os valores do investimento são devolvidos com acréscimo de correção e multa", continuou a nota. "Em virtude da rescisão, a empresa devolveu R$ 1.460.839,28 ao FSA em 14 de julho de 2022. Não existe, portanto, qualquer pendência ou irregularidade em relação ao contrato de investimento rescindido".
O filme dirigido por Walter Salles é uma produção brasileira em regime de coprodução internacional com a França. Salles é um dos sócios da empresa VideoFilmes. A Mact Productions, uma das co-produtoras do filme, é detentora dos direitos de comercialização de Ainda Estou Aqui na França.
Repercussão do filme e polarização política amplificam boatos
A repercussão de Ainda Estou Aqui e a polarização política amplificaram boatos relacionados ao filme, que é ambientado à época da ditadura militar instaurada no Brasil com o golpe de 1964. A trama acompanha a reviravolta na vida de Eunice Paiva, interpretada por Fernanda Torres, e seus cinco filhos a partir do desaparecimento de seu marido, o engenheiro e deputado cassado pelo regime Rubens Paiva (Selton Mello).
Levado de casa por policiais para interrogatório, em 20 de janeiro de 1971, por suspeita de dar suporte a opositores do governo que atuavam na clandestinidade, Rubens Paiva foi assassinado sob tortura. Seu corpo nunca foi encontrado. O filme é baseado no livro homônimo do escritor Marcelo Rubens Paiva, filho de Eunice e Rubens.
O filme se tornou um sucesso de crítica e de bilheteria. Entre outras distinções, Ainda Estou Aqui ganhou o prêmio de melhor roteiro no Festival de Veneza em setembro de 2024, foi eleito para representar o Brasil na disputa pela indicação ao Oscar de melhor filme internacional e valeu a Fernanda Torres o Globo de Ouro de melhor atriz em filme dramático no dia 5 de janeiro. Os concorrentes do Oscar serão anunciados no dia 19 de janeiro.
À medida que o filme amplificou seu sucesso, também a desinformação ganhou corpo. Outro boato disseminado nas redes sociais foi o de que Ainda Estou Aqui contou com investimentos via Lei Rouanet, mecanismo de apoio cultural do governo brasileiro. Porém, a Rouanet não se aplica à produção de longas-metragens de ficção.
Além das alegações de uso de dinheiro público, Ainda Estou Aqui vem sendo relacionado a alegações mentirosas envolvendo Fernanda Torres. Boato que voltou a circular pede boicote ao filme por conta de uma frase que Fernanda não disse, referente à pandemia de covid-19 e ao governo de Jair Bolsonaro: "Dane-se o povo e os cadáveres, se o vírus cumprir sua missão de abreviar o governo, tudo está bem". Como esclareceu o Estadão Verifica, a atriz nunca falou isso. Trata-se da reciclagem da mesma desinformação que havia circulado em 2020, também checada pelo Verifica.
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