Alvo de desinformação, conflito entre Israel e Hamas tem origens em disputa centenária
Este conteúdo foi atualizado em 1º de novembro de 2023
O atual conflito entre Israel e Hamas, iniciado em 7 de outubro após ataques terroristas do grupo islâmico em território israelense, já é o mais mortal da história de Gaza e o que mais vitimou israelenses nos últimos 50 anos. As raízes da disputa remontam à Primeira Guerra Mundial (1914-1918).
O conflito tem sido o principal assunto nas redes; junto de imagens gráficas da violência, circula também conteúdo desinformativo que busca causar pânico moral e fomentar a polarização. Boa parte dos posts enganosos e mentirosos desconsidera o cenário político ou omite pontos do conflito.
A fim de explicar o histórico entre Israel e Palestina, Aos Fatos organizou o guia a seguir:
- Quais são os desdobramentos mais recentes?
- Como começou o conflito atual?
- Por que o Hamas atacou Israel?
- De que lado está o Brasil?
- Que tipo de desinformação sobre o conflito tem circulado?
1. QUAIS SÃO OS DESDOBRAMENTOS MAIS RECENTES?
As Forças de Defesa de Israel fizeram na quarta-feira (1º) o segundo ataque em menos de 24 horas ao campo de refugiados de Jabalia, o maior da Faixa de Gaza, uma área densamente povoada. Israel justificou a investida dizendo que um líder do Hamas se encontrava no local e teria sido morto. Já a ONU chamou o ataque de "atrocidade".
Segundo as Brigadas Al-Qassam, braço armado do Hamas, 7 reféns morreram, 3 deles estrangeiros, após o ataque israelense contra o campo de refugiados.
Também nesta quarta (1º), Israel anunciou a morte de 15 de seus soldados, suas primeiras baixas desde o início da invasão por terra.
Em outra frente, as Forças Armadas israelenses anunciaram o envio de embarcações com mísseis para reforçar a segurança no Mar Vermelho, um dia após o movimento iemenita Houthi, ligado ao Irã, ter afirmado que continuaria atacando Israel com mísseis e drones.
Também na quarta (1º), os primeiros estrangeiros começaram a deixar Gaza pela fronteira com o Egito, após negociações mediadas pelo governo do Qatar, e o Itamaraty anunciou o resgate de 32 cidadãos brasileiros que estavam na Cisjordânia.
Confira outros episódios do conflito:
- O Ministério da Inteligência de Israel propôs deslocar os 2,3 milhões de palestinos da Faixa de Gaza para acampamentos na península do Sinai, no Egito, após o fim do conflito. A informação consta em um documento do ministério publicado pela imprensa israelense e confirmado pelo governo de Israel, que disse se tratar de um plano hipotético;
- Na segunda-feira (30), o Conselho de Segurança das Nações Unidas voltou a se reunir para tratar do conflito entre Israel e o Hamas e, novamente, não chegou a um acordo;
- Um dia após rejeitar qualquer possibilidade de cessar-fogo, Israel declarou na terça-feira (31) ter atacado homens armados do Hamas dentro do complexo de túneis construído pelo grupo. O Hamas, por sua vez, disse ter disparado mísseis antitanque contra as forças de Israel em Gaza. Nenhuma das informações pode ser checada de forma independente;
- Também na terça (31), Israel anunciou ter feito ataques aéreos no Líbano contra alvos do movimento xiita Hezbollah, aliado do Hamas que tem investido contra Israel desde o início do confronto;
- Na segunda (30), Israel anunciou ter atingido mais de 600 alvos em 24 horas e eliminado "dezenas de terroristas" após intensificar as operações na Faixa de Gaza no final de semana anterior, incluindo com o ingresso de tanques. A invasão por terra havia sido anunciada por Netanyahu no último dia 25;
- O secretário-geral da ONU, António Guterres, reagiu no sábado (28) ao que chamou de "uma escalada sem precedentes de bombardeios" , reforçando o pedido por um cessar-fogo imediato para a entrega de ajuda humanitária aos civis afetados pelo conflito;
- No dia 24, Guterres já havia condenado as ações de Israel na Faixa de Gaza, o que fez o embaixador israelense na ONU, Gilad Erdan, a pedir sua renúncia;
- Um pedido de trégua humanitária havia sido aprovado na última sexta (27) pela Assembleia Geral da ONU, embora a resolução não tenha poder para impor o cessar-fogo. O placar foi de 120 votos a favor, 14 contrários e 45 abstenções;
- Na preparação para a invasão de Gaza por terra, Israel cortou a internet do território no último dia 27, deixando a população palestina sem contato com o exterior;
- No dia 9, as autoridades israelenses já haviam imposto bloqueio total de água, comida e energia em Gaza até que os reféns fossem liberados pelo Hamas;
- Apesar de Israel ter autorizado, no dia 21, a entrada do primeiro comboio de ajuda humanitária, ela é considerada insuficiente pelos organismos internacionais e, no dia 29, a ONU divulgou que milhares de palestinos haviam saqueado os depósitos de alimentos da sua agência de assistência local, considerando que o incidente demonstra o desespero dos habitantes de Gaza e o colapso da ordem pública;
- O impacto do conflito sobre os civis tem levantado preocupações sobre a ocorrência de crimes de guerra em Gaza;
- No dia 17, uma explosão em um hospital de Gaza deixou centenas de mortos e feridos. O Hamas atribuiu a autoria dos ataques a Israel, que negou ter realizado o bombardeio e culpou o grupo extremista Jihad Islâmica pelo incidente, o que não foi confirmado.
2. COMO COMEÇOU O CONFLITO ATUAL?
No último dia 7 de outubro, o grupo extremista islâmico Hamas bombardeou diversas cidades israelenses em uma ofensiva tratada como uma operação de retomada de território. Além de disparar cerca de 2.200 mísseis — número citado por autoridades israelenses —, o grupo invadiu as fronteiras do país, assassinou civis e levou reféns.
Em resposta aos ataques, o primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, anunciou que o país estava em guerra e ordenou o bombardeio da Faixa de Gaza. Segundo a ONU, apenas durante a primeira semana de conflito, metade da população de Gaza — quase 1 milhão de pessoas, o equivalente à população de Maceió — foi obrigada a se deslocar.
Ataques. Imagens de satélite mostram fogo após ataques no dia 7 de outubro (Pierre Markuse/Wikimedia Commons)
O confronto atual remete a uma disputa de território que já perdura há décadas:
- Localizada entre o rio Jordão e o mar Mediterrâneo, a Palestina é considerada sagrada pelo cristianismo, pelo judaísmo e pelo islamismo. Até a Primeira Guerra Mundial (1914-1918), o território estava sob domínio do Império Otomano, mas depois foi repassado ao Reino Unido;
- Durante a Primeira Guerra, os britânicos prometeram aos árabes a criação de um Estado independente e aos judeus a criação de uma nação na Palestina. Isso levou a uma disputa interna entre as duas comunidades durante o controle britânico da região;
- O movimento sionista ganhou força após a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), principalmente em razão do Holocausto;
- Dois anos após o final da guerra, a ONU propôs, por meio da resolução 181, a criação de dois Estados — um árabe e um judeu — na região, sendo que Jerusalém seria um território separado governado por um regime internacional. A proposta foi aprovada por 33 votos favoráveis, contra 13 contrários e 10 abstenções. Os árabes, no entanto, foram contra a divisão, e o plano nunca foi implementado na prática;
- Desde então, a região foi palco de diversos conflitos, como a Guerra dos Seis Dias, em 1967, quando Israel ocupou a Faixa de Gaza e anexou territórios do Egito e da Síria, e a Guerra do Yom Kippur, em 1973. Também houve diversas tentativas frustradas de acordos entre palestinos e israelenses;
- Em 1994, o Acordo de Oslo — firmado entre Israel e a entidade multipartidária OLP (Organização para a Libertação da Palestina) — cria a ANP (Autoridade Nacional Palestina), para representar um governo de transição até que fosse estabelecido o Estado Palestino. O acordo também previa que Israel iria retirar suas tropas da Cisjordânia e de Gaza, mas isso não ocorreu;
- A organização islâmica Hamas, criada em 1987, durante o levante palestino contra a ocupação de Israel na Cisjordânia e na Faixa de Gaza, no entanto, se opôs ao Acordo de Oslo e, desde então, tem realizado ataques contra Israel. Sua principal bandeira é a criação de um Estado islâmico no território e a extinção do Estado de Israel;
- Desentendimentos entre o Fatah, partido que lidera a ANP, e o Hamas fizeram com que o território palestino se dividisse em duas regiões a partir de 2007 (veja abaixo): a Cisjordânia, governada pela ANP, e a Faixa de Gaza, controlada pelo Hamas;
- No último dia 15, o presidente da ANP, Mahmoud Abbas, condenou as ações do Hamas e afirmou que o grupo não representa a Palestina;
- É importante ressaltar que Israel foi responsável por ataques violentos contra a população palestina nas últimas décadas.
4. DE QUE LADO ESTÁ O BRASIL?
No mesmo dia em que ocorreram os primeiros bombardeios, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o Itamaraty condenaram os ataques do Hamas e disseram que as autoridades deveriam evitar a escalada do confronto.
O posicionamento não foi bem recebido pelas autoridades israelenses. O embaixador de Israel no Brasil, Daniel Zonshine, por exemplo, disse que o governo deveria ter sido mais duro e responsabilizado o grupo extremista. O presidente da Conib (Confederação Israelita no Brasil) também criticou o fato de o Executivo não considerar o Hamas um grupo terrorista.
Segundo o próprio governo, o Hamas não é classificado internamente como organização terrorista porque o Brasil segue as avaliações do Conselho de Segurança da ONU. Vale ressaltar, no entanto, que Lula chamou de "terroristas" os ataques ocorridos no dia 7 de outubro.
Fiquei chocado com os ataques terroristas realizados hoje contra civis em Israel, que causaram numerosas vítimas. Ao expressar minhas condolências aos familiares das vítimas, reafirmo meu repúdio ao terrorismo em qualquer de suas formas.
O Brasil não poupará esforços para…
— Lula (@LulaOficial) October 7, 2023
Lula é, historicamente, um defensor da causa palestina — foi em seu governo, por exemplo, que o Brasil reconheceu oficialmente o Estado Palestino e instalou uma Embaixada na Cisjordânia. Apesar de integrantes do Hamas já terem demonstrado simpatia pelo presidente brasileiro em outros momentos, não há qualquer relação entre Lula e o grupo extremista.
Durante o conflito atual, Lula tem se posicionado em defesa do cessar-fogo e de estratégias que garantam a segurança de civis:
- Em discurso no dia 25, o presidente classificou o conflito no Oriente Médio como um genocídio. "Não é uma guerra, é um genocídio que já matou quase 2.000 crianças que não têm nada a ver com essa guerra, são vítimas dessa guerra", disse;
- O Brasil, que preside o Conselho de Segurança da ONU em outubro, propôs uma resolução que pedia o cessar dos ataques para permitir o acesso de ajuda humanitária e a fuga de civis inocentes;
- Colocada para votação no dia 18, a proposta recebeu votos favoráveis de 12 países, mas foi vetada pelos Estados Unidos, aliado histórico de Israel. O país é um dos cinco membros do conselho com poder de veto — além de China, Rússia, França e Reino Unido;
- No dia 14, em conversa com o presidente da ANP, Mahmoud Abbas, Lula ressaltou mais uma vez a importância da criação de um corredor humanitário e da libertação dos reféns;
- No dia 12, o petista conversou com Isaac Herzog, presidente de Israel, e disse ter "condenado os ataques terroristas" e feito um "apelo por um corredor humanitário para que as pessoas que queiram sair da Faixa de Gaza pelo Egito tenham segurança". Lula disse ainda ter se colocado à disposição para ajudar nas negociações de paz;
- No dia 11, Lula publicou um apelo para que o Hamas libertasse as crianças israelenses feitas de reféns e que Israel cessasse os bombardeios para permitir a fuga de jovens e mulheres palestinos;
- Em seu primeiro posicionamento após os ataques, o presidente conclamou a comunidade internacional a trabalhar pela solução do conflito para garantir "a existência de um Estado Palestino economicamente viável, convivendo pacificamente com Israel dentro de fronteiras seguras para ambos os lados";
- Na sexta-feira (27), Lula voltou a comentar o conflito durante café da manhã com jornalistas, declarando que nem todo palestino é militante do Hamas e que mulheres e crianças "são as grandes vítimas desta guerra". Também acusou Netanyahu de querer "acabar com a Faixa de Gaza".
Repatriados. Governo federal trouxe de volta ao país brasileiros que estavam em Israel; estrangeiros que estavam em Gaza começaram a ser retirados pelo Egito (Paulo Pinto/Agência Brasil)
5. QUE TIPO DE DESINFORMAÇÃO SOBRE O CONFLITO TEM CIRCULADO?
Desde o início dos conflitos, as redes foram tomadas por conteúdos de desinformação. No Brasil, peças de desinformação têm usado a disputa no Oriente Médio inclusive para reforçar a polarização política: diversas publicações enganosas desmentidas por Aos Fatos tentam relacionar o presidente Lula ou partidos de esquerda ao Hamas, sugerindo, por exemplo, que o governo teria feito doações ou acordos com o grupo extremista.
Outras estratégias desinformativas que têm viralizado são as que usam imagens descontextualizadas para gerar engajamento. Esse é o caso de posts que compartilham registros de crianças e bebês vítimas de violência armada e de publicações que se apropriam de gravações antigas de outros conflitos e até cenas de videogame.
Veja abaixo o que o Aos Fatos desmentiu sobre o assunto até o momento:
- Fotos de menina sendo resgatada são de 2016 e não têm relação com conflito entre Israel e Hamas
- Qatar não ameaçou cortar fornecimento de gás mundial caso não haja cessar-fogo em Gaza
- Vídeo não mostra bombardeio de Israel a palestinos que buscavam água
- Vídeo não mostra caças americanos sobrevoando Tel Aviv;
- Vídeo mostra protesto no Bahrein em 2012, não ataque a embaixada comandado pelo Hamas;
- Vídeo não mostra membros do Hamas em Crateús, no Ceará;
- É falso que vídeo mostra discurso pró-Israel feito por líder palestino na ONU;
- Vídeo mostra prisão de líder armênio, não de comandante do Hamas;
- Vídeo de funeral encenado foi gravado na Jordânia em 2020, não recentemente na Palestina;
- Foto mostra Bolsonaro cumprimentando presidente dos Emirados Árabes Unidos, não chefe do Hamas;
- Governo Lula não assinou acordo de cooperação técnica com Hamas;
- Posts usam vídeo antigo para alegar que Michelle Bolsonaro recebeu brasileiros vindos de Israel;
- Vídeo mostra gravação de filme, não encenação de mortes no conflito entre Hamas e Israel;
- É falso que foto mostra Guilherme Boulos ao lado de integrantes do Hamas;
- Vídeo mostra ataque turco à Síria em 2020, não do Hamas contra Israel;
- Foto de bebê amarrado a granadas não foi registrada recentemente em Israel;
- Cenas de game circulam como se mostrassem ataque de Israel contra o Hamas;
- Vídeo antigo de bombardeio na Faixa de Gaza circula como se fosse resposta recente aos ataques do Hamas;
- Cenas de repressão a ato LGBTQIA+ na Ucrânia circulam nas redes como se mostrassem marcha pró-Hamas;
- É falso que foto mostra Lula cumprimentando chefe do Hamas;
- Vídeos de jogo circulam como se mostrassem guerra entre Israel e Hamas;
- Vídeo não mostra militantes do Hamas invadindo de parapente festa em Israel;
- É falso que Lula doou R$ 25 milhões a Hamas via decreto.
Referências
1. G1 (1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14 e 15)
2. Ansa Brasil
3. Aos Fatos (1, 2, 3, 4, 5 e 6)
5. O Globo (1, 2, 3, 4, 5, 6 e 7)
6. RFI
7. Agência Brasil (1, 2, 3, 4 e 5)
8. O Estado de São Paulo (1 e 2)
9. ONU News
10. CNN Brasil (1, 2, 3, 4, 5 e 6)
12. X (@ForensicArchi)
13. Estado de Minas
14. Folha de S.Paulo (1, 2, 3 e 4)
15. Al Jazeera
18. X (@LulaOficial 1, 2, 3 e 4)
20. Conib
22. Reuters
23. Veja