Chá de dente de leão não substitui tratamento médico para doenças do fígado e hipertensão

O que estão compartilhando: um vídeo em que um influenciador afirma que o chá de dente de leão é o melhor remédio para desinflamar e diminuir a gordura do fígado, e para regular a pressão alta e o açúcar no sangue. Segundo ele, a planta regula a glicose e a insulina e, assim, o fígado para de acumular gordura e o colesterol ruim para de subir.

O Estadão Verifica investigou e concluiu que: é falso. Especialistas consultados pela reportagem afirmam que não existe comprovação científica de que chás servem como remédio para o fígado, tampouco para regular a pressão ou controlar o colesterol. Alguns chás, inclusive, podem causar danos hepáticos. O chá de dente de leão tem propriedades diuréticas, digestivas e antioxidantes, mas não substitui tratamentos comprovados, de acordo com médicos.

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A reportagem procurou o autor do vídeo, mas ele não respondeu.

Saiba mais: o vídeo foi gravado por um homem que se identifica como farmacêutico e tem milhões de seguidores nas redes sociais. O conteúdo foi compartilhado por outras contas no Instagram e no TikTok. Além de citar benefícios não comprovados para a saúde, o autor da gravação ainda ensina uma receita de como preparar o chá para essa finalidade.

Chás não têm comprovação de eficácia e podem ser tóxicos

De acordo com a médica Patrícia Almeida, hepatologista do corpo clínico do Hospital Israelita Albert Einstein, embora o chá de dente de leão seja amplamente divulgado como benéfico, não há evidências suficientes para considerá-lo o "melhor remédio do mundo" para inflamações do fígado ou qualquer outra condição. "Ele é usado tradicionalmente por prováveis propriedades diuréticas, digestivas e antioxidantes, mas isso não substitui tratamentos comprovados", alertou.

Patrícia explica que pesquisas iniciais em ratos sugerem que o dente de leão poderia ajudar na digestão, estimulando a produção de bile, e apresentar leve impacto na regulação da glicose e do colesterol. No entanto, os estudos são extremamente limitados e os efeitos em humanos ainda não foram totalmente estabelecidos. "Não existe nenhum estudo clínico que comprove os efeitos hepatoprotetores. Além disso, o uso indiscriminado pode trazer riscos, como reações alérgicas ou efeitos adversos em pessoas com condições específicas", destacou.

A médica Ana Leatrice de Oliveira Sampaio, gastrohepatologista da Universidade Federal do Maranhão e membro da Sociedade Brasileira de Hepatologia (SBH), afirma que, além de não serem indicados para tratamento de gordura no fígado ou qualquer outra doença, os chás e compostos herbais podem, inclusive, serem tóxicos e causarem lesão hepática, além de provocarem consequências danosas em outros órgãos.

Patrícia acrescenta que os chás em geral podem conter substâncias bioativas úteis, mas não são isentos de riscos. "Já atendi pacientes que fizeram uso de chás contaminados com metais pesados e pesticidas e tiveram complicações importantes, ou que abandonaram tratamentos médicos acreditando que o chá resolveria tudo, atrasando diagnósticos e tratamentos eficazes, e aqueles que utilizaram plantas tóxicas ou doses inadequadas, o que piorou a condição do fígado", alertou.

Outro ponto de atenção, afirma, é que mesmo um chá natural pode desregular os efeitos de medicamentos fundamentais para alguns pacientes, como os anticoagulantes.

O cardiologista Jadelson Andrade, ex-presidente da Sociedade Brasileira de Cardiologia e membro da Academia de Medicina da Bahia, afirma que entre os métodos para tratamento de hipertensão ou controle do colesterol, não estão inclusos os chás.

"Chá relaxa as pessoas e promove uma sensação de bem-estar, o que diminui a ansiedade e pode reduzir um pouquinho a pressão arterial, mas em alguns mínimos que não são eficazes para o controle dela", disse. "Não há, na literatura mundial, nenhuma consistência de que o chá deva ser usado para controlar e muito menos para tratar a hipertensão arterial".

O que causa inflamação do fígado?

Patrícia informa que a inflamação no fígado, também conhecida como hepatite, pode ter diversas causas:

Infecciosas: provocadas por hepatites virais (A, B, C) ou outros vírus, como o coronavírus; Uso de medicamentos e substâncias tóxicas: o paracetamol em altas doses, por exemplo, pode ser prejudicial, assim como o consumo de álcool e ervas, dentre elas a cavalinha e o chá verde;Doenças metabólicas: uma delas é a doença hepática metabólica, a famosa gordura no fígado, que pode evoluir para um inflamação (esteato-hepatite);Doenças autoimunes: como a hepatite autoimune, onde o sistema imunológico ataca as células do fígado.

A gastrohepatologista Ana Leatrice destaca que a inflamação no fígado é, na maioria das vezes, silenciosa, mas em alguns casos pode apresentar sintomas como fadiga, dor abdominal (geralmente no lado direito superior), icterícia (amarelamento da pele e olhos), náuseas, vômitos, urina escura e fezes claras.

"Muitas vezes, a hepatite só é diagnosticada através da alteração das enzimas do fígado, detectada em exames de sangue", apontou Ana Leatrice.

Sentiu algo estranho? Procure o especialista

A orientação dos especialistas é só uma em caso de desconforto ou sintomas que possam estar relacionados ao fígado: procurar um especialista.

"Não se automedique com chás ou suplementos. Um profissional poderá avaliar o caso com cuidado, solicitar exames e orientar o tratamento adequado", observou Patrícia.

Ana Leatrice afirma que a maior parte das doenças do fígado são silenciosas e só mostram sintomas em fase avançada. Portanto, se houver algum sintoma relacionado ao órgão, é necessária atenção.

A manutenção da saúde está diretamente ligada a hábitos saudáveis, conforme os orientam os médicos. No caso do fígado, uma dieta equilibrada, que evite excesso de gorduras saturadas, álcool e açúcares, a prática regular de exercícios físicos, a manutenção do peso corporal adequado e a vacinação contra hepatites A e B são fundamentais.

"Cuidar do fígado exige equilíbrio e atenção profissional. Não confie em 'milagres' e priorize o que a ciência recomenda", concluiu Almeida.

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Hipertensão e colesterol alto são graves e não tratáveis com chás

O cardiologista Jadelson Andrade afirma que tanto a hipertensão arterial como o colesterol alto são problemas epidêmicos de saúde pública que devem ser tratados com seriedade. A primeira compromete os três principais órgãos da economia orgânica: cérebro, coração e rins. A hipertensão pode causar AVC, infarto e insuficiência renal. Já o segundo é um vilão perigoso para a ocorrência de infarto agudo do miocárdio.

Para ambos os casos, afirma Andrade, não há na literatura médica, nas diretrizes brasileiras ou nas recomendações das sociedades internacionais a prescrição de chás para controle ou tratamento. Estudos científicos bem conduzidos, controlados e com evidências robustas definem o que deve ser utilizado para prevenção, controle e tratamento das doenças.

No caso da pressão alta, entre indivíduos não hipertensos, a prevenção passa por evitar o sobrepeso e o consumo excessivo de sal, além de praticar atividade física e reduzir o excesso de consumo de álcool.

"Essas recomendações são muito fortes, sobretudo para quem tem genética de hipertensão arterial", explicou. "Esses indivíduos, mesmo que estejam em condições normais, devem buscar usar essas medidas que nós chamamos de mudança de estilo de vida ou de mudanças não farmacológicas".

Uma vez identificada a pressão alta, a recomendação é medir a pressão arterial periodicamente, mesmo que não haja sintomas. "A hipertensão arterial é uma assassina silenciosa porque ela cursa sem sintomas. Quando vem um sintoma já é um AVC, um infarto, uma doença renal…", observou o médico.

A depender do nível da pressão alta, devem ser introduzidas medicações para o tratamento, que devem ser escolhidas por um especialista para cada caso.

Atualmente, a pressão recomendada para a população mundial é de 12 por 8. Aqueles que apresentam pressão acima de 14 por 9 são considerados indivíduos hipertensos.

As orientações quanto ao controle do colesterol elevado também são de mudança de estilo de vida. Para aqueles já diagnosticados, existem drogas que conseguem reduzir o colesterol.

"São condições sérias e a população acaba se empolgando com esses indivíduos que são grandes comunicadores e acaba indo atrás do que eles dizem", alertou. "Aí as pessoas vão usar os chás e mantêm o colesterol elevado, não controlam a pressão arterial adequadamente, deixam as medicações, e com isso acabam aumentando a cifra de infarto e acidente vascular cerebral. Eu considero uma alegação desta (feita no vídeo) como uma inconsequência", finalizou.