Comentários mais curtidos pregam boicote e acusam 'melancias' no Instagram do Exército
O Exército tem sido atacado desde a vitória do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que implementou mudanças no comando da instituição
Responsável por movimentar multidões e incitar ações de cunho golpista durante o governo Bolsonaro (PL), o feriado de 7 de Setembro abriu um novo capítulo na recente crise de popularidade do Exército.
Acusada de se converter ao comunismo e virar as costas aos golpistas, a instituição recebeu 8.337 comentários de cunho ofensivo em seu perfil do Instagram apenas no mês de agosto. Entre as 500 mensagens mais curtidas, quase 10% pediam o boicote ao tradicional desfile do Dia da Independência.
- Ao todo, a página recebeu 47.540 comentários em 78 publicações, feitas entre 1º e 31 de agosto;
- Desses, 8.337 (17,5%) continham xingamentos ou expressões ofensivas, de acordo com levantamento do Radar Aos Fatos;
- Apesar de minoritários, os comentários negativos foram mais populares: eles somaram 110 mil curtidas (33,7% do total);
- Entre os 500 comentários mais curtidos, apenas 6 (1%) não continham críticas ou ofensas.
O Exército tem sido atacado nas redes desde a vitória do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que implementou mudanças no comando da instituição, como a nomeação do comandante Tomás Ribeiro Paiva. O suposto envolvimento de nomes do alto-escalão em casos como o do escândalo de venda de jóias também impactaram na reputação da instituição.
Entre fevereiro e maio deste ano, o Exército chegou a fechar a caixa de comentários de suas publicações nas redes devido à onda de ataques. Em agosto, o general Paiva emitiu uma ordem com orientações para promover a coesão da Força e combater as críticas.
No mesmo mês, uma pesquisa Genial/Quaest revelou que a confiança dos brasileiros no Exército caiu de 44% para 33% desde dezembro de 2022. Essa queda foi mais acentuada entre bolsonaristas, que teriam se decepcionado com a subordinação de militares ao novo governo, determinada pela Constituição Federal.
BOICOTE
Quase 10% dos comentários negativos com mais engajamento (48) publicados no Instagram do Exército em agosto incitavam a população a não comparecer às comemorações do 7 de Setembro. Juntas, essas mensagens somam mais de 20 mil curtidas.
Um dos comentários, curtido 560 vezes, diz que "ruas vazias lhe aguardam" no 7 de Setembro. Em outras mensagens, usuários pedem que a população se comprometa a não comparecer ao evento ou que vá às ruas para vaiar os militares.
Fique em casa. Comentário com mais de 3.000 curtidas pede que usuários sinalizem que não vão ao desfile de 7 de Setembro (Reprodução)
Apesar da promessa de esvaziamento dos atos, que também tem sido defendida por parlamentares de oposição, o governo não descarta a possibilidade de novas ações violentas, à semelhança do que ocorreu em 8 de janeiro. Por isso, foi mobilizada uma força-tarefa para monitorar e prevenir possíveis ataques.
GOLPISMO
Mais populares do que os pedidos de boicote ao desfile, no entanto, foram as mensagens que acusavam o Exército de ter abandonado os golpistas que atacaram as sedes dos Três Poderes. Cerca de 28% das 500 mensagens mais populares criticam os militares por terem mantido presos idosos, crianças e pessoas com deficiência, quando na verdade 745 das 2.151 pessoas detidas após os atos foram liberadas depois da identificação. Estavam entre elas maiores de 70 anos, portadores de deficiência e comorbidades, e mulheres acompanhadas dos filhos.
Além disso, embora o Exército tenha feito o transporte dos acusados, as prisões foram determinadas pelo STF (Supremo Tribunal Federal) e efetuadas pela Polícia Federal.
"Botão para quem quer resposta sobre a prisão de pais e avôs que vocês prenderam no dia 8 de janeiro 👉", sinaliza o comentário mais popular feito em publicações da página no mês de agosto, que soma 3.758 curtidas. A resposta foi enviada a um post de homenagem ao Dia dos Pais.
Algumas das mensagens também fazem referência a publicações enganosas que circularam na época das prisões, como a de que teriam morrido idosos nos ginásios da Polícia Federal. "Tudo isso para matar senhoras com a Bíblia na mão?", questiona um usuário em publicação sobre curso de mecânica da Aeronáutica.
MELANCIAS
A subordinação do Exército ao governo federal, determinada pela Constituição, foi o segundo principal motivo de ataques contra a instituição no Instagram. Comentários com esse teor representam 25% das 500 mensagens mais populares.
"Prestar continência a um condenado ex-presidiário ridiculariza qualquer Exército", diz um usuário em comentário com mais de 2.600 curtidas.
'Braço fraco, mão petista.' Comentário em publicação do Exército no Instagram faz trocadilho com slogan da instituição para criticar a subordinação ao governo Lula (Reprodução
Ataques desse tipo estão presentes nas páginas da instituição desde janeiro. Na época, o Aos Fatos mostrou que bolsonaristas que esperavam uma intervenção militar para impedir a posse do novo presidente passaram a publicar críticas e ofensas à instituição e aos seus integrantes, acusando-os de associação com a esquerda e com o comunismo. É comum em mensagens com esse teor o uso do termo "melancia" — verde por fora, mas vermelha por dentro — para se referir aos militares.
Com o passar dos meses, os ataques foram tomando novas proporções. Hoje, além de criticar a subordinação ao governo Lula, os comentários na página do Exército chegam a acusar a Força de envolvimento com o narcotráfico e organizações criminosas - associação que foi amplamente disseminada durante a campanha eleitoral de 2022.
"Perdeu a credibilidade infelizmente. Triste fim o exército de Caxias. Não culpo os soldados e sim os superiores do alto escalão, venderam o Brasil para o narcotráfico e Foro de São Paulo", diz comentário em publicação do dia 8 de agosto.
Outro lado. Aos Fatos entrou em contato com a assessoria de comunicação do Exército para entender como a instituição tem respondido aos ataques recebidos em suas redes. A reportagem questionou os motivos que levaram ao fechamento da caixa de comentários no perfil oficial em fevereiro e quais as estratégias de moderação usadas pela equipe de comunicação.
Os questionamentos foram enviados no dia 1º de setembro com um prazo de resposta de quatro dias. No dia 5, o Centro de Comunicação do Exército informou que a demanda estava sendo processada, mas que não poderia ser respondida dentro do prazo. O espaço permanece aberto para o posicionamento da instituição.
Referências:
2. O Estado de S. Paulo (1, 2, 3)
4. O Globo
5. G1
6. BBC Brasil