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Como o julgamento no STF sobre o Marco Civil da Internet afeta o debate do 'PL das Fake News'

16 mai 2023 - 18h06
(atualizado às 20h54)
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O STF (Supremo Tribunal Federal) marcou para esta quarta-feira (17) o julgamento que vai decidir se o artigo 19 do Marco Civil da Internet, que determina que as redes sociais não podem ser responsabilizadas por conteúdos publicados por usuários, deve deixar de valer.

As quatro ações sobre as big techs estão relacionadas à discussão do PL 2.630/2020, conhecido como "PL das Fake News", que tramita na Câmara dos Deputados e propõe a regulação das plataformas de conteúdo.

A inclusão na pauta do STF não significa que os ministros sequer darão início ao julgamento. Além de outros processos estarem previstos para o mesmo dia, os integrantes do tribunal podem apresentar pedidos de vista, o que postergaria a decisão em até 90 dias.

Apesar da expectativa de que uma eventual decisão ainda demore a ser tomada, o movimento do STF é interpretado por especialistas em direito digital ouvidos pelo Aos Fatos como uma maneira de pressionar os deputados diante do impasse do "PL das Fake News" no Legislativo.

A tramitação de urgência do PL 2.630/2020 foi aprovada pela Câmara em 25 de abril, e o presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), planejava colocar o mérito em votação já nos dias seguintes. Entretanto, após forte campanha das plataformas e de setores da direita contra o projeto, a votação foi adiada e não tem data para ocorrer.

A maior responsabilização das plataformas já foi defendida por ministros do STF, como Gilmar Mendes, Luís Roberto Barroso e, sobretudo Alexandre de Moraes, que na última sexta-feira (12) abriu inquérito para investigar executivos do Google e do Telegram por "campanha abusiva" contra o "PL das Fake News".

A seguir, o Aos Fatos explica o que vai ser julgado pelo STF e como as decisões da corte poderão afetar outras ações similares, as plataformas e o debate no Legislativo.

  1. O que vai ser discutido pelo STF?
  2. Qual é o impacto da decisão do STF sobre ações no Judiciário?
  3. Qual é o impacto da decisão sobre as plataformas?
  4. Como o julgamento afeta a discussão sobre regulação no Congresso?

Na pauta desta semana do STF, estão quatro ações que têm relação com as plataformas digitais. A primeira é o recurso extraordinário 1.037.396, relatado pelo ministro Dias Toffoli. A ação foi apresentada por uma mulher do interior de São Paulo que alegou que o Facebook se recusou a excluir uma conta falsa que havia sido criada em nome dela e que estaria sendo usada para ofender outras pessoas. Condenado a pagar danos morais, o Facebook recorreu ao STF.

Neste caso, o STF vai discutir a constitucionalidade do artigo 19 do Marco Civil da Internet (Lei 12.965/2014), norma que determina que as redes sociais só podem ser responsabilizadas pelo conteúdo postado por seus usuários caso descumpram determinação judicial para remover. Na época em que o Facebook se negou a remover o perfil falso, não havia nenhuma decisão que o obrigasse a fazer isso.

O outro recurso extraordinário é o 1.057.258, de relatoria do ministro Luiz Fux. Nessa ação contra o Google, uma professora de Minas Gerais contestou uma negativa do Orkut de tirar do ar uma comunidade que a atacava. A professora ganhou indenização em instâncias inferiores, mas a empresa recorreu, levando o caso ao STF.

"Embora sejam casos diferentes, os dois têm o mesmo pano de fundo: a responsabilidade de provedores pelo conteúdo gerado pelos usuários e pela sua não remoção quando ofendem direitos, independentemente de ordem judicial", afirma Juliana Cesario Alvim, professora da Faculdade de Direito da UFMG e da Central European University.

Os outros dois julgamentos discutem a possibilidade de suspender aplicativos de mensagens por suposto descumprimento de ordens judiciais que determinem a quebra de sigilo das comunicações. Os dois casos, que envolvem o WhatsApp, são a ADPF (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental) 403, relatada por Edson Fachin, e a ADI (Ação Direta de Inconstitucionalidade) 5.527, cuja relatora é a ministra Rosa Weber.

Em maio de 2020, os dois relatores entenderam que o sigilo das comunicações, inclusive pela internet, é garantido pela Constituição. Segundo os ministros, a lei autoriza apenas o fornecimento de metadados, mas não informações protegidas por sigilo. Os ministros também consideram inviável que decisões do Judiciário enfraqueçam a criptografia de ponta-a-ponta usada pelos aplicativos. O julgamento foi suspenso na época porque o ministro Alexandre de Moraes pediu vista, mas já está pronto para ser retomado.

Os dois julgamentos que irão decidir sobre a recusa das redes sociais em remover conteúdo a pedido de usuárias tiveram sua repercussão geral reconhecida. Isso significa que o STF entendeu que a questão extrapola os casos concretos e têm relevância "econômica, política, social ou jurídica", explica a professora Juliana Cesario Alvim.

Nos julgamentos com repercussão geral, a decisão tomada deverá ser obrigatoriamente seguida pelas cortes inferiores. "Em casos idênticos, a decisão precisará ser a mesma", afirma Walter Gaspar, pesquisador do CTS-FGV (Centro de Tecnologia e Sociedade da Fundação Getulio Vargas).

Já as ações sobre o WhatsApp não estão em repercussão geral. Por isso, instâncias inferiores que se depararem com casos parecidos não são obrigadas a seguir o STF, embora o reforço na jurisprudência possa influenciar outros julgamentos. Decisões que não adotarem o entendimento do STF sobre o caso poderão ser revertidas caso haja recurso para o tribunal.

Os julgamentos que poderão ter mais impacto sobre as plataformas são os que vão analisar a responsabilidade das empresas sobre o conteúdo publicado por terceiros.

Caso o STF entenda que o artigo 19 do Marco Civil da Internet é inconstitucional, as empresas poderão ser responsabilizadas mesmo se não houver nenhuma decisão no Judiciário obrigando a remoção de determinado conteúdo. Isso poderia resultar no pagamento de indenizações por danos morais a usuários que se sentirem prejudicados ou em processos contra as plataformas por posts criminosos — como, por exemplo, posts racistas.

Atualmente, existem apenas duas situações em que as empresas são obrigadas a excluir conteúdo mesmo sem ordem judicial:

  • Nos casos de "pornografia de vingança" — a publicação de conteúdo íntimo sem consentimento —, a plataforma deve remover o conteúdo quando for notificada pela vítima, segundo o próprio Marco Civil da Internet;
  • A jurisprudência tem entendido que isso vale também para publicações que ferem o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente), como pedofilia.

Os especialistas ouvidos pelo Aos Fatos consideram improvável que o STF declare o artigo 19 totalmente inconstitucional. Na audiência pública organizada pelo tribunal no final de março para discutir o tema, 22 participantes defenderam que o dispositivo respeitava a Constituição, enquanto apenas 8 tiveram posição oposta, segundo levantamento do ITS Rio (Instituto de Tecnologia e Sociedade). O tribunal poderia, entretanto, adaptar a interpretação desse artigo mesmo sem considerá-lo inconstitucional, e os impactos exatos sobre as plataformas iriam depender dos termos da decisão.

Para João Victor Archegas, pesquisador sênior do ITS Rio, uma das possibilidades é que o STF aumente o rol de exceções ao artigo 19, "fazendo uma interpretação do dispositivo conforme a Constituição", o que "pode mudar a forma como a gente encara a internet no Brasil".

O aumento da lista de temas sobre os quais as empresas podem ser responsabilizadas as obrigaria a tomarem mais cuidado na moderação, já que hoje até conteúdos criminosos que ferem as políticas de comunidade das próprias empresas escapam de qualquer punição. Existe um risco, porém, de as plataformas exagerarem na moderação para evitar problemas com a Justiça.

"Uma responsabilização direta das plataformas por conteúdos de terceiros faria com que as plataformas monitorassem todos os conteúdos postados por seus usuários, criando um incentivo para uma remoção generalizada dessas informações como forma de proteção contra a responsabilização", avalia Archegas.

Na versão mais recente do PL das Fake News discutida na Câmara, esse risco é atenuado pela obrigação de as empresas justificarem quaisquer punições contra usuários, oferecerem canais de contestação e publicarem relatórios de transparência sobre o tema.

O texto atual do "PL das Fake News" também prevê que as empresas só podem ser responsabilizadas quando:

  • Não agirem para evitar a disseminação em massa de conteúdo criminoso - interpretação que não se aplica a posts individuais, mas apenas a falhas generalizadas e à omissão em corrigi-las;
  • Receberem dinheiro em virtude do conteúdo criminoso, como no caso da publicidade e dos impulsionamentos;
  • Se estiver vigente um protocolo de segurança para enfrentar uma situação de crise envolvendo os temas do projeto, como ataques ao Estado Democrático de Direito ou de promoção de violência contra mulheres e crianças, por exemplo.

Para Camila Leite, advogada e pesquisadora do Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor), deixar a responsabilidade adicional das plataformas restrita a algumas situações, como prevê o PL 2.630/2020, poderia ser uma opção menos danosa para as empresas do que uma interpretação mais ampla vinda do STF.

"O PL 2.630 traz a baliza da vigência de um protocolo de segurança", diz a pesquisadora, ponderando que o STF, por sua vez, tem sinalizado a possibilidade de promover um endurecimento nas regras de maneira permanente para conteúdos específicos. "Por ter essa diferença da vigência do protocolo no PL 2.630, a possível interpretação do STF é um pouquinho mais dura."

Os especialistas ouvidos pelo Aos Fatos consideram que o julgamento foi pautado pelo STF para enviar um aviso institucional ao Congresso: de que a discussão sobre a regulação é urgente e que o Judiciário pretende agir em caso de omissão do Legislativo.

Em Brasília, a possibilidade de o STF aumentar a responsabilização das plataformas por meio dos julgamentos é argumento utilizado por parte dos deputados para defender que o "PL das Fake News" volte a tramitar.

Caso o STF dê sua decisão antes de o Congresso aprovar uma lei sobre o tema, "a decisão e seus fundamentos vão estabelecer a moldura constitucional dentro da qual o Congresso pode legislar", avalia Juliana Cesario Alvim, da UFMG e da Central European University.

Segundo a pesquisadora, o tamanho da restrição que o STF pode impor aos parlamentares vai depender de como ele formular sua decisão. Por um lado, o Supremo poderia dizer apenas, de forma aberta, que o artigo 19 como está não protege suficientemente os direitos, instigando os deputados a discuti-lo. O tribunal, porém, também poderia já indicar quais os parâmetros que considera compatíveis com a Constituição, deixando menos margem para discussão no Congresso.

"Se houver no STF uma interpretação a respeito de deveres mínimos de diligência, do conceito de risco sistêmico, isso pode reforçar alguns pontos do texto atual da proposta", complementa Walter Gaspar, do CTS-FGV.

Eventuais restrições impostas pelos ministros poderiam até ser ignoradas pelo Legislativo, mas o novo texto aprovado pelo Congresso "voltaria para o Supremo e provavelmente voltaria a ser considerado inconstitucional", explica João Archegas, do ITS Rio.

Caso os parlamentares aprovem uma lei antes do julgamento do artigo 19 e, no futuro, o STF tiver uma interpretação mais dura sobre a responsabilidade das empresas, a nova norma também poderá ser alvo de contestação à corte.

Como o "PL das Fake News" inclui outros temas além da responsabilização das empresas pelo conteúdo, boa parte da regulação das plataformas continuaria sob a alçada do Congresso, sem depender do STF.

Referências:

1. Aos Fatos (1, 2, 3, 4 e 5)

2. Poder360

3. Valor Econômico

4. UOL (1, 2 e 3)

5. G1

6. STF (1, 2, 3, 4 e 5)

7. STJ

8. ITS Rio

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