É enganoso dizer que vacina da AstraZeneca foi proibida na Europa por relatos de efeitos colaterais
INTERRUPÇÃO NA VENDA DO IMUNIZANTE FOI DECIDIDA PELA PRÓPRIA FARMACÊUTICA POR MOTIVOS COMERCIAIS; AUTOR DO VÍDEO COM A ALEGAÇÃO FALSA FOI PROCURADO, MAS NÃO COMENTOU SOBRE OS FATOS APONTADOS
O que estão compartilhando: vídeo em que narrador afirma que a vacina contra a covid-19 da AstraZeneca foi proibida em países da Europa após relatos de reações adversas graves.
O Estadão Verifica investigou e concluiu que: é enganoso. A farmacêutica AstraZeneca suspendeu a comercialização de suas vacinas contra a covid-19 em países da Europa por conta própria. Ela alegou razões comerciais. As notícias citadas pelo autor do vídeo de portais estrangeiros (BioBioChile, Forbes Mexico e El Período) ressaltam a explicação inicial da empresa.
Além disso, o Estadão Verifica já mostrou que os efeitos de trombose com trombocitopenia são "extremamente raros e possivelmente associados a fatores pré-disponentes individuais". Casos raros de coágulos após o uso do imunizante já eram conhecidos desde 2021.
O autor do vídeo checado foi procurado, mas não comentou sobre os fatos apontados pela reportagem.
Saiba mais: Em vídeo compartilhado no Instagram, um homem que se apresenta como médico diz que a vacina contra a covid-19 produzida pela farmacêutica AstraZeneca foi dispensada em países da Europa em razão dos relatos de efeitos adversos após o uso do imunizante.
"Efeito adverso raro? Eles dizem que morte cardíaca pela vacina são efeitos raros. E por causa disso, na União Europeia, isso é o que diz a Forbes do México, isso é o que diz na Espanha, isso é o que diz no Chile. A partir de amanhã não pode mais se comercializar vacinas AstraZeneca lá na União Europeia. Eu estava procurando aqui e não achei nenhuma notícia sobre isso no Brasil. Por que será?", diz o autor do vídeo.
O autor cita inicialmente uma matéria publicada pelo jornal Poder 360, em 30 de abril, que diz que a farmacêutica "lamentou" as mortes e os problemas de saúde causados pelo imunizante. A matéria cita uma ação coletiva de 51 famílias do Reino Unido contra a AstraZeneca, e diz que a farmacêutica "reconheceu pela 1ª vez que a vacina pode causar um efeito adverso raro". O Estadão Verifica já checou essa alegação e concluiu que ela é enganosa.
AstraZeneca reconheceu os efeitos adversos da vacina?
É verdade que a AstraZeneca afirmou em documentos judiciais que o seu imunizante contra a covid-19 pode causar efeitos colaterais raros. A notícia foi originalmente publicada pelo jornal britânico The Telegraph, e foi compartilhada nas redes sociais em conteúdos que omitiam que os efeitos já eram conhecidos.
A farmacêutica foi processada por uma ação coletiva de 51 famílias que pediam indenização de até 100 milhões de euros, alegando que as vacinas causaram mortes e sérios problemas. Em documento à Justiça britânica, a AstraZeneca afirmou que a vacina "pode, em casos muito raros, causar síndrome de trombose ou trombocitopenia (TTS)" - que é uma doença causada pela formação de coágulos de sangue.
No entanto, apesar do documento ter causado grande comoção para desencorajadores da vacinação, a informação já era de conhecimento público. Em 2021, por exemplo, a Agência Europeia de Medicamentos (EMA) informou que casos de coágulos que surgiram em pessoas vacinadas com o imunizante da AstraZeneca deveriam ser listados como efeitos colaterais "muito raros".
Em agosto do mesmo ano uma nota técnica do Ministério da Saúde (confira aqui) explicou que os eventos adversos após a vacinação, como trombose e plaquetopenia, ocorreram em pacientes europeus dentro de um período de 30 dias após a injeção, numa incidência aproximada de 1 caso a cada 100 mil doses aplicadas. O documento também ressaltou que os benefícios da vacinação superavam os riscos.
O Ministério da Saúde esclareceu em site oficial que as vacinas contra covid-19 são seguras e efetivas e reiterou a raridade dos casos de Síndrome de Trombose com Trombocitopenia após a vacinação com astrazeneca.
"É muito importante entender que os eventos trombóticos e tromboembólicos associados à infecção SARS-CoV-2, observados nos pacientes com covid-19, são muito maiores quando comparados aos eventos supostamente atribuíveis à vacinação ou imunização (ESAVI). Isso significa que o risco de tromboembolismo venoso é duas a seis vezes maior em pacientes que pegaram covid-19 do que em pessoas sem a infecção. E isso não tem nada a ver com a vacinação contra a doença", diz o texto.
Por que a vacina deixou de ser comercializada no Reino Unido?
Em nota, a AstraZeneca reiterou que o motivo para parar de vender seu imunizante foi comercial. A farmacêutica apontou a falta de procura e o excedente de vacinas disponíveis no mercado. A empresa entrou com um pedido de retirada de comercialização no dia 5 de março que foi acatado no dia 27 do mesmo mês por uma comissão europeia. Como mostrou o Estadão mês passado, o trabalho foi encerrado também no Brasil, com as mesmas justificativas.
Matérias do México, Chile e Barcelona relataram que a vacina foi suspensa após reações?
No vídeo checado, o autor mostra notícias de três portais de notícias fora do Brasil. Segundo ele, os jornais atribuíram a saída do imunizante de países da Europa com as reações adversas relatadas em documentos. Mas não é isso que as matérias dizem. Confira abaixo:
A Forbes Mexico publicou sobre o assunto em 6 de maio. A notícia aborda que a AstraZeneca vai parar de comercializar a vacina na União Europeia a pedido da própria farmacêutica. O texto ainda cita que o laboratório fez o pedido de retirada da empresa que diz que "à medida que várias vacinas atualizadas foram desenvolvidas para variantes da Covid-19, existe agora um excedente de vacinas disponíveis. Isto provocou uma diminuição da procura pela Vaxzervria, que já não é fabricada nem fornecida." Não há nenhuma citação sobre possíveis reações da vacina serem a causa do fim da comercialização. (confira aqui). O BioBio Chile publicou uma notícia em 21 de maio. Com o título "Não foi pelos efeitos colaterais: por que a vacina AstraZeneca foi realmente retirada de circulação" (em tradução livre do espanhol para o português), a notícia anuncia a descontinuidade da vacina e cita que ela foi acompanhada de uma "má imagem pública", imerecida, por relatórios de baixa qualidade que contestavam sua eficácia. O texto ressalta que a vacina da AstraZeneca é eficaz, mas versões mais recentes como a da Pfizer e Moderna apresentam melhores níveis de eficácia. (confira aqui). O portal El Período, da Espanha, publicou em 7 de maio uma notícia confirmando a pausa na comercialização das vacinas. O texto diz que é "inevitável" nos casos adversos que vieram à tona após uma disputa judicial, mas ressalta que essa não foi a causa oficial dada pela empresa. (confira aqui).