Em campanha contra regulação, Dallagnol desinforma ao alegar censura de versículos da Bíblia nas redes
O deputado Deltan Dallagnol (Podemos-PR) lançou nesta semana uma campanha nas redes que desinforma ao dizer que o projeto de lei 2.630/2020, o chamado PL das Fake News, banirá versículos da Bíblia das plataformas. Parte da mobilização bolsonarista contra a votação do regime de urgência, que pode ocorrer ainda nesta terça-feira (25) na Câmara, o ex-procurador da Lava Jato omite, por exemplo, que o relatório do projeto resguarda a liberdade religiosa.
Segundo as postagens, os versículos que seriam banidos tratam de temas como a submissão da mulher ao homem e o uso de violência para educar os filhos. Embora o relatório do PL 2.630/2020 estipule que as plataformas devem atuar contra conteúdos que configurem crimes contra crianças e adolescentes, crimes de discriminação, violência de gênero, entre outros, o texto também abre exceções decorrentes da liberdade religiosa, prevista na Constituição.
"As vedações e condicionantes previstos nesta Lei não implicarão restrição ao livre desenvolvimento da personalidade individual, à livre expressão e à manifestação artística, intelectual, de conteúdo satírico, religioso, político, ficcional, literário ou qualquer outra forma de manifestação cultural, nos termos do art. 5º e 220 da Constituição Federal.", diz o parágrafo único do primeiro artigo da versão mais recente do documento, apresentado nesta terça pelo relator na Câmara, deputado Orlando Silva (PCdoB-SP).
Mais adiante, no artigo 3º, a proposta também afirma ter como princípios o "fortalecimento do processo democrático, pluralismo político, liberdade de consciência e de crença e liberdade de associação para fins lícitos".
Procurado por Aos Fatos por meio de sua assessoria de imprensa, Dallagnol não respondeu até a publicação desta reportagem, na tarde de terça. Horas depois, ele postou um vídeo nas redes sociais em que nega que as postagens sejam desinformativas (leia mais abaixo).
MOBILIZAÇÃO
"Atenção Cristãos! Alguns versículos da Bíblia serão banidos das redes sociais", ressalta uma publicação de Dallagnol que foi replicada por ao menos outros 17 perfis no Instagram e 14 no Facebook, atingindo, ao todo, mais de 70 mil interações até a tarde desta terça.
- Nos últimos sete dias, o ex-procurador da Lava Jato fez cinco publicações sobre o tema em seus perfis nas redes sociais;
- Nelas, ele afirma que o projeto "quer matar a liberdade de expressão no Brasil" e usa a expressão "PL da Censura", apelido dado por bolsonaristas e que chegou aos assuntos mais comentados do Twitter nesta semana;
- Em pelo menos duas postagens, Dallagnol afirmou que o projeto proibirá a publicação de certos trechos bíblicos nas redes sociais, sem apresentar evidências disso;
- O conteúdo que fala do banimento de versículos foi usado também em anúncio no Instagram do influenciador Isaque Rabelo, filiado ao Novo, impulsionado para cerca de mil pessoas no Ceará a um custo de menos de R$ 100.
Além das publicações nas redes sociais, Dallagnol criou grupos no WhatsApp para mobilizar usuários a pressionar parlamentares contra o PL 2.630, e reúne cerca de 385 membros. Os administradores são o próprio deputado e sua assessora parlamentar, Jessika Vitória Peixoto Aquino.
Na descrição do grupo há um passo a passo para lutar "para impedir que o Brasil seja amordaçado". Na primeira etapa, o deputado orienta que membros da comunidade acessem um site que fez um "placar do PL 2.630", contabilizando o posicionamento de parlamentares. O contador é ligado à página Boletim da Liberdade, que em seu Twitter se descreve como um site "mantido por jornalistas".
O domínio, porém, está registrado no nome de uma empresa do ex-deputado federal e candidato derrotado ao governo do Rio de Janeiro em 2022, Paulo Ganime (Novo), que também tem atuado contra o projeto. Nos últimos dias 13 e 14, ele esteve no evento Fórum da Liberdade, em Porto Alegre, para divulgar o site "PL da Censura", e contou com o apoio do deputado Marcel Van Hattem (Novo-RS), que palestrou no evento.
OUTRO LADO
Horas após a publicação desta reportagem, o deputado Deltan Dallagnol publicou um vídeo nas redes sociais em que nega que as postagens sejam desinformativas. Na gravação, ele reconhece os trechos do projeto de lei que mencionam respeito à liberdade religiosa, mas alega que tais passagens podem ser atropeladas pela interpretação sobre conteúdo abusivo. Como exemplo, ele cita trechos da Bíblia que evocam a submissão da mulher ao homem.
"Tudo aquilo que for lido como um discurso de preconceito em relação à mulher, ou qualquer coisa dessas que está na Bíblia, ainda que seja discurso religioso, tem o potencial de ser considerado abuso para ser moderado e controlado", afirmou.
Dallagnol também disse no vídeo que, após suas postagens, o relator do projeto teria suprimido "grande parte dos textos problemáticos relativos à liberdade religiosa", mas que, para ele, o texto "continua horrível".
ATUALIZAÇÃO: Esta reportagem foi alterada às 16h04 do dia 26 de abril de 2023 para incluir o posicionamento de Deltan Dallagnol, publicado nas redes sociais.