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Não, imunizantes do calendário vacinal infantil não levam a 'sobrecarga' de sistema imunológico

VÍDEO ENGANA AO AFIRMAR QUE NÚMERO DE VACINAS APLICADOS EM BEBÊS DOBROU DESDE OS ANOS 1990 E QUE ISSO ENFRAQUECE SISTEMA IMUNOLÓGICO; TAMBÉM NÃO É VERDADE QUE DOSES PROVOQUEM CASOS DE AUTISMO E DISTÚRBIOS NEUROLÓGICOS

8 nov 2024 - 16h05
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O que estão compartilhando: que o número de doses de vacinas aplicadas em crianças de até 18 meses dobrou desde a década de 1990 e que existe um "excesso" de vacinas, responsável por provocar efeitos adversos graves, como autismo, distúrbios neurológicos, asma, diabetes, alergias e inflamações gastrointestinais.

Card excesso de vacinas
Card excesso de vacinas
Foto: Reprodução/Estadão / Estadão

O Estadão Verifica investigou e concluiu que: é enganoso. O número de vacinas obrigatórias no calendário do Centro de Controle de Doenças dos Estados Unidos (CDC) - citado no vídeo viral investigado - aumentou da década de 1990 para cá (veja aqui o cronograma atualizado em junho deste ano). No entanto, não é verdade que isso provoque uma sobrecarga capaz de desencadear distúrbios neurológicos, comportamentais e outras doenças citadas no conteúdo.

Segundo especialistas ouvidos pelo Verifica, os imunizantes são produtos altamente purificados, com poucos componentes e baixa quantidade de antígeno - a principal substância da vacina, ou seja, o próprio vírus inativado ou morto. Nas vacinas atuais, há bem menos antígeno do que nas vacinas aplicadas há algumas décadas, e não há qualquer preocupação com a sobrecarga ao sistema imunológico por um suposto "excesso" de vacinas.

Também não é verdade que uma ou várias vacinas causam o Transtorno do Espectro Austista (TEA) ou outros distúrbios neurológicos e comportamentais. Esse argumento já foi refutado em diversos estudos desde a década de 1990.

Saiba mais: O conteúdo investigado nesta checagem é parte de um documentário produzido nos Estados Unidos e lançado em 2017. O grupo responsável pela publicação associa vacinas a transtornos neurológicos graves e almeja que os pais possam decidir "espaçar" a aplicação de vacinas nos filhos. O argumento é que não há estudos clínicos atestando a segurança da aplicação de múltiplas vacinas em crianças ao longo do tempo, o que é falso.

O conteúdo foi traduzido para o russo e, recentemente, passou a circular em contas no Instagram com uma narração em português feita com o uso de inteligência artificial. Entre os personagens do documentário está o ativista antivacinas Robert Kennedy Jr., indicado pelo agora eleito presidente dos EUA, Donald Trump, a um importante cargo voltado a políticas de saúde no país.

O documentário é dividido em 10 episódios e comercializado pela internet, em pacotes que variam entre US$199 (R$1.144,39) e US$ 499 (R$ 2.869,60).

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O pediatra Renato Kfouri, presidente do Departamento Científico de Imunizações da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), explica que nenhum calendário de imunizações no mundo recomenda o espaçamento de doses para evitar um "excesso" de vacinas. "Não há nenhum prejuízo em fazer isso, mas não faz sentido. Claro que para vacinas que são muitas doses, você tem que respeitar o intervalo mínimo, não pode fazer com qualquer intervalo", disse.

Mas isso está relacionado à eficácia, e não à segurança das vacinas. "Para que a vacina funcione, é preciso estimular o nosso sistema imunológico com intervalos estudados e preconizados. Então, existem intervalos mínimos que você pode fazer, eles têm que ser respeitados para que você consiga a melhor resposta da vacina. Não é um problema de segurança", reforçou.

Um dos argumentos do vídeo é de que não há estudos clínicos sobre a segurança de múltiplas vacinações, o que não é verdade. O CDC dos Estados Unidos mantém em seu site o calendário atualizado de vacinas para crianças e adolescentes, do nascimento até os 18 anos de idade.

Além disso, há um calendário específico indicando os intervalos de aplicação de doses para recuperação em crianças e adolescentes cuja vacinação esteja atrasada. Todas as recomendações são aprovadas pelo Comitê Consultivo sobre Práticas de Imunização (ACIP).

Kfouri aponta que, em casos de vacinas atrasadas em crianças, adolescentes ou mesmo adultos, o ideal é conversar com a pessoa para decidir a melhor forma de atualizar o calendário. "Não há nenhum problema em fazer cinco, fazer seis vacinas no mesmo dia, a não ser, claro, tomar seis injeções, ninguém gosta. Então, se há atraso, pode-se tomar duas, depois mais duas dali a 15 dias, lembrando que algumas vacinas não podem ser tomadas no mesmo dia, como febre amarela e sarampo, mas são casos raríssimos", disse.

Segundo a presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm), Mônica Levi, o argumento de que haja uma sobrecarga prejudicial do sistema imune com a aplicação de diferentes vacinas ao longo do tempo é usado há muito tempo por grupos antivacina, e já foi descartado por inúmeros estudos científicos.

"Esse argumento é absurdo. É o mesmo que dizer que se a criança for todos os dias à escola isso irá sobrecarregar o seu cérebro com as lições aprendidas", disse Mônica. "A gente sabe que o nosso cérebro tem uma capacidade muito maior do que é utilizado. Com o sistema imunológico podemos aplicar o mesmo raciocínio. Em todas as vacinas ofertadas no primeiro ano de vida, por exemplo, não é utilizado nem 15% da capacidade do sistema imune".

Mônica Levi prossegue: "A gente tem capacidade de responder a muito mais antígenos do que os que são aplicados nas vacinas. E isso acontece na vida diária, com todas as substâncias com as quais temos contato. Tão logo a criança nasce, em poucas horas ela está toda colonizada por micróbios, colonizadores de pele, de mucosas. Então, esse contato com os antígenos é muito maior na vida normal do que na quantidade que se tem em vacinas".

Em artigo publicado em 2003 sobre a suposta "sobrecarga antigênica", Aric Gregson e Robert Edelman, do Centro de Desenvolvimento de Vacinas da Universidade de Maryland, nos EUA, concluíram não haver evidências de que as vacinas recomendadas no calendário de imunizações sobrecarregassem ou enfraquecessem o sistema imune de crianças. Segundo eles, "os bebês têm uma enorme capacidade de responder com segurança e eficácia a múltiplas vacinas".

O pediatra Paul Offit e outros sete autores também escreveram artigos sobre preocupações dos pais, inclusive sobre uma suposta sobrecarga do sistema imune dos bebês após múltiplas vacinas. Eles apontaram que crianças vacinadas não têm mais probabilidade de desenvolver infecções com outros patógenos do que crianças não vacinadas, e que a quantidade de antígeno nas vacinas atuais é muito menor do que as aplicadas 40 ou 100 anos antes da publicação, em 2002.

Número de vacinas aumentou, mas isso não é um problema

Kfouri afirma que o aumento do número de vacinas é uma tendência natural com o desenvolvimento de novos imunizantes ao longo dos anos. O especialista defende que a vacinação traz benefícios para todos os ciclos de vida e proporciona um envelhecimento saudável. "A gente sempre olha o benefício que aquela vacina traz e os efeitos colaterais, como qualquer remédio, como qualquer produto pode ter", explicou.

Mônica Levi explica que as vacinas de antigamente tinham uma quantidade de antígenos muito maior do que os imunizantes de hoje. "Décadas atrás eram menos vacinas, mas a quantidade de antígenos era muito maior. As tecnologias de desenvolvimento de vacinas foram aperfeiçoadas e a quantidade de antígenos hoje é pequena, é menor do que quando a gente tinha quatro vacinas no calendário da criança", indicou.

A exemplo de vacinas que foram incorporadas no calendário de vacinação do CDC desde 1990, é possível salientar o imunizante contra a covid-19, por exemplo. A vacina contra Hepatite A também não era aplicada nessa época e hoje integra o cronograma de imunização.

A combinação de mais de uma vacina em uma só, após amplos estudos sobre cada caso, é uma tendência cada vez maior - ajuda a reduzir dor, custos e aumentar a adesão das pessoas, que não precisam ir diversas vezes ao posto para se vacinar.

"Claro que essas combinações precisam sempre demonstrar, primeiro, segurança: elas não podem trazer mais eventos adversos do que aplicadas separadamente; e eficácia: também não pode funcionar pior. E só se aprova combinação de vacinas quando se passa por esses estudos", disse.

Vacinas não causam autismo: artigo que dizia isso foi retirado do ar

O mito de que vacinas estão associadas ao autismo ganhou força em 1998, quando o médico gastroenterologista britânico Andrew Wakefield publicou um artigo na revista científica Lancet associando sintomas do TEA com a vacina tríplice viral, que protege contra sarampo, caxumba e rubéola, conhecida nos Estados Unidos como MMR.

Depois da publicação, inúmeros outros estudos foram feitos sobre o assunto e nenhum deles encontrou uma associação entre o autismo e a vacina, destacou a Food and Drug Administration (FDA), agência norte-americana responsável por autorizar o uso de vacinas. "A FDA leva muito a sério sua responsabilidade de garantir a segurança, eficácia e qualidade de fabricação de todas as vacinas aprovadas ou autorizadas para uso. Evidências científicas não mostram associação entre vacinas e transtorno do espectro autista", afirma.

O artigo encabeçado por Wakefield tinha 13 co-autores e dez deles refutaram os resultados encontrados. Em 2010, o Conselho Geral de Medicina britânico condenou Andrew à perda do registro médico, considerando que ele agiu de forma "desonesta", "enganosa" e "irresponsável" enquanto fazia a pesquisa. Wakefield coletou amostras de sangue de crianças no aniversário de seu filho e pagou £5 para cada criança pela contribuição (cerca de R$ 37, na cotação atual).

No mesmo ano, a revista Lancet retirou o artigo de seu acervo público e fez uma retratação. Havia, ainda, outro conflito ético: Wakefield trabalhava para advogados de pais que achavam que os filhos tinham sido prejudicados pela vacina.

"Depois, obviamente, as publicações científicas, inúmeras, reiteraram que não há nenhuma associação, não só com autismo, mas com outros distúrbios neurológicos, distúrbios de comportamento, saúde mental, asma, diabetes. Vacinas não causam isso, pelo contrário", apontou Renato Kfouri.

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Componentes como alumínio não tornam as vacinas tóxicas nem causam alergia

O Verifica mostrou que a presença de alguns elementos químicos em vacinas não significa que elas sejam tóxicas. Alguns desses componentes são utilizados como adjuvantes, como é o caso do alumínio. Ele serve para melhorar a resposta imunológica, mas não é o responsável por desencadear casos futuros de alergia, diferentemente do que alega o vídeo.

Um porta-voz da FDA explicou à reportagem que, antes de aprovar uma vacina, são levados em conta todos os ingredientes contidos nela, incluindo os ativos e outras substâncias. "Perpetuar referências a informações sobre ingredientes selecionados de vacinas sem colocá-los dentro do contexto adequado do processo geral de fabricação e do perfil de segurança conhecido é enganoso", comunicou.

Por exemplo, algumas vacinas podem conter sais de alumínio específicos utilizados como adjuvantes, ou seja, substâncias adicionadas para melhorar a resposta imune. "Sais de alumínio têm sido usados como adjuvantes em vacinas por décadas. Vacinas contendo adjuvantes de alumínio têm um perfil de segurança demonstrado. Gostaríamos de salientar que uma fonte comum de exposição ao alumínio é a ingestão de alimentos ou água potável", completpu.

A lista de todos os ingredientes comuns em vacinas pode ser encontrada no site da FDA.

Kfouri explica que o alumínio - assim como outros adjuvantes - atua no local da injeção, aumentando a migração das células de defesa para lá. "O hidróxido de alumínio é um dos adjuvantes mais comuns que a gente usa, mas tem outros e todos eles são muito seguros. Em geral, aumenta um pouquinho a dor no local. As vacinas adjuvantadas são um pouco mais dolorosas, isso é fato, mas não há nenhuma preocupação com esse uso de alumínio, especialmente com alergia", afirmou.

Em 2003, o pesquisador Paul Offit publicou um artigo sobre a presença de conservantes, adjuvantes, aditivos ou resíduos nas vacinas que pudessem ser prejudiciais, e concluiu que "quantidades de mercúrio, alumínio, formaldeído, albumina sérica humana, antibióticos e proteínas de levedura nas vacinas não foram consideradas prejudiciais", embora houvesse gelatina e proteína do ovo em quantidades suficientes para induzir casos raros de hipersensibilidade grave.

Vacinas diminuíram mortalidade infantil ao longo dos anos

A peça checada desinforma ao afirmar que a vacinação não melhorou a saúde das crianças. Isso porque, na verdade, o avanço da imunização trouxe efeitos práticos e positivos na diminuição da mortalidade infantil. De acordo com o Instituto Butantan, a mortalidade de crianças de até 5 anos no Brasil chegou a ser de 212 a cada mil crianças, sendo que, na população geral, o número era de 19 a cada mil habitantes. Em 1973, o Programa Nacional de Imunizações (PNI) foi criado para reduzir essa taxa. Dez anos depois, a redução da mortalidade já havia superado 50%.

Da mesma forma, o CDC defende que as vacinas contribuíram para declínios substanciais na morbidade e mortalidade associadas a doenças que podem ser prevenidas por imunizantes. Um estudo sobre os impactos do US Vaccines for Children (VFC), programa que cobre o custo de vacinas para crianças cujas famílias não têm condições de pagar, mostrou que, para crianças nascidas entre 1994 e 2023, a imunização infantil evitou aproximadamente 508 milhões de casos de doença, 32 milhões de hospitalizações e 1.129.000 mortes.

Como mostrou o Estadão, um estudo conduzido pela Organização Mundial da Saúde (OMS) concluiu que as vacinas salvaram aproximadamente 154 milhões de vidas ao longo dos últimos 50 anos — o que equivale a seis vidas por minuto anualmente. Dentre os imunizantes avaliados, a vacinação contra o sarampo destaca-se como a mais significativa para redução da mortalidade infantil, com 60% de vidas salvas em razão da vacina.

Estadão
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