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Post compara lives eleitorais de Bolsonaro a vídeos de Lula na Granja do Torto; veja o que diz a lei

ESPECIALISTAS EXPLICAM QUE GRAVAÇÃO DE PUBLICIDADE DE CAMPANHA NA RESIDÊNCIA OFICIAL NÃO PODE MOSTRAR SÍMBOLOS PÚBLICOS NEM IDENTIFICAR O ESPAÇO

17 out 2024 - 14h25
(atualizado em 22/10/2024 às 14h03)
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Na última semana, diversos veículos de imprensa publicaram que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva utilizaria a manhã do dia 10 de outubro para gravar vídeos de campanha em apoio a candidatos que disputarão o segundo turno nas eleições municipais de 2024. Mas, o local das gravações - a Granja do Torto, residência oficial de campo da Presidência - fez com que viralizassem nas redes sociais postagens acusando o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) de "liberar" as gravações para Lula, enquanto proibiu que Jair Bolsonaro (PL) fizesse lives eleitorais nos palácios do Planalto e do Alvorada em 2022.

O Palácio da Alvorada, em Brasília, é a residência oficial da Presidência da República. Foto: Valter Campanato/Agência Brasil
O Palácio da Alvorada, em Brasília, é a residência oficial da Presidência da República. Foto: Valter Campanato/Agência Brasil
Foto: Valter Campanato/Agência Brasil / Estadão

Ainda não é possível afirmar que Lula infringiu uma regra, nem que o TSE o liberou para a gravação dos vídeos. Isso porque o Tribunal não age "de ofício" nestes casos, ou seja, por iniciativa própria. Para julgar se Lula poderia ou não fazer a gravação, o TSE precisaria ser provocado por meio de uma ação - em 2022, foram movidas Ações de Investigação Judicial Eleitoral (Aijes) pelo PDT e pela coligação Brasil da Esperança (PT/PV/PCdoB) contra as lives eleitorais transmitidas por Bolsonaro da Biblioteca do Palácio da Alvorada.

Na época, após julgar as ações, o TSE fixou duas teses: uma sobre o uso de residências oficiais por parte de candidatos à reeleição em cargos do Poder Executivo e outra sobre a realização de lives como atos de campanha eleitoral dentro desses espaços. Primeiro, em setembro de 2022, o TSE reconheceu que Bolsonaro não poderia transmitir lives eleitorais em espaços aos quais só tinha acesso por ser o presidente da República, como os palácios do Planalto e da Alvorada.

Depois, em outubro, o Plenário do TSE determinou que apenas espaços neutros poderiam ser usados, sem símbolos públicos, e reconheceu que, em lives anteriores, Bolsonaro tinha praticado uma conduta vedada pela Lei das Eleições, sobre o uso de bens públicos para fins de campanha. No entanto, o Tribunal rejeitou a ação que pedia a inelegibilidade de Bolsonaro e do candidato a vice, Walter Braga Netto. O argumento foi de que "não houve gravidade o suficiente para interferir no equilíbrio da eleição".

Para entender se os casos são equivalentes e se o presidente Lula desrespeitou a lei eleitoral brasileira, o Estadão Verifica conversou com advogados especialistas em direito eleitoral e consultou as decisões mais recentes do Tribunal Superior Eleitoral sobre o caso.

Após Bolsonaro, TSE fixa tese sobre lives no Planalto

Lula grava vídeos de campanha na Granja do Torto e deve se encontrar com Boulos

Qual a diferença entre os casos de Bolsonaro e Lula?

Em 2022, o então presidente e candidato à reeleição transmitiu lives de cunho eleitoral em benefício da própria candidatura dentro da Biblioteca do Palácio da Alvorada, residência oficial dos presidentes da República no Brasil. Na época, o TSE entendeu que, embora chefes do Executivo candidatos à reeleição pudessem usar suas residências oficiais para atos de caráter reservado relativos à campanha, essa regra não se estendia à transmissão de lives porque estas eram consideradas eventos públicos.

Depois do julgamento, o TSE fixou uma tese sobre o assunto, segundo a qual ocupantes dos cargos de prefeito, governador e Presidente da República podem fazer uso de cômodo da residência oficial para realizar e transmitir live eleitoral, desde que o ambiente seja neutro, "desprovido de símbolos, insígnias, objetos, decoração ou outros elementos associados ao Poder Público ou ao cargo ocupado".

Além disso, a participação precisa ser restrita à pessoa detentora do cargo, o conteúdo precisa se referir exclusivamente à sua candidatura e não podem ser usados recursos materiais e servidores públicos. Também precisa haver registro, na prestação de contas da campanha, de todos os gastos referentes à transmissão.

No caso de Lula, o atual presidente utilizou a Granja do Torto, residência de campo do presidente da República, para gravar vídeos de apoio a candidatos às eleições municipais no segundo turno, como mostrou o Estadão. Os vídeos não foram feitos em benefício da própria candidatura, ou seja, o caso não é igual ao de Bolsonaro, nem se encaixa na tese que trata de lives, já que os vídeos foram gravados, e não transmitidos ao vivo.

O que dizem a lei e especialistas sobre o assunto?

O artigo 73 da Lei 9.504/1997, conhecida como Lei das Eleições, veda aos agentes públicos, servidores ou não, algumas condutas que possam afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais. A primeira ação vedada é "ceder ou usar, em benefício de candidato, partido político ou coligação, bens móveis ou imóveis pertencentes à administração direta ou indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios, ressalvada a realização de convenção partidária".

Em 2022, o TSE reconheceu que Bolsonaro violou essa regra e o proibiu de fazer lives nos Palácios. Mas, depois, fixou uma nova tese. "Naquele momento, em 2022, a decisão do TSE foi muito restrita à questão da live", explicou a advogada Izabelle Paes, especialista em Direito Eleitoral, pós-graduada em Direito Administrativo pela FGV e sócia do escritório Callado, Petrin, Paes & Cezar Advogados. "O TSE acabou entendendo que, se houvesse a utilização de um cômodo da residência oficial para uma live, o ambiente teria que ser neutro, sem nenhum símbolo oficial. E também fez a ressalva de que teria que ser em favor do próprio candidato".

As teses fixadas pelo TSE aparecem em duas resoluções do Tribunal para as eleições de 2024: a Resolução nº 23.732 e a Resolução nº 23.735.

Para Paes, não é possível fazer uma comparação entre os casos de Bolsonaro e Lula sem ver o vídeo gravado pelo atual presidente e sem entender o contexto da gravação. "Tem que ver se [o candidato] está em um local com símbolos públicos, se vai aparecer só que ele esteve com o presidente. Tudo isso vai diferenciar", disse.

Também especialista em Direito Eleitoral, o advogado Alberto Rollo defende que, se houver uma ação provando que os casos são iguais, a lei deve ser aplicada da mesma forma em ambos os casos. Mas, ele também diz que é fundamental saber o contexto da gravação e esclarece que a Justiça Eleitoral só irá agir se for provocada.

"O TSE já entendeu no passado que a 'casa/residência' do presidente é onde ele pode eventualmente fazer vídeos pedindo votos para ele", afirmou. "Afinal, não dá para pedir para o candidato sair da casa dele para fazer vídeos. Mas, continua não podendo usar bens, serviços, materiais públicos, principalmente servidores".

Sobre o cenário do vídeo, Rollo entende que, a depender da situação, é possível sim fazer vídeos em favor de terceiros, desde que não haja qualquer identificação de prédio oficial. "Como a Granja do Torto é um local de descanso privado - em tese -, se não tiver qualquer identificação, eu acho que passa sem configurar uso de bem público", avaliou. "Tem que se pensar na questão da segurança do Presidente da República, também. Não seria razoável exigir que ele se exponha se não tem qualquer identificação do local".

Isso, é claro, não significa que um eventual julgamento não possa proibir que gravações de cunho eleitoral sejam feitas também na Granja do Torto, e em favor de terceiros. "Para evitar problemas, a própria campanha poderia fazer na sede do partido, com aviso prévio, segurança, etc. Seria melhor para evitar justamente esse tipo de questionamento", completou.

O que aparece nos vídeos gravados?

De acordo com a agenda divulgada pela campanha do candidato à Prefeitura de São Paulo pelo PSOL, Guilherme Boulos, ele viajou de São Paulo para Brasília na manhã do dia 10 de outubro para "agendas de interesse da cidade de São Paulo". Na agenda oficial de Lula, não consta a gravação de vídeos de campanha no dia 10. No entanto, diversos veículos de imprensa, incluindo o Estadão, publicaram que o presidente faria gravações na Granja do Torto naquele dia, e se encontraria com Boulos.

Procurada, a Secretaria de Comunicação da Presidência da República (Secom) disse apenas que "não houve, em nenhum vídeo, nenhum uso de símbolos públicos", o que já é vedado pela tese fixada em 2022 pelo TSE. O Verifica procurou o PT para questionar por que os vídeos não foram gravados na sede do partido e se todos os vídeos de apoio de Lula a candidatos no segundo turno foram gravados na Granja do Torto, mas o partido respondeu que questões relacionadas à atividade do presidente são respondidas pela Secom.

Como as reportagens sobre o tema não citam os nomes de outros candidatos, fizemos uma busca nos vídeos de campanha divulgados por Boulos a partir do dia 10 de outubro. Uma peça publicada no YouTube em 12 de outubro mostra uma conversa entre Lula e Boulos em uma área externa com vegetação e fundo desfocado.

Não são visíveis símbolos públicos ou nacionais, nem placas que identifiquem o local como a Granja do Torto. Em 14 de outubro, outro vídeo foi divulgado pela campanha, em que Lula volta a aparecer. O cenário é o mesmo, sem símbolos.

Existem ações questionando as gravações?

Por enquanto, não. A advogada Izabelle Paes explica que, para que o TSE possa proibir ou liberar a gravação de vídeos de campanha por parte de Lula na Granja do Torto, a Justiça Eleitoral precisa ser provocada pelos meios legais, ou seja, por uma ação movida por um candidato, partido ou coligação. Ela acrescenta que esta ação começaria pelo Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo (TRE-SP), e não pelo TSE.

O Estadão Verifica buscou por ações movidas no TRE-SP até 17 de outubro de 2024 e não encontrou nenhum processo envolvendo este assunto. Também não foi localizada nenhuma ação no TSE contra o presidente Lula por este motivo.

Estadão
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