Postagem engana ao comparar número de carteiras assinadas a beneficiários do Bolsa Família
POPULAÇÃO OCUPADA NO BRASIL É DE 102 MILHÕES, O QUE INCLUI PESSOAS SEM CARTEIRA ASSINADA E EMPREGADOS DO SETOR PÚBLICO; GRUPO QUE RECEBE DINHEIRO DO PROGRAMA INCLUI TAMBÉM TRABALHADORES, CRIANÇAS E IDOSOS
O que estão compartilhando: uma imagem que diz que a economia brasileira irá colapsar porque há mais gente no Bolsa Família (56 milhões) que com carteira assinada (47 milhões).
O Estadão Verifica investigou e concluiu que: é enganoso. Embora os números citados estejam corretos, a postagem distorce o cenário do mercado de trabalho brasileiro. A população ocupada no Brasil é de 102 milhões de pessoas, o que inclui, além dos trabalhadores com carteira assinada, pessoas sem carteira assinada e empregados do setor público.
A imagem sugere que existem dois grupos distintos: de um lado, 56 milhões de pessoas que recebem dinheiro do Bolsa Família, e do outro, 47 milhões que trabalham no mercado formal. Mas, na realidade, há pessoas que estão nos dois grupos, simultaneamente trabalhando com carteira assinada e fazendo parte de famílias beneficiárias do programa. E ainda há no grupo dos 56 milhões que recebem Bolsa Família pessoas que não têm carteira assinada porque não são economicamente ativas, como, por exemplo, crianças e idosos. A população beneficiada pelo programa que tem de 0 a 17 anos corresponde a 46% do total.
Saiba mais: Uma imagem postada no Instagram informa que há 47 milhões de pessoas com carteiras assinadas e 56 milhões assistidas pelo Bolsa Família. O autor do conteúdo diz que essa matemática é insustentável. "O Brasil vai colapsar a qualquer momento se não mudar isso", escreveu.
Em setembro, o programa Bolsa Família registrou 20,71 milhões de famílias contempladas. Com isso, o total de pessoas beneficiadas diretamente foi de 54,3 milhões de brasileiros. Em agosto, dado mais recente disponível sobre a quantidade de brasileiros com carteira assinada no Brasil, 47 milhões de trabalhadores estavam no mercado formal.
Apesar de os números divulgados na imagem estarem de acordo com dados oficiais, eles não são comparáveis entre si.
Dados com unidade de referência diferentes
A economista e professora da Fundação Getúlio Vargas (FGV) Carla Bini enfatiza que o programa de transferência de renda visa beneficiar famílias, o que inclui não apenas os adultos economicamente ativos, mas também crianças, idosos e pessoas incapacitadas para o trabalho. Enquanto o cálculo da população economicamente ativa leva em consideração indivíduos entre 14 e 60 anos que têm carteira assinada.
Bini classifica como "torpe" a comparação dos números feita pela imagem. "Criança de quatro anos, cinco anos não trabalha com carteira assinada. A imagem faz uma manipulação nos dados", disse ela.
Em outubro, 9,3 milhões de crianças de zero a seis anos que integram famílias inscritas no Bolsa Família receberam o Benefício Primeira Infância (BPI). Somam-se a elas outras 15,6 milhões crianças e adolescentes de sete a 17 anos beneficiados pelo programa. Os números foram obtidos consultado a tabela Quantidade de Benefícios por tipo - (a partir de 2023), do CAGED. Esses dois grupos correspondem a 46% dos cerca de 54,3 milhões de brasileiros diretamente beneficiados pelo Bolsa Família.
A professora da FGV discorda da afirmação de que o Bolsa Família vai colapsar a economia do País. "Não existe 'colapso' num programa que para cada US$1,00 investido retorna US$2,16 na economia", argumenta a professora, citando artigo publicado pela FGV Social.
Sobreposição dos grupos
Outro fator que torna enganosa a comparação de números feita na imagem é que os dois grupos (beneficiários do Bolsa Família e trabalhadores formais) não são mutuamente exclusivos. Existem pessoas que estão simultaneamente em ambos.
Isso ocorre, por exemplo, porque o programa é destinado a famílias em situação de pobreza e extrema pobreza, e ter um emprego formal não necessariamente tira a família dessa condição, especialmente se o salário for baixo e a família for numerosa.
Levantamento feito pelo Poder 360 mostra que, dos novos empregos criados entre janeiro e julho de 2024, 56% das vagas formais ficaram com beneficiários do programa. Isso quer dizer que 838 mil pessoas que recebem a bolsa se empregaram nesse período. Segundo a reportagem, 2,8 milhões beneficiários estão na regra de proteção do programa -- ou seja, conseguiram um emprego formal, mas como têm renda familiar inferior a meio salário mínimo, continuam a receber metade do valor da bolsa.
Como explicado acima, o Brasil contabiliza 47 milhões de trabalhadores com carteira assinada. Mas o número total de trabalhadores País chegou a 102 milhões no trimestre de maio a julho de 2024, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O número inclui 52,5 milhões empregados do setor privado (sendo 38,5 milhões com carteira assinada e 13,9 milhões sem carteira) e 12,7 milhões do setor público.
O autor da publicação foi procurado, mas não retornou.