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Rubens Paiva não era ligado ao PCB, nem lavava dinheiro do partido para financiar ações da VPR

TEXTO MENTE AO AFIRMAR QUE GRUPO LIDERADO POR CARLOS LAMARCA TERIA MONTADO BASE EM SÍTIO DE EX-DEPUTADO EM JUQUITIBA (SP)

31 jan 2025 - 15h50
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O que estão compartilhando: que o ex-deputado Rubens Paiva seria militante do Partido Comunista Brasileiro (PCB) e teria sido escolhido para lavar dinheiro para a legenda. Ele teria passado a financiar ações da Vanguarda Popular Revolucionária (VPR), que tinha como um dos líderes do ex-capitão do Exército Carlos Lamarca. O grupo de Lamarca teria tido como base no Vale do Ribeira um sítio de Rubens Paiva em Juquitiba (SP).

Foto: Reprodução/Facebook / Estadão

O Estadão Verifica investigou e concluiu que: é falso. O texto que circula no WhatsApp tem numerosas informações erradas sobre Paiva. O ex-deputado era do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) e nunca foi filiado ao PCB. Nenhum dos partidos participou da luta armada no Brasil. Por isso, a alegação de que Rubens lavaria dinheiro para o PCB financiar a VPR não faz sentido. O ex-deputado morto pela ditadura militar não tinha um sítio em Juquitiba. O pai dele, Jaime Paiva, tinha uma fazenda em Eldorado (SP), mas o grupo liderado por Lamarca não ficou lá, e sim em Jacupiranga (SP). O pai de Rubens, aliás, apoiava o regime militar.

O Verifica tentou contato com o autor do texto, mas não obteve retorno até a publicação desta reportagem.

Leitores pediram a checagem por WhatsApp: (11) 97683-7490.

Saiba mais: O sucesso do filme Ainda Estou Aqui, dirigido por Walter Salles e estrelado por Fernanda Torres e Selton Mello, motivou o compartilhamento de conteúdos desinformativos a respeito de Rubens Paiva, marido de Eunice Paiva, personagem central do longa. Eleito deputado federal em 1962 pelo PTB, ele teve o mandato cassado em 1964, após o golpe militar, e acabou preso, torturado e morto em janeiro de 1971. O filme foi indicado a 3 Oscars e rendeu a Torres o Globo de Ouro de Melhor Atriz em Drama.

Este mês, o Verifica mostrou que era falso um texto que alegava que Paiva havia abrigado a guerrilha de Lamarca na fazenda do pai, o ex-prefeito de Eldorado Jaime Paiva. A reportagem também comprovou ser falsa a afirmação de que o ex-deputado teria sido morto pelo grupo de Lamarca, e não pelos militares.

Agora, outro texto passou a circular no WhatsApp afirmando que Rubens era militante do PCB, lavava dinheiro para o partido e financiava a VPR, além de abrigar um grupo liderado por Lamarca em seu próprio sítio. Tudo isso é falso. Veja a seguir a checagem para as principais alegações do conteúdo.

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VPR não tinha como base sítio de Rubens Paiva em Juquitiba

Não há qualquer indício de que o grupo liderado por Lamarca, que atuou no Vale do Ribeira, tenha mantido uma base em um sítio de Juquitiba, em São Paulo. Também não há nenhuma prova que o sítio pertencesse a Paiva e que, saindo de lá, Lamarca tivesse executado o tenente Alberto Mendes Júnior, da Polícia Militar de São Paulo. O agente foi morto no dia 10 de maio de 1970, próximo de Registro (SP), no sentido Sete Barras.

Este documento do Exército, que detalha o cerco a Lamarca e a seu grupo, de abril a junho de 1970, mostra que o grupo montou uma base próximo da localidade de Capelinha, no município de Jacupiranga (SP). A base foi instalada após a compra de duas glebas de terra no local, uma área de mata fechada. O lugar onde ficava a base é hoje conhecido como Cachoeira do Lamarca, e próximo dali, em Cajati, foi instalado um busto do ex-capitão do Exército.

O jornalista e escritor Jason Tércio, autor do livro Segredo de Estado: O desaparecimento de Rubens Paiva, disse desconhecer que o ex-deputado tivesse um sítio em Juquitiba. Ele também desmentiu que a fazenda do pai de Rubens, Jaime, tivesse abrigado o grupo de Lamarca.

"Um ex-dirigente do MR-8 (um dos grupos da luta armada contra a ditadura), Carlos Alberto Muniz, que tinha encontros esporádicos com Rubens Paiva, disse que o campo de treinamento que Lamarca tentou criar no Vale do Ribeira ficava num lugar chamado Capelinha, na BR-116, num sítio que não era de Rubens Paiva", afirmou.

Ele aponta, ainda, que não seria viável abrigar o campo de treinamento de Lamarca na fazenda de Jaime Paiva.

"Sempre tinha gente lá, funcionários, porque a fazenda produzia pra venda", descreveu. "Ao lado, tinha uma serraria que produzia madeira, então havia muitos funcionários. Nos fins de semana, vinham filhos e parentes".

Vale ressaltar que o pai de Rubens era um político ligado à ditadura. O "coronel" Jaime era filiado ao Arena.

"Ele apoiava a ditadura, era amigo do ministro da Justiça, Alfredo Buzaid, que aliás se hospedou na fazenda uma vez", completou Tércio.

A historiadora Maria Auxiliadora Schmidt, doutora em História pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) e coordenadora do projeto de pesquisa "Indígenas, Quilombolas e Napalm: uma História da Guerrilha do Vale do Ribeira" diz que operações políticas envolvendo a família Paiva não aparecem nas fontes.

"Em nenhuma fonte (escrita, oral, iconográfica) encontramos menções a operações políticas da família Paiva, nem no Ribeira, ou em qualquer outro lugar", afirmou.

Segundo ela, também é equivocado chamar de guerrilha o que Lamarca fez no Vale do Ribeira.

"As atividades do Lamarca no Vale do Ribeira foram equivocadamente chamadas de 'guerrilha' pelos militares para justificar a intervenção naquela região", disse. "O que Lamarca tentou fazer na região, segundo as fontes, foi um centro de treinamento militar".

Rubens Paiva não era filiado ao PCB e nem financiava a VPR

O texto falso que circula no WhatsApp alega que Lamarca teria ameaçado Rubens Paiva após este pedir que o grupo desocupasse o tal sítio em Juquitiba. O argumento seria de que o ex-deputado era militante do PCB e que o partido era financiado pelo Partido Comunista da União Soviética, que era contra as guerrilhas. Se o partido soviético descobrisse que ele desviava dinheiro para financiar as ações da VPR, tanto Rubens quanto Lamarca seriam mortos.

As afirmações, contudo, não fazem sentido. Primeiro, Paiva não era ligado ao PCB, nem se elegeu deputado pelo MDB, diferentemente do que diz o texto.

"Rubens Paiva nunca foi militante nem filiado ao PCB, nunca teve vinculação mais estreita com o partido", afirmou o historiador Carlos Zacarias, pesquisador e professor da Universidade Federal da Bahia (UFBA). "Ele foi deputado pelo PTB entre 1962 e 1964, quando foi cassado, e antes disso, quando iniciou sua trajetória vinculada à política, foi vinculado ao PSB (Partido Socialista Brasileiro)".

Tércio, autor do livro sobre o desaparecimento de Rubens Paiva, disse desconhecer qualquer ligação do ex-deputado ao PCB.

"(Há) até prova em contrário, Rubens nunca foi do PCB, embora tivesse amigos que eram do partido, e nunca teve ligação com a VPR", disse. "Nem militantes profissionais tinham envolvimento com duas organizações simultaneamente, por incompatibilidade doutrinária e falta de tempo".

No caso de Rubens, seria admitir que ele daria conta de todas estas atividades, além da família. Depois de cassado, o ex-deputado trabalhou como engenheiro.

"Rubens Paiva não tinha muito tempo livre, com família grande, muitos amigos, trabalho em período integral, que incluía visitas às obras", apontou Tércio.

Uma vez que Rubens não era ligado ao PCB, também não faria sentido que desempenhasse a função de lavar dinheiro para o partido, menos ainda para financiar a luta armada - ideologicamente, o Partido Comunista Brasileiro era contra a luta armada.

"Quando foi fundado, em 1922, o PCB era seção brasileira da Internacional Comunista, que foi extinta em 1943 por decisão de (Josef) Stalin, já no final da guerra, para fazer um aceno para para os aliados que se juntaram à União Soviética para combater os nazistas", disse Zacarias.

"Nos anos 1960, o PCB se mantinha com laços com Moscou, mas não há nenhuma notícia que a União Soviética financiava ostensivamente o PCB no Brasil", complementou.

Segundo o historiador, esse suposto financiamento do PCB por parte da União Soviética é uma "lenda" divulgada amplamente pelos anticomunistas. Na realidade, o partido se mantinha a partir das contribuições de seus próprios militantes.

No texto falso, o autor diz que Moscou proibiu que seus filiados financiassem ou participassem da luta armada e que isso teria sido desrespeitado por Rubens Paiva. O historiador explica que não havia exatamente essa proibição. O que houve foi uma decisão estratégica do partido.

"A luta armada não foi um caminho escolhido pela maioria das organizações vinculadas a essa tradição terceiro internacionalista, porque a Revolução Russa não é uma revolução que se inscreveu nos marcos de luta armada", explicou Zacarias.

"O PCB passou toda a década de 1960 e 1970 criticando os grupos que tinham ido à luta armada e sofreu consequências com isso. É o caso do próprio (Carlos) Marighella, que rompeu com o PCB em 1967 para fundar depois a ALN (Ação Libertadora Nacional)", completou o historiador.

Não houve rompimento entre Lamarca e Paiva porque eles não se conheciam

O argumento de que houve um grave desentendimento entre Lamarca e Paiva é usado pelo texto para tentar sustentar a versão mantida por décadas pelo Exército de que o político foi sequestrado por "terroristas" quando era levado para interrogatório no Alto da Boa Vista, no Rio de Janeiro.

Mas, em 2013, em depoimento à Comissão Nacional da Verdade, o coronel da reserva Raymundo Ronaldo Campos contou outra versão. Ele disse que, na madrugada de 21 para 22 de janeiro de 1971, foi chamado pelo major Francisco Demiurgo Santos Cardoso, que lhe mandou pegar um carro, levar a um ponto distante e atear fogo. Ao questionar o porquê, ouviu que era "para justificar o desaparecimento dum prisioneiro".

De volta ao posto de trabalho, ao preencher o Mapa da Missão, soube que o preso era o ex-deputado Rubens Paiva, que tinha sido interrogado no DOI-CODI.

Como mostrou o Verifica, Paiva foi preso no dia 20 de janeiro de 1971, mesmo dia em que o militante Adriano, codinome de Carlos Alberto Muniz, que integrava o Movimento Revolucionário 8 de Outubro, o MR-8, iria visitar a casa do deputado. Eles tinham se conhecido quando Rubens ajudou a tirar do Brasil a filha de um amigo que era ameaçada de prisão.

Em entrevista ao jornal O Globo em 2012, Muniz disse que Rubens Paiva era uma referência pela experiência política.

"Ele não era pombo-correio, não pertencia a grupo armado, não conhecia Lamarca", disse. "Rubens era uma referência, por sua grande experiência política. Gostava de trocar ideias com todos que estavam na oposição, inclusive os mais jovens, sobre a redemocratização e ajudava perseguidos a sair do Brasil".

Esse perfil mais político é confirmado pelo historiador Carlos Zacarias.

"Rubens Paiva era uma figura ligada à democracia, era um político trabalhista, nacionalista, ligado a João Goulart", explicou. "Não se vinculou a nenhum grupo revolucionário, mas, como tantos que viveram no Brasil na ocasião, na medida em que podia, ajudava as pessoas perseguidas pela ditadura a escapar do País. Foi assim que ele caiu nas mãos da ditadura".

Prisão de Rubens Paiva por divisão da Aeronáutica não teve relação com sequestro de voos

O autor do texto falso diz que grupos guerrilheiros no Brasil costumavam sequestrar aviões, desviá-los para Cuba e exigir a troca de passageiros por prisioneiros políticos. Ele aponta que a VPR teria sequestrado dezenas de voos e que foi este teria sido o motivo de Rubens Paiva ter sido preso pelo Centro de Inteligência e Segurança da Aeronáutica (Cisa) em janeiro de 1971.

Isso também é falso, embora sequestros de aviões tenham ocorrido.

"Houve sequestros de aviões sempre motivados pela causa da revolução, fosse para pedir resgate ou para livrar militantes da perseguição da ditadura", descreveu Carlos Zacarias "Esses aviões foram desviados para Cuba".

Estes sequestros, contudo, nada tiveram a ver com a prisão de Rubens Paiva pelos militares do Cisa. Eles foram até a casa do ex-deputado, no bairro do Leblon, no Rio de Janeiro, em janeiro de 1971, porque ele era o destinatário de algumas cartas de exilados políticos trazidas do Chile.

As correspondências tinham sido apreendidas no Aeroporto do Galeão pelos agentes do Cisa nas mãos de Cecília de Barros Correia Viveiros de Castro e Marilene de Lima Corona.

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As duas foram detidas após serem retiradas de um avião da Varig e revistadas, como mostra o relatório preliminar do caso Rubens Paiva publicado pela Comissão da Verdade. No mesmo dia, 20 de janeiro daquele ano, Rubens, Cecília e Marilene foram levados ao DOI-CODI.

Cecília testemunhou na sede da Superintendência Regional do Departamento de Polícia Federal no Rio de Janeiro, em 1986, que "ao ser colocada no carro, encontrou no interior do mesmo um homem com as mãos amarradas, com a camisa em desalinho, tendo algumas manchas de sangue sobre a mesma e o que mais marcou a declarante foi a fisionomia do mesmo, o qual estava com os olhos 'esbugalhado'; que estava bastante vermelho naquela ocasião; que evidentemente aquele homem estava vivo até aquele momento; (...) ao entrar no carro que a levaria ao DOI-CODI reconheceu Rubens Paiva, e também foi reconhecida por aquele senhor; que esse reconhecimento foi apenas visual, não tendo na ocasião trocado nenhuma palavra".

Estadão
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