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DNA de esqueleto indica existência de britânicos negros e de olhos azuis há 10 mil anos

Restos mortais do indivíduo conhecido como 'Homem de Cheddar', em referência à região onde foi encontrado no Reino Unido em 1903, foi usado para a análise.

7 fev 2018 - 10h26
(atualizado às 11h49)
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Com base nos dados, cientistas reconstruíram o que acreditam ter sido o rosto do Homem de Cheddar
Com base nos dados, cientistas reconstruíram o que acreditam ter sido o rosto do Homem de Cheddar
Foto: BBC News Brasil

O Homem de Cheddar nada tem a ver com o queijo de sabor forte e, por vezes, cor amarelada. É, na verdade, um dos mais antigos britânicos de que se tem registro. E agora, também objeto de uma nova descoberta.

Uma análise recente do fóssil encontrado em 1903 em uma gruta de Cheddar, desfiladeiro repleto de cavernas localizado em Somerset, no Reino Unido, indicou que ele tinha olhos azuis, cabelo crespo e pele escura.

A análise contraria a imagem anterior projetada a partir do fóssil. Inicialmente, acreditava-se que ele tinha olhos escuros, pele clara e cabelos lisos.

Uma equipe de cientistas não só identificou o novo fenótipo atribuído ao britânico de 10 mil anos atrás como também fez uma reconstrução detalhada de seu rosto.

Avaliações anteriores já indicavam que ele era mais baixo que a média e que provavelmente morreu por volta dos 20 anos.

Gêmeos holandeses Adrie e Alfons Kennis recriaram a face do Homem de Cheddar | Foto: Channel 4
Gêmeos holandeses Adrie e Alfons Kennis recriaram a face do Homem de Cheddar | Foto: Channel 4
Foto: BBC News Brasil

Fraturas na superfície do crânio sugerem que ele pode ter morrido de maneira violenta. Não se sabe como o corpo chegou à caverna, mas é possível que tenha sido colocado lá por indivíduos da tribo.

Extração do DNA

Os pesquisadores do Museu de História Natural de Londres extraíram o DNA de uma parte do crânio, próxima ao ouvido, conhecida como osso petroso.

Inicialmente, Ian Barnes e Selina Brace, que fazem parte da instituição e integram o projeto, não tinham certeza se conseguiriam algum DNA do fóssil.

Mas eles tiveram sorte: não só o DNA foi preservado, como também produziu a maior cobertura (uma medida da precisão de sequenciamento) para um genoma na Europa desse período de Pré-história - conhecido como Mesolítico ou Idade Média da Pedra.

Análise do DNA foi feita a partir do crânio, mais precisamento do osso petroso | Foto: Channel 4
Análise do DNA foi feita a partir do crânio, mais precisamento do osso petroso | Foto: Channel 4
Foto: BBC News Brasil

Os pesquisadores do museu se juntaram a cientistas da universidade londrina UCL (University College London) para analisar os resultados, incluindo variantes genéticas associadas com cabelo, olhos e cor da pele.

A descoberta indica ainda que os genes da pele mais clara se difundiu na Europa mais tarde do que se pensava, e que a cor da pele não é necessariamente referência de origem geográfica, como normalmente é vista hoje em dia.

Como a pele mudou

A pele clara provavelmente chegou à Grã-Bretanha há cerca de 6 mil anos, com uma migração de pessoas do Oriente Médio.

Essa população tinha pele clara e olhos castanhos. Acredita-se que tenha acabado absorvendo características de grupos como o do Homem de Cheddar.

Não se sabe ao certo, contudo, por que a pele clara acabou se sobressaindo entre os habitantes da região. Mas acredita-se que a dieta à base de cereais provavelmente era deficiente em vitamina D - isso exigiria que agricultores processassem esse nutriente por meio da exposição à luz solar, que é mais escassa onde fica o Reino Unido.

"Podem haver outros fatores causando menor pigmentação da pele ao longo do tempo nos últimos 10 mil anos. Mas essa é a grande explicação à qual a maioria dos cientistas se fia", disse Mark Thomas, geneticista da UCL.

Fóssil foi encontrado em 1903 numa caverna em Cheddar, no condado de Somerset
Fóssil foi encontrado em 1903 numa caverna em Cheddar, no condado de Somerset
Foto: BBC News Brasil

Para Tom Booth, arqueólogo do Museu de História Natural em Londres e integrante do projeto que desvendou as características do Homem de Cheddar, a análise mostra como as categorias raciais são construções modernas ou muito recentes. "Elas realmente não se aplicam ao passado", disse ao jornal britânico The Guardian.

Yoan Diekmann, biólogo especializado em estudos da computação na universidade londrina UCL e também parte da equipe, concorda com o colega. Afirma que a conexão comumente estabelecida entre "britanidade" e brancura "não é uma verdade imutável". "Sempre mudou e sempre mudará", declarou à mesma publicação.

A análise genética também sugere que o Homem Cheddar não bebia leite na idade adulta - algo que só se espalharia entre os humanos muito mais tarde, na Idade do Bronze, iniciada em alguns lugares há cerca de 5 mil anos.

Chegadas e partidas

As análise também indicam que os europeus dos tempos atuais mantiveram, em média, apenas 10% das características de ancestrais como o britânico de Cheddar

Acredita-se que os humanos chegaram no que hoje é o Reino Unido há 40 mil anos, mas um período de frio extremo conhecido como o Último Máximo Glacial teria os forçado a migrar dali 10 mil anos depois.

Também já foram coletadas evidências em cavernas de que humanos caçadores-coletores voltaram quando as condições climáticas melhoraram. Mas acabaram sendo surpreendidos pelo frio - marcas nos ossos sugerem que esse grupo canibalizou seus mortos.

O território hoje conhecido como Grã-Bretanha foi ocupado novamente há 11 mil anos e, desde então, permanece habitado, segundo os pesquisadores.

O Homem de Cheddar é parte dessa onda migratória que teria caminhado pela chamada Doggerland - que, naquele período, ligava a ilha ao continente, mas posteriormente acabou coberta pelo aumento do nível do mar.

Nos anos 1990, outra análise do DNA já havia identificado possíveis 'parentes do Homem de Cheddar'
Nos anos 1990, outra análise do DNA já havia identificado possíveis 'parentes do Homem de Cheddar'
Foto: BBC News Brasil

Essa não é a primeira tentativa de análise genética do Homem de Cheddar. No final dos anos 1990, o geneticista Brian Sykes já havia sequenciado o DNA mitocondrial de um dos molares do fóssil.

A sequência, transmitida exclusivamente da mãe para os filhos, foi comparada com 20 residentes vivos do povoado em Cheddar.

Duas dessas pessoas tinham mostras similares - uma delas era o professor de história Adrian Targett.

A atual descoberta feita por pesquisadores do Museu de História Natural e da UCL vai ser detalhada em um documentário para a televisão britânica com o título The First Brit: Secrets of the 10,000 Year Old Man ("O primeiro britânico: segredos do homem de 10 mil anos de idade"), feito pela Plimsoll Productions e a ser exibido pelo Channel 4. Também vai virar, é claro, artigo acadêmico.

Professor Chris Stringer ficou impressionado ao ver a reconstrução do Homem de Cheddar
Professor Chris Stringer ficou impressionado ao ver a reconstrução do Homem de Cheddar
Foto: BBC News Brasil

O professor Chris Stringer, que lidera os estudos sobre origens humanas no museu, se dedica a estudar o esqueleto do Homem de Cheddar há 40 anos.

Ele se impressionou ao ver a reconstrução que pode ter revelado o rosto de seu objeto de estudo.

"Ficar cara a cara com a imagem de como esse homem pode ter parecido - a combinação impressionante de cabelo, rosto, cor dos olhos e pele escura - é algo que não poderíamos imaginar alguns anos atrás. Mas é que os dados científicos mostram."

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