Escamas são o segredo da locomoção das cobras, diz estudo
Cobras dependem das escamas para se locomover
As cobras dependem das propriedades de fricção conferidas por suas escamas para que possam se deslocar por deslizamento, de acordo com um novo estudo. A pesquisa talvez seja capaz de explicar de que maneira as cobras conseguem se movimentar sobre terreno liso, como rochas ou areia, no qual não lhes é possível utilizar pedras ou folhas como apoio ao deslocamento.
Os pesquisadores, comandados por David Hu, professor de engenharia mecânica no Instituto de Tecnologia da Geórgia, em Atlanta, constataram que a resistência oferecida pelas escamas que recobrem o ventre da cobra é maior quando o corpo do animal está se deslocando lateralmente, e não para frente ou para trás. As cobras também parecem erguer determinadas porções de seu corpo nos casos em que a fricção parece estar atrapalhando o movimento de maneira perceptível, e esse deslocamento que envolve menor contato com o solo permite que se movimentem com maior velocidade.
Ainda que os cientistas estivessem cientes de que as cobras deslizam mais rápido quando se movimentam para frente do que quando se deslocam para trás, "ninguém até agora havia medido a fricção incorrida nos deslizamentos laterais", disse Hu. "E é nela que se encontra a chave para a compreensão de seu movimento".
As cobras podem se movimentar por meio de uma série de operações de dobra em seus corpos, por meio de contrações de seus ventres, de contorções helicoidais ou de deslizamento em forma de S. Experiências conduzidas anteriormente já haviam demonstrado que as cobras executam essa última forma de movimento, conhecida tecnicamente como ondulação lateral, ao usar obstáculos encontrados no caminho como apoios contra os quais deslocar seus flancos.
Os cientistas sugeriram que as escamas localizadas no ventre de uma cobra, que podem usar pequenas irregularidades do solo como apoio, também poderiam servir como recurso de propulsão de movimento. Mas ainda não havia sido realizado um estudo detalhado da maneira pela qual as propriedades de fricção das escamas contribuem para o movimento deslizante.
Escamas escorregadias
Hu e seus colegas mediram a fricção nas escamas das cobras ao deslizar 10 exemplares jovens de cobras de Puebla sobre duas superfícies diferentes -um tecido áspero e uma placa de fibra de vidro lisa -, e em três diferentes direções: frontal, traseira e lateral.
Na superfície mais áspera, a fricção era mais elevada quando a cobra estava se deslocando lateralmente, enquanto na superfície lisa a fricção apresentava resultados semelhantes em todas as direções de deslocamento. A fricção lateral ampliada parecia ser necessária para o movimento, porque as cobras eram capazes de se deslocar com sucesso sobre o tecido áspero mas não conseguiram fazê-lo com igual eficiência sobre a placa de fibra de vidro.
Quando a equipe utilizou os valores de fricção obtidos nos testes para alimentar um modelo matemático, a cobra teórica simulada pelo modelo seguiu percurso bastante semelhante ao percorrido pelas cobras reais. No entanto, as velocidades previstas pelo modelo teórico eram inferiores àquelas que os pesquisadores mensuraram ao observar o movimento das cobras reais.
Por isso, eles decidiram incluir no modelo matemático um fator que simula a tendência das cobras a concentrar seu peso em certas porções de seus corpos - um comportamento que parece reduzir o contato das áreas nas quais a fricção mais atrapalharia o movimento.
O acréscimo desse fator tornou o movimento da cobra do modelo matemático 35% mais rápido, e isso fez com que ele adquirisse velocidade muito mais próxima à das cobras reais, de acordo com o relatório dos pesquisadores, publicado pela revista Proceedings of the National Academy of Sciences.
O estudo ilustra como a viração da resistência gerada pela fricção ao longo do corpo da cobra coloca em ação as forças que resultarão em movimento frontal, diz Bruce Jayne, um especialista em locomoção de cobras na Universidade de Cincinnati, no Ohio, que não participou do trabalho. "Eles estão levando em conta todos os fatores que incluem o movimento, da cabeça à cauda da cobra", afirma.
Caminho áspero
O modelo também sugere que o deslizamento depende muito mais das forças de fricção do que das forças inerciais; as estimativas apontam que as forças de fricção envolvidas são maiores por uma ordem de magnitude.
Trata-se de uma descoberta intrigante, porque, para muitas outras das formas de movimento em terra, como correr e saltar, "a inércia do corpo é tudo", diz Bruce Young, especialista em anatomia dos vertebrados na Universidade de Massachusetts em Lowell. No entanto, ele aponta que outras formas de locomoção utilizadas por cobras podem não seguir o mesmo modelo.
Hu afirma que o estudo que ele liderou pode ajudar os engenheiros a projetar melhores cobras robotizadas, que podem ser usadas para manobrar em espaços apertados demais para outros tipos de veículos. Alguns dos modelos de cobras robotizadas dispõem de rodas que resistem ao movimento lateral, mas os especialistas em robótica talvez encontrem maneiras de reproduzir o movimento deslizante sem o uso de rodas, se conseguirem encontrar um material cujas propriedades em termos de fricção sejam semelhantes às das escamas, afirma Hu.
Howie Choset, especialista em robótica na Universidade Carnegie Mellon, em Pittsburgh, Pensilvânia, diz que a maior parte das cobras robotizadas operam com outro tipo de movimentos que não a ondulação lateral, entre os quais se destaca a rolagem. Mas o trabalho conduzido por Hu poderia ainda assim inspirar observação mais atenta às propriedades de fricção nas peles artificiais utilizadas em futuras cobras robotizadas, ele afirma.
Tradução: Paulo Migliacci