Angela Chagas
Assim como Yuri Gagarin marcou a história da humanidade ao ser o primeiro homem a ir ao espaço, Marcos Pontes, 48 anos, também alcançou uma posição de destaque para o programa espacial brasileiro. Em 29 de março de 2006, o paulista foi a primeira - e até hoje a única - pessoa nascida no País a participar de um voo espacial, a bordo da nave russa Soyuz TMA-8, em uma viagem batizada de Missão Centenário em homenagem aos 100 anos do voo de Santos Dumont no 14-bis. Após dez dias em órbita, Pontes regressou à Terra, pousando no deserto do Cazaquistão. Recentemente, ele lançou o livro Missão Cumprida. A história completa da primeira missão espacial brasileira, onde conta os bastidores da viagem. Em entrevista exclusiva ao Terra, Pontes falou sobre os 50 anos do feito de Gagarin e sobre o futuro da programa espacial brasileiro.
Terra - Há 50 anos o primeiro homem chegou ao espaço e há cinco anos um astronauta brasileiro participou de uma missão espacial. O que você acha disso?
Pontes - Eu acho essa coincidência bastante interessante, mas quero destacar que também faz 50 anos que o Brasil participa das atividades espaciais. O nosso país foi o quarto a entrar no programa espacial, em 1961, atrás apenas da União Soviética, dos Estados Unidos e da França. Mas o mais importante dessas três datas é que elas servem para marcar na história esses feitos e para motivar os jovens a seguir esses passos. Não necessariamente para serem astronautas, mas principalmente para incentivar eles a gostar de ciência e tecnologia.
Terra - Você participou de um treinamento de 5 meses antes do lançamento. Como foi recebido pelos russos na base onde Gagarin partiu para o primeiro voo espacial?
Pontes - Eu fui muito bem tratado pelos russos, eu não sabia exatamente o porquê, mas eles me tratavam muito melhor que os outros astronautas. Depois eu descobri que eles achavam que eu tinha o sorriso de Gagarin, o que me deixou muito honrado. Diziam que o comportamento era parecido e até a mesmo a nossa data do nascimento é próxima, eu sou do dia 9 de março e ele do dia 11. Isso me deixou muito feliz e honrado, eu fui muito bem recebido por eles.
Terra – A trajetória de Yuri Gagarin inspirou a sua carreira como astronauta?
Pontes - O meu sonho na verdade sempre foi ser piloto, a carreira de astronauta veio naturalmente. Mas o Yuri Gagarin foi muito importante na minha carreira. Quando eu fui para a Rússia fazer o treinamento antes da missão, foi difícil porque eu tinha cinco meses para entender o sistema deles, que é diferente do que eu havia me preparado na Nasa. O idioma também é muito difícil e eu estava longe da minha família. Mas em cada dificuldade eu pensava em Yuri Gagarin, na sua coragem. Eu olhava para a estátua dele no centro russo e isso me dava muita força para superar os desafios. Eu olhava para ele e dizia: ‘eu vou conseguir’”. (Marcos Pontes partiu para o espaço da mesma base onde Gagarin havia se lançado, no dia 29 de março de 2006).
Terra - Qual a importância da missão Centenário para o Brasil?
Pontes – A missão foi criada no momento em que precisávamos consolidar nosso programa espacial. Até então, muita gente não sabia que o Brasil tinha programa espacial. Nós conseguimos cumprir os quatro objetivos propostos: incentivar as pesquisas na microgravidade, mostrando aos nossos cientistas que é possível realizar experimentos nesse outro ambiente. Em segundo lugar, mostrar para a população que nós temos um programa espacial e que isso é importante para o país. Em terceiro, promover uma ação de visibilidade internacional no ano do centenário de Santos Dumont para homenageá-lo. Eu levei até um chapéu semelhante ao de Dumont e usava nas entrevistas. Assim como os Estados Unidos divulgam seus heróis, como os irmãos Wright, nós temos que fazer o mesmo.
Terra - Quais foram os maiores desafios antes de cumprir a missão?
Pontes - Existe um período meio negro da participação do Brasil no programa da Estação Espacial Internacional, quando o País quase foi expulso, isso entre 2000 e 2001, porque tinha que fabricar algumas peças e não o fez. Cada nação que participa do programa espacial tem a missão de produzir algumas peças no seu próprio país para serem enviadas à Estação Espacial. Em troca dessas peças, o país tem o direito de fazer experimentos no espaço, de mandar astronautas para lá. Mas o Brasil nunca fabricou isso e nós estávamos ameaçados de ser expulso, de perder tudo. Era uma coisa que fugia da minha aérea de atuação por ser mais gerencial, mas eu tive que me envolver para o Brasil não cair fora do programa. Felizmente isso não aconteceu. Também enfrentamos problemas com o lançamento da missão, até um dia antes de ser lançado ao espaço eu ainda não tinha certeza se a missão seria realizada. O Brasil não tinha pago o montante necessário de US$ 10 milhões. São problemas políticos que acabaram sendo resolvidos.
Terra - Como você vê as críticas ao montante investido na missão Centenário?
Pontes - Definir os custos de uma missão não é minha tarefa, eu sou astronauta e a minha função é executar. Quem cuida disso é a Agência Espacial. Se eu fosse piloto de uma companhia aérea, por exemplo, não teria como interferir no preço das passagens. Mas eu acho importante destacar para quem acha o montante (US$ 10 milhões) caro, isso corresponde a no máximo R$ 0,10 por habitante do Brasil. Se compararmos com o custo de outras coisas, como por exemplo o custo que a corrupção representa aos brasileiros, que é de R$ 15,00, ou o do consumo de tabaco, que é de cerca de R$ 80,00, percebemos a diferença.
Terra - Você pretende participar de outra missão?
Sim, eu continuo morando em Houston (Estados Unidos) à disposição do Programa Espacial Brasileiro. Sonho muito com outra missão, mas isso depende de uma decisão do governo brasileiro. Por enquanto, estou focado em motivar jovens para as carreiras de ciência e tecnologia e trazer recursos humanos para a área espacial. Venho ao Brasil todos os meses porque participo da criação do curso de Engenharia Aeroespacial da USP (Universidade de São Paulo) para formar engenheiros preparados para atuar no nosso programa espacial.
Terra - Em função da falta de incentivos para a pesquisa espacial, como você vê o futuro do programa espacial brasileiro?
Pontes - A missão Centenário teve grande importância para alavancar o programa espacial e a gente espera que isso tenha continuidade. Lógico que a gente tem um monte de problema ainda pela frente. Eu fui à posse do novo presidente da Agência Espacial, o Marco Antônio Raupp, que é uma pessoa extremamente competente e nessa ocasião o ministro de Ciência e Tecnologia, Aloísio Mercadante, disse que o governo vai aumentar a prioridade para o programa espacial. Eu fui pessoalmente falar com ele para confirmar isso e espero que seja cumprido. Só para se ter uma idéia, nos dois últimos anos, o programa espacial perdeu 50% do dos recursos previstos em cada ano. E o nosso orçamento já é extremamente reduzido quando comparado com outros países, que desenvolveram seus programas muito depois de nós. Os avanços vão depender muito da capacidade de visão do governo em dar prioridade para o envio de satélites e a formação de pessoal. Temos um caminho longo pela frente nos próximos anos. Assim como em uma grande obra, a gente precisa primeiro montar as bases, construir as ruas, para depois fazer os prédios. Depois disso, que eu acredito que leve cinco anos, acho que o desenvolvimento do nosso programa espacial vai ser mais rápido.
Terra – Qual a sua opinião sobre o futuro do programa espacial no mundo?
Pontes - Eu acho que o que nos espera é um período de dificuldade, mas também de criatividade. Essa dificuldade vem principalmente do fator econômico. A gente vê claramente que os países considerados os mais ricos do mundo passam por problemas econômicos sérios, como é o caso dos Estados Unidos e dos países da Europa. Isso implica numa maior cautela na utilização dos recursos. A Nasa, por exemplo, já está sentido os efeitos e está mudando a política de aplicação das verbas para se adequar à nova realidade. Em vez do desenvolvimento de tecnologia dentro da própria agência espacial, são contratadas empresas privadas para fazer o projeto e executá-lo. Isso incentiva a criação de novas empresas e a geração de empregos. É uma mudança significativa, muitos funcionários vão migrar para o setor privado e isso também vai exigir maior criatividade dos técnicos na realização dos projetos.
Terra - Qual a sua opinião sobre o turismo espacial?
Pontes - Eu acho que o turismo espacial vai ser cada vez mais incentivado e nos próximos cinco anos deve começar com voos suborbitais e depois com voos orbitais. Isso é interessante porque, em primeiro lugar, gera empregos. Apesar de eu ser um astronauta, tenho os pés no chão, ou seja, vejo que não adianta ter um grande projeto espacial se isso não tem aplicação na Terra. O turismo no espaço gera empregos para diversos profissionais, inclusive para os astronautas que podem se tornar pilotos desses voos. E também é importante destacar que, a partir do momento que se tem interesse econômico de empresas privadas, você tem mais desenvolvimento de sistemas, de segurança também.
Terra - Qual a importância da pesquisa espacial no futuro?
Pontes - O clima no mundo está mudando, não sabemos exatamente se isso se deve a ação do homem, mas o certo é que a situação está cada vez mais difícil, porque são enchentes, desmoronamentos, cada vez mais desastres naturais que provocam a morte de muita gente. Os satélites, por exemplo, são fundamentais para acompanhar a situação do clima, eles passam dados precisos que também são úteis para a agricultura. Isso é uma contribuição fundamental da pesquisa espacial para qualquer país se prevenir dos desastres climáticos e evitar a perda de vidas.
Terra - Qual a sensação de ser o único brasileiro a partir para uma missão no espaço?
Pontes - Na hora eu sentia uma série de emoções, eu pensava: ‘estou cumprindo a minha missão, estou chegando lá’, mas também sentia a pressão de fazer tudo certo: ‘eu não posso errar’. Era muita ansiedade. Mas no meio de todas essas emoções da partida, o mais forte e interessante foi o sentimento da honra de poder decolar exatamente do mesmo lugar que o Yuri Gagarin decolou há 50 anos. Era como se ele estivesse ao meu lado durante o lançamento, me incentivando.
Foto: AFP