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Crime coordena invasões em áreas de mananciais em SP

Desde janeiro do ano passado, houve pelo menos 24 novas invasões em áreas de proteção ambiental, maior parte perto de represas

24 jun 2019 - 03h11
(atualizado às 07h56)
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SÃO PAULO - Novas invasões criminosas de terrenos protegidos por leis ambientais atingem, desde o ano passado, ao menos 24 áreas na cidade de São Paulo. Concentradas na zona sul da capital, a maior parte está nos mananciais das represas Guarapiranga e Billings, e ameaçam o abastecimento de 5 milhões de paulistanos. Além disso, há forte suspeita de que parte dessas invasões seja coordenada pelo crime organizado, com a venda de terrenos por até R$ 100 mil.

É o caso de um loteamento no Jardim Gaivotas, no Grajaú, extremo sul da capital. Cartazes espalhados pelo bairro anunciam lotes de 125 m² com entrada a partir de R$ 10 mil. Ou de outra invasão que fica a apenas sete quilômetros dali, no Jardim Castro Alves, onde o metro quadrado vale o dobro do preço e as vendas contam com agressiva estratégia de divulgação. "Sem comprovação de renda, sem consulta de SPC e Serasa, financiamento próprio", destaca o anúncio.

A represa de Guarapiranga, em São Paulo
A represa de Guarapiranga, em São Paulo
Foto: Divulgação

A suspeita de envolvimento do crime organizado em invasões em áreas de mananciais é citada no pedido de criação uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) na Câmara Municipal, que tem a assinatura de 19 vereadores e aguarda apreciação da solicitação de prioridade para instalação.

A polícia confirma a presença do tráfico de drogas em ao menos duas das invasões clandestinas listadas pela Câmara. Além do Jardim Gaivotas, oito inquéritos foram abertos para apurar a atuação do tráfico em área invadida na Brasilândia, zona norte. Sete mandados de prisão foram expedidos.

O Estado chegou ao total de 24 invasões com base em estudos apresentados pelo gabinete do vereador Gilberto Natalini (PV) e processos abertos na Promotoria de Justiça de Habitação e Urbanismo, do Ministério Público Estadual (MPE).

Novos casos

Por volta das 15 horas do dia 28 de maio, um loteamento foi flagrado em plena atividade em Cidade Tiradentes, no extremo leste da capital, com indícios de investimentos de alto custo. Os invasores abriam uma avenida de terra com escavadeira Komatsu, que custa ao menos R$ 200 mil. Autoridades que acompanham as invasões dizem que, até o momento, não há indício de atuação de movimentos sociais de moradia nessas novas invasões.

As regiões de Parelheiros, M'Boi Mirim, Capela de Socorro e Pedreira são as mais atingidas. Ao redor da Avenida Jaceguava, que corta Parelheiros em direção a Embu-Guaçu, a formação dos loteamentos obedece a um processo semelhante. A mata fica de pé só na entrada dos terrenos, o que disfarça o desmatamento dentro da propriedade. Muitos terrenos são cercados com muros de concreto pré-moldado. Depois, chegam tratores, e as árvores e os galhos caídos são retirados para dar lugar aos lotes.

Crime organizado

Os locais são vigiados. Em uma das invasões, uma guarita de madeira improvisada no alto de um morro monitora quem passa ali em frente. Conforme as autoridades, as invasões na área eram coordenadas por Wanderlei Lemes Teixeira, o Manolo, morto há cerca de dois meses.

Teixeira - que se candidatou a vereador pelo PCdoB, em 2016, e depois, em 2018, a deputado estadual pelo PR (atual Partido Liberal, o PL) - era investigado sob suspeita de se associar à facção criminosa Primeiro Comando da Capital (PCC) nas invasões. Ele não venceu as duas eleições, mas um dos cartazes da campanha segue colado no portão do loteamento, rasgado. Procurada, a polícia não deu detalhes da apuração da morte de Manolo. PL e PCdoB não responderam ao Estado.

"O crime organizado viu nessa forma de atuar (invasão de terra) um outro meio de enriquecer, com venda irregular de lotes nessas áreas de proteção. Não dá para dizer que isso acontece de forma generalizada, mas em alguns casos, sim", afirma o promotor Marcus Vinícius Monteiro dos Santos.

"Em alguns casos em que conseguimos executar a ação e tirar algumas pessoas de áreas de proteção ambiental, o poder público não tem a capacidade de 'congelar' o local. Duas semanas depois, o local está ocupado por famílias diferentes", diz ele.

Fiscalização

Parelheiros foi alvo de uma ação no último dia 13, com a presença de sete vereadores. Acompanhada de guardas-civis e agentes da Polícia Ambiental, com seis viaturas, a comitiva chegou a uma estrada clandestina onde a derrubada de mata ainda é recente. Morador do loteamento, Wanderson Gomes, de 26 anos, disse ter pago R$ 35 mil por um pedaço de terra de 175 m², há cerca de cinco meses. Ele não tinha nenhum registro de terra para apresentar às autoridades.

Com desmatamento recente, nem todas as áreas têm processos em andamento para desfazer as invasões. O procedimento depende da identificação dos autores de crime ambiental por fiscais, ou da notificação do caso ao MPE, que pode pedir o embargo da invasão ou a demolição dos barracos e lotes.

Muitas das invasões estão em terrenos privados ou com escrituras de posse forjadas, segundo autoridades. Mesmo nesses casos, fiscais da subprefeitura ou policiais ambientais podem aplicar penalidades por infração ambiental após um processo administrativo. Quando os casos são levados à Justiça, geralmente as decisões são favoráveis ao MPE e à Prefeitura - mas isso não garante que, após a remoção, o terreno não fique vulnerável a novas invasões.

Para Natalini, que foi secretário municipal do Verde e do Meio Ambiente na gestão João Doria (PSDB) e autor do pedido de CPI das invasões, o problema é grave. "É possível prevenir isso", diz. Segundo ele, a Prefeitura assiste a tudo "inerte", "complacente" e "conivente".

Marcos Buckeridge, diretor do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (USP), alerta que as invasões ameaçam a qualidade hídrica. A perda da mata impede a limpeza natural da água, ao mesmo tempo em que a ocupação joga mais poluição no reservatório. "Vamos aumentar drasticamente o risco de transmissão de doenças e, depois, gastar uma fortuna para limpar a água."

A Prefeitura diz fazer ações, como a Operação Defesa das Águas, coordenada pelo Município em parceria com o Estado. A pasta do Verde afirma ter "grande preocupação com as áreas de parque e para cuidar delas são firmados contratos para a presença de vigilância desarmada e rondas móveis". Ainda segundo o Município, "todos os esforços" são adotados para preservar o patrimônio público dentro de suas atribuições. "Não há inércia ou complacência, muito menos conivência."

Barracos também são erguidos em ao menos 3 parques municipais

Além das regiões de mananciais, as invasões também atingem ao menos três parques nas zonas oeste e leste da capital.

No Parque Municipal Juliana de Carvalho Torres, próximo à Rodovia Raposo Tavares, no extremo oeste, cerca de 150 barracos começaram a ser erguidos em uma área de 3 mil metros quadrados em setembro do ano passado. Nove meses após a invasão, as moradias começam a ganhar estrutura de alvenaria.

No Parque Municipal Guabirobeira, um dos dez maiores da cidade, na zona leste, um lixão foi instalado no início do ano, com descarte de entulho de construção civil. Há constante movimento de caminhões no local e alguns barracos que chegam próximos à divisa do parque, que não tem cercas. Também há barracos no Parque Linear do Sapé, na zona oeste.

Segundo a Prefeitura, já há pedido de reintegração de posse do Parque Juliana. Sobre o Guabirobeira, a gestão Bruno Covas (PSDB) diz que "a questão está em análise". Os dois casos motivaram ações civis públicas contra o Município.

"Diariamente, a GCM (Guarda-Civil Metropolitana) realiza o monitoramento das áreas ambientais", disse a Prefeitura, em nota. "Em caso de qualquer nova ocupação ou construção irregular com retirada de vegetação ou desmatamento, é dada voz de prisão aos autores sendo encaminhados à delegacia."

No Rio, domínio das milícias

No Rio de Janeiro, as invasões de áreas de proteção ambiental se concentram na zona oeste, berço das principais milícias da cidade. Uma dessas invasões estava localizada no morro da Muzema, onde 24 pessoas morreram por causa de um desabamento de dois prédiosem abril. O condomínio Figueiras do Itanhangá, do qual os prédios faziam parte, recebeu 17 multas da prefeitura do Rio por irregularidades na construção, a primeira delas em 6 de outubro de 2005.

A Polícia Civil indiciou três pessoas pelos 24 homicídios com dolo eventual (quando o autor admite o risco de causar a morte), mas duas delas continuam foragidas. Depois da tragédia, outros prédios construídos irregularmente na região foram demolidos pela prefeitura. As milícias também invadiram áreas de proteção ambiental em outras regiões do Estado, como Arraial do Cabo, na Região dos Lagos.

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