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Excluir Inpe em divulgação sobre queimadas é tentativa de controlar dados, dizem especialistas

Atribuição sobre alertas de incêndios no País foi repassada ao Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), ligado ao Ministério da Agricultura. Cientista vê 'tentativa de esvaziar a competência técnica do Inpe'

13 jul 2021 - 15h49
(atualizado em 14/7/2021 às 11h25)
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BRASÍLIA - Não há razões técnicas que justifiquem a decisão de excluir o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) do processo de divulgação sobre alertas de incêndios no País, de acordo com especialistas ouvidos pelo Estadão. Essa atribuição foi repassada pelo governo federal ao Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), ligado ao Ministério da Agricultura. Segundo eles, trata-se na prática de uma forma de centralizar os dados técnicos nas mãos de outro órgão, para controle dessas informações.

A avaliação é feita por três especialistas do setor ouvidos pelo Estadão. Gilberto Câmara, ex-diretor do Inpe e pesquisador da área de observação da Terra no próprio instituto, afirma que se trata de "flagrante tentativa de esvaziar a competência técnica do Inpe", órgão que é vinculado ao Ministério da Ciência e Tecnologia e reconhecido mundialmente pelo trabalho de monitoramento que executa.

O Inmet chegou a divulgar nota nesta terça-feira, 13, para dizer que não se trata de exclusão do Inpe do processo, mas de ação para "integrar" sistemas diferentes que auxiliam no monitoramento do setor. Ocorre que o Inpe, em seu trabalho atual, já utiliza dados do próprio Inmet, além de informações meteorológicas de organismos internacionais e dados de seus satélites que compilam informações diárias sobre os alertas de queimadas.

"Tecnicamente, a informação que o Inpe oferece hoje é a melhor possível, uma vez que o próprio Inpe, na área de previsão do tempo, já utiliza dados do Inmet. Esses dados já são considerados no levantamento de riscos de queimada que o Inpe realiza", comentou Câmara. "Portanto, essa história de integração é conversa para boi dormir."

O efeito dessa mudança, segundo o especialista, é esvaziar o papel histórico que o Inpe possui nessas operações. "Quando se fala de integração e da ideia de fazer um portal, isso só significa, na prática, centralizar informação para garantir mais controle. É óbvio que existe interesse em reduzir a importância do Inpe e seu papel de independência na produção de dados. Dentro da lógica bolsonarista, faz sentido, porque lidamos com um governo onde, quanto menos ciência, melhor."

O presidente do Instituto Brasileiro de Proteção Ambiental (Proam), Carlos Bocuhy, destaca que o acesso à informação sobre incêndios é hoje direto da fonte, do Inpe, que é quem faz o monitoramento. "O Brasil apresenta vulnerabilidades ambientais muito expressivas e relacionadas às florestas e à biodiversidade. A iniciativa de cercear a informação direta e de lançar a sua gestão para um órgão da pasta da agricultura é inapropriada, denotando incompetência ou má-fé", afirmou o especialista. "É como se a Nasa outorgasse a divulgação de seu monitoramento para o Ministério da Agricultura".

A tentativa de mexer na estrutura de apuração e divulgação de dados do Inpe, em 2019, foi o que levou à queda de seu então diretor, o físico Ricardo Galvão, que saiu em defesa pública do órgão e seus pesquisadores, apontados pelo presidente Bolsonaro como manipuladores de informações. "Como brasileiro, fico muito triste com essa notícia. Sempre tive muita preocupação com cerceamento de dados. O trabalho feito pelo Inpe nessa área é reconhecido mundialmente", disse Galvão.

Na avaliação do especialista, a decisão do governo não passa de uma nova tentativa de controlar os dados que serão divulgados. "O Inpe não tinha essa questão de conflito de interesses. É um órgão da ciência e tecnologia. Seus dados sempre foram importantes e respeitados. Essa mudança, claramente, é para controlar a informação", comentou. "É algo muito preocupante, espero que a sociedade brasileira científica reaja fortemente contra isso."

O Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam), organização científica e não governamental, declarou que o trabalho que o Serviço Nacional de Meteorologia anuncia, como boletins semanais e uma plataforma de predição de risco de fogo, já é executado pelo Inpe e que este deve se somar, e não substituir, o monitoramento contínuo feito pelo instituto.

"A divulgação diária dos dados que hoje existe, disponibilizados para toda a sociedade no portal do programa de queimadas, precisa permanecer. A transparência, assim como a série história de monitoramento do Inpe, é diferencial brasileiro, o que nos coloca à frente de outras nações ao ter em mãos subsídios para o enfrentamento que as alterações no uso do solo provocam", declarou o Ipam. "Em um mundo que enfrenta o agravamento das mudanças climáticas, ter a possibilidade de olhar para trás permite identificar com mais clareza os desafios que temos à frente. Por esses motivos, esperamos que o Inpe seja fortalecido por esse novo arranjo institucional."

O Greenpeace declarou que "é obscura a proposta do governo quanto às alterações na divulgação de informações referentes ao monitoramento das queimadas" e que essas mudanças "representam um retrocesso inaceitável na transparência dos dados", hoje disponibilizados diariamente pelo Inpe Queimadas. A organização ambiental afirma que, "independentemente de qualquer tentativa de maquiar o problema, este seguirá latente pois em sua raiz está a ação do governo para enfraquecer o combate ao desmatamento e às queimadas, além de sucessivos estímulos ao crime ambiental e invasão de florestas públicas".

Inmet diz que sistema terá atuação conjunta de órgãos federais

Inmet divulgou nota para declarar que o Sistema Nacional de Meteorologia (SNM) "é um sistema de atuação conjunta de instituições federais de meteorologia" e que este é coordenado pelo próprio instituto, além do Inpe e o Censipam.

Segundo o Inmet, os órgãos atuarão em conjunto "para o aprimoramento do monitoramento e elaboração de previsões de eventos meteorológicos extremos, pesquisa, desenvolvimento e inovação".

De acordo com o instituto, o SNM, criado em 3 de maio de 2021, tem "a missão de eliminar todo e qualquer tipo de sobreposição de atividades, gerando assim uma cadeia de processos, produtos e dados interligados e complementares". Órgão do Ministério da Agricultura, o Inmet declarou que, agora, o objetivo é "divulgar os produtos e informações para a sociedade de forma conjunta e não mais em separado como essa ou aquela instituição".

Estadão
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