Fundos que administram US$ 16,2 trilhões lançam manifesto em defesa da Amazônia
Declaração cita preocupação com desmatamento e incêndios florestais; texto afirma que esse processo pode ter impacto nas carteiras dos fundos
SÃO PAULO - Um grupo de 230 investidores institucionais internacionais, com ativos sob gestão de US$ 16,2 trilhões, pediu em carta publicada nesta quarta-feira, 18, "ação urgente" para conter os "incêndios devastadores" na Amazônia, com as queimadas em crescimento por causa do desmatamento em "taxa alarmante" no Brasil e na Bolívia.
Entre as companhias que assinam o documento, de 20 páginas, estão nomes como HSBC Asset Management, o grupo francês BNP Paribas, o grupo japonês Mitsubishi UFJ Trust e entidades brasileiras, como a SulAmérica Investimentos. Ao todo, há investidores de mais de 30 países assinando o documento, que foi divulgado nesta quarta pela Organização não-governamental (ONG) americana Ceres e pelo Principles for Responsible Investment (PRI).
"Estamos preocupados que empresas expostas ao potencial desmatamento em suas operações no Brasil e em suas cadeias de suprimento vão enfrentar dificuldades crescentes de acessar os mercados internacionais", observa o comunicado. O texto pede ação das companhias e mostra temor com os impactos financeiros dos desmatamentos nas empresas em que estes investidores aportam recursos e podem estar expostas a riscos de reputação, operacionais e regulatórios dentro de suas operações e cadeias produtivas.
"É com profunda preocupação que acompanhamos a crescente crise de desmatamento e incêndios florestais no Brasil e na Bolívia", afirma o comunicado dos investidores. "Como investidores, que têm o dever fiduciário de agir no melhor interesse de longo prazo de nossos beneficiários, reconhecemos o papel crucial que as florestas tropicais desempenham no combate às mudanças climáticas, protegendo a biodiversidade e assegurando serviços ecossistêmicos."
A declaração lista quatro medidas que devem ser implementadas por companhias. São elas:
- Divulgar e implementar publicamente uma política de não desmatamento específica de mercadorias com compromissos quantificáveis e com prazo determinado, cobrindo toda a cadeia de suprimentos;
- Avaliar operações e cadeias de suprimentos quanto ao risco de desmatamento e reduzir esse risco ao nível mais baixo possível, divulgando essas informações ao público;
- Estabelecer um sistema transparente de monitoramento e verificação para conformidade do fornecedor com a política de não desmatamento da empresa;
- Relatórios anuais sobre exposição e manejo de riscos de desmatamento, incluindo progresso em direção à política de não desmatamento da empresa.
O texto cita ainda relatórios do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC) e a Plataforma Intergovernamental de Políticas Científicas em Serviços de Biodiversidade e Ecossistemas (IPBES), para destacar o que classificou como "estreitos laços entre o uso insustentável da terra e as mudanças climáticas."
"O desmatamento na região poderia potencialmente aproximar perigosamente todo o ecossistema de um ponto após o qual a floresta não será capaz de se manter, gradualmente se transformando em sistema de savana que é muito mais seco, menos biodiverso e armazena significativamente menos carbono. Isso prejudicaria gravemente o setor agrícola e outras atividades econômicas, reduzindo as chuvas e aumento da temperatura a longo prazo. Estamos preocupados com o impacto financeiro que o desmatamento pode ter nas empresas investidas, potencialmente aumentando os riscos reputacionais, operacionais e regulatórios", diz a nota.
Levantamentos recentes mostraram aumento das queimadas na Amazônia. Análises feitas pela Nasa e pela Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam) indicam que os incêndios estão correlacionados com a alta de desmatamento no ano. Dados do Inpe divulgados nesta terça-feira mostra que de janeiro até ontem o país havia registrado 123.786 focos de queimadas, 52% a mais que no mesmo período do ano passado, quando foram 81.393.
No final de agosto, a queimadas na Amazônia despertaram preocupação de líderes mundiais e provocaram uma troca de acusações entre o presidente Jair Bolsonaro e o presidente da França, Emmanuel Macron. Bolsonaro chegou a dizer na época, sem provas, que as queimadas eram provocadas por ONGs, que reagiram responsabilizando o governo pelo problema.
Também no final de agosto, a empresa americana dona da Timberland, Vans e Kipling suspendeu a compra de couro do Brasil. Na época, empresa afirmou que decidiu não seguir se "abastecendo diretamente com couro e curtume do Brasil para os negócios internacionais até que haja a segurança que os materiais usados em nossos produtos não contribuam para o dano ambiental no País". A a maior produtora mundial de salmão, a norueguesa Mowi ASA (MOWI.OL), chegou a declarar que poderia parar de comprar soja brasileira para ser usada na sua produção se o País não coibisse o desmatamento.
O porta-voz da Presidência, general Rêgo Barros, disse que a crise está sendo combatida com todos os esforços: "Estamos, por meio da gestão do Ministério da Defesa, do Ministério do Meio Ambiente, sob a coordenação do presidente da República, colocando todos os esforços do nosso País para atender neste momento esta crise sobre queimadas e desmatamento. Sempre no entendimento de que o trabalho realizado pelo governo federal é de alto gabarito e que tem como objetivo, ao fim e ao cabo, debelar esta crise, que é momentânea. E mais do que isso: reativar a narrativa, que o presidente vem defendendo, de que é necessário a proteção ambiental com desenvolvimento sustentável e atenção à sociedade".