Ousado volta ao Pantanal: onça-pintada é devolvida à natureza após ter as patas queimadas
Regresso do animal tem forte carga simbólica; incêndios destroem o bioma há meses e sobram críticas à falta de providências adotadas pelas autoridades, especialmente federais
BRASÍLIA - Ousado está de volta ao Pantanal. A onça-pintada resgatada em setembro com queimaduras de segundo grau nas quatro patas foi devolvida à natureza na manhã desta terça-feira, 20, após 39 dias longe da região para tratamento. A soltura ocorreu na mesma margem do Rio Corixo Negro, em Poconé, em Mato Grosso, uma das áreas atingidas pelo fogo, onde a reportagem do Estadão encontrou o felino, debilitado.
O animal de cerca de cinco anos passou uma temporada no NEX, uma ONG especializada no tratamento de onças, em Corumbá de Goiás, a 80 km de Brasília. A viagem de 1,2 mil quilômetros de volta ao Pantanal foi toda feita numa van climatizada de vidros escuros. Durou 21 horas. Diferentemente do resgate, dessa vez não houve apoio de helicóptero da Marinha.
Ousado, nome dado por ribeirinhos ao exemplar da espécie, um macho, foi encontrado às margens de um rio do Mato Grosso, em 11 de setembro, pela reportagem do Estadão, que cobria as queimadas no Pantanal. Todo o processo de resgate, desde antes da chegada de veterinários e voluntários, foi documentado.
A operação para levar Ousado de Goiás foi discreta. Uma equipe do Centro Nacional de Pesquisa e Conservação de Mamíferos Carnívoros (Cenap), do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), chegou na cidade goiana nas primeiras horas da manhã de segunda-feira com recomendações expressas para que não houvesse publicidade das ações nas próximas horas.
Apesar de o NEX dar ampla transparência ao passo a passo do tratamento da onça nas redes sociais, o Cenap não permitiu nenhuma informação sobre a reinserção do felino à natureza. A justificativa do órgão era a de que a soltura deveria mobilizar uma quantidade mínima de pessoas para que Ousado não ficasse estressado e para que os riscos do procedimento fossem reduzidos. Na semana passada, auxiliares do presidente Jair Bolsonaro e do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, ensaiaram uma agenda oficial para que ambos participassem da soltura da onça. O compromisso, porém, acabou cancelado.
Ao final da longa viagem pelas estradas, a onça chegou à localidade de Porto Jofre, em Poconé, na extremidade final da Rodovia Transpantaneira, a cerca de 250 km de Cuiabá. Dentro de uma caixa metálica, a onça foi transferida para um barco que subiu os rios até a exata localização do resgate, nas proximidades do Parque Estadual Encontro das Águas, uma das áreas de maior incidência de onças, quase todo devastado pelo fogo que atingiu o Pantanal.
A estrutura metálica com o felino foi depositada na terra e um sistema de roldana foi montado em uma árvore para que os técnicos pudessem abrir a porta da caixa puxando um cabo de aço, sem ficarem expostos ao animal.
Ousado colocou apenas a pata direita na terra firme e permaneceu imóvel por exatos 15 segundos, observando o entorno. Constatado o reencontro com seu habitat, correu e, com um impulso, venceu o barranco para se reencontrar com a vegetação pantaneira. O animal ganhou um colar, que servirá para monitorá-lo por GPS. Técnicos do Cenap dizem que um estudo atestou as condições das imediações do parque para que o animal fosse reintroduzido com segurança. A readaptação de Ousado à natureza alimenta a esperança de pantaneiros na resiliência do Pantanal.
O regresso da onça ao Pantanal tem forte carga simbólica. Incêndios destroem o bioma há meses e sobram críticas à falta de providências adotadas pelas autoridades, especialmente federais.
A diversidade da fauna local e a preservação do bioma são fundamentais à atividade econômica da região, que atrai turistas de todo o mundo interessados na observação de animais livres.
Até aqui, a saga de Ousado é feliz. Amanaci, outra onça resgatada do Pantanal com queimaduras, ainda em tratamento em Corumbá de Goiás, não fará o mesmo caminho de volta. A fêmea teve queimaduras de terceiro grau nas patas e, apesar do moderno tratamento com células-tronco, ficou com o movimento das garras comprometido. Ela não tem mais condições de viver livre, segundo veterinários que a acompanham.