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Pandemia impulsiona debate sobre educação ambiental nas escolas

Com aulas remotas, atividades feitas em casa ajudam aluno a entender conexão da natureza com a vida cotidiana

17 nov 2020 - 19h02
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Quando a escola foi fechada em março para conter o avanço do coronavírus, a diretora teve a chance de enxergar possibilidades em meio ao vazio. Gavetas e armários foram virados de ponta-cabeça e o resultado foi aquele de toda faxina bem-feita: ela encontrou materiais que já nem sabia que tinha. "Uma gaveta tinha rolos de durex e outro funcionário dizia que precisava comprar", conta Diane Clay Cundiff, do Colégio Santa Maria, na zona sul de São Paulo. "Tivemos um ano para reorganizar, tirar, reaproveitar e partilhar mais dentro da escola."

O exemplo do colégio ilustra um movimento acelerado pela pandemia nas escolas - de olhar com mais cuidado para as questões ambientais e pensar em soluções para fazer frente ao desafio urgente de reduzir os impactos e formar cidadãos engajados com a preservação. A relação da doença com a devastação pode não parecer óbvia a todos, mas os cientistas já alertam: futuras pandemias podem surgir com mais frequência e se espalhar rapidamente se não forem adotadas medidas de proteção ao meio ambiente.

Nas escolas, o tema vem sendo tratado em diferentes frentes e metodologias dependendo da idade dos estudantes. Se o isolamento impediu o contato com a natureza em muitos casos, por outro lado, foi a chance de olhar para o que estava ainda mais perto. "Tentamos trazer as questões para dentro das casas dos alunos. Com os mais velhos, até mesmo fazendo essa análise sobre de onde vem o vírus, que relações eles fazem disso com as ações do homem", explica Patricia Pavan, diretora pedagógica da escola be.Living, em São Paulo.

Os estudantes foram desafiados, por exemplo, a reconhecer espaços dentro de casa que permitiam a conexão com a natureza - ou criá-los, se não existissem. Também passaram a notar para o próprio consumo e o dos familiares. "Pensamos em propostas para refletir sobre como produzir menos resíduos e o que fazer com o que produzimos. Fizemos brinquedos, jogos e bonecos com esses resíduos", diz Silvia Adrião, diretora pedagógica do colégio AB Sabin, na zona oeste de São Paulo.

Como as aulas ocorrem em casa, as atividades tiveram a mediação dos pais, o que também conectou a família. Mãe de Antonio, de 4 anos, a empresária Juliana Arnoni, de 41, ajudou a confeccionar lixeiras para a atividade de separação dos resíduos. "Eles aprenderam a cor de cada uma. Meu filho ama caminhão de lixo. Então, ele curtiu e a gente brincou." Mesmo os bebês podem participar. Nesses casos, as atividades são estímulos para que os pequenos reconheçam que o próprio corpo também é uma "casa" e precisa de cuidados. Até o que comem tem relação com uma vida mais sustentável.

Já os alunos mais velhos conseguem acompanhar e participar de discussões globais. Estudante do 2.º ano do ensino médio, Gabriela Ubeda, de 17 anos, começou a se envolver em projetos ambientais na escola medindo a qualidade da água de um córrego que passa por ali. Terminou conversando com ministros do Meio Ambiente na Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP), em Madri.

"Nunca tinha passado pela minha cabeça que pudesse ir a um evento global desse nível. A gente pensa que só pode fazer coisas muito pequenas, como economizar água, plantar uma árvore", diz Gabriela, aluna do Colégio Magno, na zona sul paulistana. Neste ano, ela manteve reuniões virtuais com estudantes de outras partes do mundo sobre as mudanças climáticas. "Além de ter ações concretas, o principal é estudar, conhecer mais essa pauta."

O Magno é um dos 40 signatários do movimento Escolas pelo Clima, lançado no mês passado, que incentiva os colégios a colocar em prática ações para mitigar as mudanças climáticas. As escolas que fazem parte se comprometem a desenvolver pelo menos uma atividade com os alunos e outra com os professores até 2021. "No ano passado, o assunto veio mais à tona e, neste ano, sentimos que movimentou ainda mais as escolas", diz Lívia de Campos, diretora da Reconectta. A empresa, que faz consultoria para ações de sustentabilidade nas escolas, é a idealizadora da campanha em parceria com a The Climate Reality Project, organização fundada pelo ex-vice-presidente americano Al Gore.

Entre as escolas que participam, há unidades de todas as regiões. A maior parte é da rede pública. Segundo Lívia, projetos de sustentabilidade também podem e devem ser levados adiante por escolas com poucos recursos - o importante é que tenham coerência com a forma como o colégio lida com a própria estrutura, com seus profissionais e com a comunidade. "O espaço da escola em si também é educador. Muitas vezes a horta é um desejo da escola e símbolo da sustentabilidade, mas de que adianta se os professores brigam porque um não molhou as plantas? Isso não é sustentabilidade."

Protagonismo

Em muitos casos, os próprios estudantes são indutores de mudanças na escola. O diretor administrativo do Magno, Maurício Tricate, diz que a preocupação ambiental não estava no DNA do colégio, mas foi incorporada, até pelo movimento dos alunos. Na escola, a gestão da horta é feita pelos estudantes do 6.º ao 8.º ano. E substituição dos copos descartáveis foi uma campanha puxada pelas crianças do 4.º ano do ensino fundamental, quatro anos atrás.

"Eles distribuíram cartazes pela escola inteira, iam de sala em sala", diz Tricate. "É uma geração que já pensa diferente e isso passou a ser normal para eles. Para mim, antes era normal deixar as luzes acesas." Agora, o colégio passou a produzir toda a energia necessária para a operação de sua maior unidade por meio da instalação de placas fotovoltaicas, que geram eletricidade com a luz solar.

O Santa Maria também deu início à captação de energia solar e, na pandemia, aproveitou uma obra de alargamento do piso, necessária para manter o distanciamento entre os alunos, para trocá-lo por um modelo mais permeável à água da chuva. A lista do material escolar veio mais enxuta neste ano e os pais foram encorajados a aproveitar cadernos e lápis usados. A tecnologia também deve ajudar. "O aluno não precisa ter uma cópia de cada coisa em papel. Ele pode ler uma instrução no computador", diz Diane, diretora do Santa Maria.

Temas precisam dialogar com realidades locais

O estudo da biodiversidade nas escolas pode ser um aliado para a conservação das espécies, mas é preciso que os temas dialoguem com as realidades locais. Essa é opinião de Nélio Bizzo, professor da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP), com base em uma pesquisa feita com estudantes de todo o País. O estudo realizado entre 2007 e 2014 mostrou que alunos da região amazônica têm alto interesse e gostariam de estudar mais profundamente seres vivos em seu entorno, enquanto os do Sudeste demonstraram menos interesse pelo estudo da biodiversidade local.

Apesar dessa diferença, os grupos de estudantes concordam com a necessidade de ações para proteger o meio ambiente. E discordam que esse deve ser um papel só dos países ricos. A pesquisa foi divulgada em um artigo na revista Science Advances e repercutiu no mundo todo. "Os dados indicam que a preocupação dos jovens com as ações relacionadas à conservação do ambiente vem em uma crescente desde 2007", diz Bizzo.

O pesquisador levanta a hipótese de que o contexto sociocultural contribui para o interesse maior dos alunos do Norte na biodiversidade local. "A cultura indígena, embora muito invisibilizada na região, tem uma inserção muito importante. É reconhecida como algo relevante, de que a população local de alguma maneira se orgulha."

Para Bizzo, porém, os materiais didáticos não dão conta desse interesse. "Publicações até internacionais que analisaram livros se espantaram com o fato de que existia a presença muito marcante de fauna exótica nos materiais comprados e distribuídos pelo governo." Leões e coalas, por exemplo, aparecem com frequência nas publicações, quando, na verdade, a ênfase poderia ser dada às espécies nativas.

Ações para a sustentabilidade nas escolas devem pensar o currículo - o que e como se ensina - e começar com uma escuta dos desejos de toda a comunidade: professores, funcionários, pais, mães, estudantes e quem mora no entorno da escola. "É preciso que a escola olhe para toda a organização do seu trabalho pedagógico e da sala de aula", diz Simone Portugal, mestre em Educação pela Universidade de Brasília (UnB) e pesquisadora colaboradora da Oca - Laboratório de Educação e Política Ambiental da Escola Superior de Agricultura da USP.

Segundo a especialista, ainda é comum que os trabalhos nas escolas sejam restritos a disciplinas como Geografia, Ciências e Artes porque, segundo ela, nesses casos "o tema não tem ainda uma centralidade no coração da escola". Mas não deveria haver barreiras. "A educação ambiental deve ser inter e transdisciplinar, deve propiciar diálogo de todas as áreas para pensar perguntas, buscar saídas e intervenções necessárias."

Estadão
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