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Preocupados com aquecimento, 77% dos brasileiros não querem crescimento que leve a dano ambiental

Segundo pesquisa do Ibope Inteligência, a maioria considera mais importante proteger o meio ambiente, mesmo que isso signifique menos crescimento econômico e empregos do que crescer com impacto; maioria se preocupa com mudanças climáticas

4 fev 2021 - 12h31
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O brasileiro está preocupado com o aquecimento global e com impactos ao ambiente no País, em especial com as queimadas dos biomas brasileiros. Considera que a proteção ambiental é mais importante que o crescimento econômico, caso este resulte em algum prejuízo ao ambiente. E entende que cabe principalmente aos governos o papel de conter esses problemas.

É o que revela uma pesquisa do Ibope Inteligência - encomendada pelo Instituto de Tecnologia e Sociedade (ITS) em parceria com o Programa de Comunicação de Mudanças Climáticas da Universidade de Yale - que avaliou qual é a percepção do brasileiro sobre essas questões. Os dados foram obtidos com exclusividade pelo Estadão.

Quando questionados sobre o que consideravam mais importante - se proteger o meio ambiente, mesmo que isso signifique menos crescimento econômico e menos empregos, ou se promover o crescimento econômico e a geração de empregos, mesmo que isso prejudique o meio ambiente -, 77% dos entrevistados ficaram com a primeira alternativa e 14% com a segunda. Não souberam ou não responderam 8%.

A pesquisa, que será divulgada nesta quinta-feira, 4, foi feita entre setembro e outubro do ano passado, num momento em que o País inteiro sofria com queimadas - em especial na Amazônia eas históricas no Pantanal - e com ondas de calor que levaram a recordes de temperatura. Em meio a um noticiário intenso sobre o assunto e sobre críticas que o Brasil vinha recebendo do exterior, a maioria dos 2,6 mil entrevistados pela pesquisa em todo o País indicou que o crescimento econômico não pode se sobrepor ao cuidado com o ambiente. Entre os ouvidos, 44% eram do Sudeste, mas houve participantes de todo o País. Do total, 40% eram das classes AB, 40% da classe C, e 20% das classes DE. As entrevistas foram realizadas por telefone.

Anthony Leiserowitz, diretor do programa de Yale, que faz esse tipo de pesquisa de opinião pública sobre o tema já há mais de uma década nos Estados Unidos, afirmou ao Estadão que o dado também é consistente com o que eles já observaram nos EUA e em outros países. "A maioria das pessoas entende em algum nível que uma economia saudável depende de um ambiente saudável. Destruir o meio ambiente é uma receita para a dor a longo prazo", diz.

Para Rosi Rosendo, diretora de contas do Ibope Inteligência, responsável pela pesquisa, a alta prioridade dada à proteção ambiental, mesmo em detrimento ao crescimento econômico, "é coerente com a percepção que as pessoas têm sobre o aquecimento global e a preocupação que têm com o ambiente". Ela destaca dois pontos do levantamento: 78% consideram o aquecimento global um tema muito importante e 61% disseram que estão muito preocupados com o meio ambiente em geral.

É quase unânime entre os brasileiros a percepc¸a~o de que o aquecimento global esta´ acontecendo (92%) e cerca de oito em cada dez consideram que ele e´ causado principalmente pela ac¸a~o humana (77%). A maioria também acredita que o aquecimento global pode prejudicar muito as gerações futuras (88%), mas teme também por si mesmos e suas famílias (71%) no curto prazo.

Nesta quinta, em coletiva à imprensa, Leiserowitz pretende discutir a diferença desses dados com o do público americano. "É notável como os brasileiros estão muito mais convencidos de que a mudança climática está acontecendo, é causada pelo homem e é um problema sério do que os americanos. Isso indica que a questão não está tão polarizada politicamente no Brasil como se tornou nos Estados Unidos", disse.

Na última pesquisa desse tipo feita por Yale nos EUA, divulgada em setembro do ano passado, 63% dos americanos se disseram preocupados com o aquecimento global - o número, porém, esconde diferenças regionais gritantes. Enquanto no condado de São Francisco, na Califórnia, a preocupação é de 79%, em Loving County, no Texas, é de apenas 39%.

No Brasil, a diferença mais significativa ocorreu por idade e nível de educação. A importância ao tema foi maior entre os mais jovens e mais escolarizados. Por outro lado, apenas 25% disseram entender muito sobre o assunto.

Responsabilidade

O levantamento revelou também que os brasileiros, em sua maioria, acreditam que as queimadas cresceram nos últimos dois anos (82%), que são causadas por ação humana (77%), que a responsabilidade por elas é de madeireiros, pecuaristas e agricultores (69%, somados os três setores) e que prejudicam a imagem do Brasil no exterior (84%).

Tanto para este problema quanto para o do aquecimento global, os entrevistados consideram que cabe principalmente ao governo resolvê-los. No caso das mudanças climáticas, 35% disseram que os governos são quem mais pode contribuir para resolver o problema. Para 32%, são as empresas e indústrias; para 24%, os cidadãos, e 4% disseram ser as ONGs.

Já no caso das queimadas na Amazônia, 54% apontaram os governos como quem mais pode lidar com a questão, 21% disseram que são os cidadãos; 15%, as empresas, e 6%, as ONGs.

Especialistas em clima e em opinião pública que analisaram os dados, porém, apontam que apesar desses números altos, os brasileiros ainda não relacionam essas preocupações com seus votos.

"As pessoas veem o que se está acontecendo e se importam, mas tomar responsabilidade sobre isso é um passo seguinte que depende de educação e acesso à informação, coisas que não estão dadas. Proteger o ambiente, todos querem, mas o que é preciso fazer para isso, as pessoas ainda não sabem. Muitos apontam seu papel como cidadão, como reciclar, usar menos o carros, as coisas mais caricatas do perfil, mas as mudanças climáticas são bem mais complexas que isso", afirma Fabro Steibel, diretor executivo do ITS.

A associação do Rio, que encomendou a pesquisa, é formada por professores e pesquisadores de diversas instituições do Brasil, que investigam o impacto social, jurídico, cultural e político das tecnologias de informação e comunicação. "Acho que ainda tem um distanciamento entre eu me preocupar com o clima e o que faz um político pelo clima. A responsabilização do político ainda é subjetiva para as pessoas", sugere Steibel.

Na pesquisa, de fato 74% dos entrevistados disseram que costumam separar o lixo para reciclar, 59% disseram que deixam de comprar ou usar algum produto que prejudique o meio ambiente.

Para Marcio Astrini, secretário executivo do Observatório do Clima, o brasileiro, mesmo achando importante e se preocupando com a questão ambiental, ainda não traduziu isso em seus votos ou em pressão política. De acordo com a pesquisa, apenas 42% afirmaram já terem votado em algum político em razão de suas propostas para defesa do meio ambiente e 17% participaram de alguma manifestação ou abaixo-assinado sobre mudança climática.

A pauta continua sendo dominada muito mais por agendas individuais e imediatistas. Na hora do voto, de comprar um produto, nem sempre se reflete essa preocupação com o ambiente porque somos um país que tem muitas vezes problemas mais urgentes como pobreza extrema e violência", afirma Astrini.

Mas ele vê os resultados como positivos e que a agenda vem crescendo no Brasil. "O que precisamos é transformar esse percentual de opinião positiva em pressão concreta para neutralizar as tentativas de retrocesso do governo", defende.

Impacto do negacionismo

Leiserowitz, que viu o tema crescer de importância nos Estados Unidos durante a gestão de Donald Trump - um negacionista das mudanças climáticas que conduziu o país na direção contrária do combate ao problema -, o mesmo pode ocorrer no Brasil, em que o governo Bolsonaro também nega a crise climática.

"A mudança climática claramente se tornou uma questão muito mais importante nas últimas eleições nos EUA do que jamais vimos antes. Foi uma das 4 questões que Biden abordou, junto com a resposta à covid, a crise econômica e a justiça racial. No geral, os americanos - especialmente democratas e independentes - tornaram-se muito mais preocupados com a mudança climática durante os anos de Trump", disse.

Ressaltando que não conhece bem a política brasileira, ele disse esperar que um movimento parecido ocorra no Brasil. "Tenho a impressão que o presidente Jair Bolsonaro fez uma série de afirmações sobre as causas do desmatamento e dos incêndios na Amazônia, e os dados desta pesquisa sugerem que a maioria dos brasileiros não acredita nessas afirmações e, na verdade, está bastante preocupada com a questão."

No levantamento, 78% afirmaram concordar que as queimadas na Amazo^nia podem prejudicar as relac¸o~es comerciais do Brasil com outros pai´ses; 74% discordaram que as queimadas são necessárias para o crescimento da economia. E somente 3% responsabilizaram indígenas e ONGs pelas queimadas, como fez o governo federal.

Estadão
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