[Coluna] A produção de conhecimento sob a lógica do mercado
Mesmo sem reconhecimento formal, cientistas brasileiros destacam-se como referências, mas experimentam frustração ao enfrentarem incertezas quanto a recursos e busca por visibilidade."Não sei mensurar o preço da minha produção científica." Frase que muito ouvi de meus colegas das ciências humanas, em um país onde a profissão de cientista não é formalmente reconhecida. Esse estranhamento resulta das ciências com as quais trabalhamos, que não são mercadorias; talvez um dia sejam, mas serão invisíveis.
Embora eu não seja atleta, fui inserido em uma competição contra amigos, colegas e desconhecidos, pessoas que talvez nunca encontre. Esta competição é excludente, adoecedora, contraditória e constantemente me faz questionar a escolha por ser pesquisador, numa época em que o número de publicações e citações tornou-se uma valiosa vitrine no "mercado" científico.
Nesses momentos de estranhamento, entendo a frustração dos cientistas brasileiros. Sou um deles. Não gostaria de competir com um amigo, mas este é o mecanismo que rege nosso trabalho: produza, publique ou pereça.
Contradições
Em 2024, duas iniciativas do governo federal me fizeram questionar se estão atentos à ciência nacional. Em julho, o Ministério da Educação lançou o Programa de Repatriação de Talentos, promovido pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), para atrair de volta pesquisadores brasileiros atuantes no exterior.
Em outubro, a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) anunciou, pelo Ofício Circular nº 46/2024, uma nova metodologia que substituirá o Qualis-periódicos por uma classificação centrada na qualidade dos artigos científicos e no número de citações.
É de se pensar que essas duas ações podem ser conflitantes. Primeiro, foram necessários 10 anos para que houvesse um reajuste nas bolsas de mestrado e doutorado pela Capes e pelo CNPq, induzindo muitos pesquisadores a buscar oportunidades fora do país. Em seguida, priorizar a qualidade dos artigos e o número de citações como critério levanta a questão: como um jovem pesquisador sem financiamento para divulgação de seu trabalho pode obter a visibilidade necessária para que sua pesquisa seja citada entre seus pares?
Na área de ciências humanas, essa situação se agrava, porque o conhecimento produzido pelos mestrandos e doutorandos não é alvo de grandes corporações. As pesquisas possuem funções sociais fundamentais para a literatura de cada eixo, mas não têm preço, pois não são matéria-prima para serem transformadas em mercadorias.
Bolsas servem para sobrevivência
Assistindo a um documentário sobre universidades chinesas, vi uma aula de geografia com apresentação de pesquisas de futuros professores. A lousa digital e touchscreen permitia zoom na região do planeta usando o Google Earth. Pensei: "Quando conseguiremos usar essa tecnologia nas escolas e universidades públicas do Brasil?"
Isso tem um preço. No entanto, muitos cientistas brasileiros não possuem sequer um computador para trabalhar em casa. As bolsas de mestrado e doutorado servem apenas para a mera sobrevivência, sem reajuste anual, enquanto os salários de muitos cargos políticos são constantemente aumentados.
Minha visão se alinha com a de especialistas e políticos que afirmam que um sinônimo de soberania nacional é o investimento massivo em ciência e educação. Resta saber: quando isso se tornará realidade?
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Vozes da Educação é uma coluna semanal escrita por jovens do Salvaguarda, programa social de voluntários que auxiliam alunos da rede pública do Brasil a entrar na universidade. Revezam-se na autoria dos textos o fundador do programa, Vinícius De Andrade, e alunos auxiliados pelo Salvaguarda em todos os estados da federação. Siga o perfil do Salvaguarda no Instagram em @salvaguarda1.
Este texto foi escrito pelo professor e pesquisador especializado em educação Everton Fargoni e reflete a opinião do autor, não necessariamente a da DW.