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Como a crise entre Irã e EUA pode afetar os preços dos combustíveis no Brasil

País persa é o décimo maior produtor de petróleo do mundo; mais que isso, é um dos países que controlam o Estreito de Ormuz, por onde é escoado cerca de um quinto da produção global da commodity.

3 jan 2020 - 18h04
(atualizado às 23h36)
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Política de preços para a gasolina e o diesel no Brasil é de acompanhar a cotação internacional do barril de petróleo
Política de preços para a gasolina e o diesel no Brasil é de acompanhar a cotação internacional do barril de petróleo
Foto: PA / BBC News Brasil

*Matéria atualizada às 23h22 de 03/01/20

A escalada de tensão entre Irã e EUA nesta sexta-feira (03/01) levou o preço do petróleo ao maior valor desde o ataque a uma refinaria na Arábia Saudita, no mês de setembro.

Com a notícia da morte do general iraniano Qasem Soleimani, alvo de um ataque aéreo americano na quinta-feira, a cotação do barril do tipo Brent chegou a subir 4% na manhã desta sexta, elevando o preço a US$ 70.

O Irã é o décimo maior produtor de petróleo do mundo, de acordo com a Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep). Mais que isso, é um dos países que controlam o Estreito de Ormuz, a passagem que liga o Golfo Pérsico ao oceano, por onde é escoado cerca de um quinto da produção global da commodity.

É por isso que qualquer possibilidade de conflito na região pressiona para cima os preços. Um eventual bloqueio do Estreito de Ormuz reduziria drasticamente a oferta global de óleo cru, já que a produção de países como Iraque, Arábia Saudita e Emirados Árabes, além do próprio Irã, teria dificuldade para ser exportada.

Para todos os países que tomam como parâmetro as cotações internacionais para definir os preços de combustíveis, uma mudança no patamar de preço do petróleo significa reajuste da gasolina e do diesel.

Esse é o caso de Brasil. Aqui, os preços já vêm subindo desde outubro, afirma o economista-chefe da Macrosector consultores, Fabio Silveira, devido à valorização do dólar, outro componente importante na formação do preço, e pelo próprio comportamento da cotação do petróleo.

A morte do general iraniano intensifica uma tendência de alta que se desenhava desde o segundo semestre de 2019, destaca em relatório a economista da consultoria Oxford Economics Maya Senussi.

Além do ataque em setembro à refinaria da Saudi Aramco, a estatal de petróleo saudita, o cenário de melhora da demanda para 2020, com possível arrefecimento da guerra comercial entre China e EUA, e um controle da oferta por parte dos países da Opep (restringindo a venda de parte da produção) vinham elevando os preços nos últimos meses.

"Uma potencial interrupção no fornecimento causado por novas escaladas (de tensão) representam risco de aumento para os preços de petróleo no curto prazo, a despeito dos estoques hoje disponíveis e resultantes da restrição de oferta da Opep", ela avalia.

Gráfico
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Foto: BBC News Brasil

Soleimani era chefe de uma unidade da Guarda Revolucionária iraniana, a Força Quds, e um dos homens mais poderosos do Irã, apontado como um dos responsáveis pela estratégia militar e geopolítica do país.

Ele foi morto no Iraque, pouco depois de desembarcar com uma comitiva no aeroporto de Bagdá, em um bombardeio ordenado pelo presidente americano, Donald Trump.

A justificativa foi de que Soleimani teria provocado mortes de americanos no Oriente Médio e de que era um dos estrategistas por trás dos planos iranianos de novos ataques.

O líder supremo do Irã, aiatolá Ali Khamenei, e o presidente Hassan Rouhani prometeram retaliação.

"Dependendo da reação, a escalada de preços pode ser ainda pior", avalia Silveira. "De qualquer forma, não devemos voltar ao patamar de US$ 60 (do barril do tipo Brent) tão cedo", completa.

Soleimani (dir.) era considerado próximo do líder supremo do Irã, aiatolá Ali Khamenei
Soleimani (dir.) era considerado próximo do líder supremo do Irã, aiatolá Ali Khamenei
Foto: EPA / BBC News Brasil

'Se subir muito, complica'

Ao comentar a alta súbita do preço do petróleo nesta sexta, o presidente Jair Bolsonaro admitiu que os preços de combustíveis no Brasil devem sentir o impacto.

"Que vai afetar, vai", afirmou a jornalistas na saída do Palácio da Alvorada. "Agora vamos ver o nosso limite aqui", completou.

Nesse sentido, existe um temor de que o presidente possa intervir na política de preços da Petrobras para conter a alta de preços.

Isso porque, em abril do ano passado, a estatal chegou a suspender, por determinação de Bolsonaro, um reajuste no preço do diesel.

Diante da repercussão negativa — as ações da Petrobras chegaram a cair 8% em um dia —, o ministro da Economia, Paulo Guedes, tentou apaziguar o mercado e declarou, depois de uma reunião com o presidente, que ele "havia entendido como funcionava a formação de preços da estatal" e que não interferiria mais.

O receio por parte dos investidores tem um precedente recente — a intervenção na Petrobras marcou a gestão da ex-presidente Dilma Rousseff.

Entre 2014 e 2015, em um período em que o preço do barril de petróleo estava em alta e que a inflação estava pressionada no Brasil, o governo determinou que a petroleira vendesse combustíveis mais baratos do que a cotação internacional do petróleo exigiria.

Como a Petrobras, além de produzir, também importa combustível, essa política acabou impondo prejuízos bilionários à companhia, que afetaram seu desempenho até 2017.

Nesta sexta, quando questionado sobre sua posição em relação a um possível reajuste de preços após a alta do petróleo, Bolsonaro respondeu que "não pode tabelar nada", apesar de ter dito antes que, "se subir muito, complica".

Ruim para o consumidor, bom para a Petrobras

Preços mais altos podem aumentar faturamento da Petrobras com exportações
Preços mais altos podem aumentar faturamento da Petrobras com exportações
Foto: Ueslei Marcelino/Reuters / BBC News Brasil

Se uma alta deve pesar no bolso dos consumidores, que pagarão mais caro pela gasolina e pelo diesel, pode ser boa para o caixa da Petrobras.

A estatal tem produzido e exportado mais, destaca Silveira, especialmente com a exploração do Pré-Sal.

Em novembro, a produção atingiu 3,09 milhões de barris de petróleo por dia. Desse total, 2,065 milhões vieram da reserva, aumento de 42,5% em relação a novembro de 2018, conforme os números mais recentes da Associação Nacional do Petróleo (ANP).

"Um aumento nos preços de exportação pode ter impacto positivo inclusive na balança comercial brasileira", acrescenta o economista.

O que está acontecendo com EUA e Irã?

As tensões entre Estados Unidos e Irã são antigas, mas ganharam novo fôlego em 2018, quando o presidente Donald Trump decidiu reimpor as sanções que haviam sido suspensas em 2016 por seu antecessor.

Obama tomara a decisão depois de a Agência Internacional de Energia Atômica anunciar, em janeiro daquele ano, que o Irã havia cumprido os termos do acordo nuclear que havia firmado com os Estados Unidos e outros países em 2015.

Em maio de 2018, entretanto, Trump retirou os EUA do acordo e, meses depois, reintroduziu as sanções aos iranianos.

À medida que o embargo foi endurecendo, as tensões entre os dois países aumentaram. Os EUA chegaram a acusar o Irã de estar por trás do bombardeio à refinaria da Saudi Aramco em setembro — o que foi negado por Teerã.

A morte de Qassem Soleimani acontece após uma troca de ofensivas entre os dois países que começou no dia 27 de dezembro, quando uma base militar de aliados americanos foi atacada no Iraque.

Os americanos retaliaram no dia 29 e, na véspera de Ano Novo, milícias iraquianas — segundo Trump, cumprindo ordens do Irã — invadiram o perímetro da Embaixada dos EUA em Bagdá, que ficou sitiada por 24 horas.

Na noite desta sexta-feira (3), o Itamaraty publicou nota afirmando que "ao tomar conhecimento das ações conduzidas pelos EUA nos últimos dias no Iraque, o Governo brasileiro manifesta seu apoio à luta contra o flagelo do terrorismo".

"O Brasil acompanha com atenção os desdobramentos da ação no Iraque, inclusive seu impacto sobre os preços do petróleo", acrescentou o ministério das Relações Exteriores.

A nota assegura que o governo brasileiro se soma aos esforços para evitar uma escalada de conflitos entre as partes, mas condena nominalmente "os ataques à Embaixada dos EUA em Bagdá".

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