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Como a emergência climática afeta diretamente a educação pública no Brasil

Mais de 700 escolas brasileiras estão em área de risco hidrológico, 75% delas pertencentes ao sistema público, enquanto mais de 1.700 escolas se localizam em áreas mapeadas como de risco geológico

4 nov 2024 - 09h08
(atualizado em 5/11/2024 às 18h32)
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A educação é atribuída como a chave para o progresso em qualquer sociedade. Garantida como direito a todos os cidadãos brasileiros pelo Artigo 205 da Constituição, a educação também sofre a cada ano com prejuízos por conta de eventos climáticos extremos, o que intensifica desigualdades já existentes, com impacto maior para grupos de pessoas historicamente vulnerabilizadas. Esses impactos desproporcionais materializam o racismo ambiental, uma vez que afetam de forma mais severa pessoas negras e populações e comunidades tradicionais (PCTs).

Dados do IBGE de 2022 indicaram que metade das crianças de até 14 anos, grupo que engloba estudantes da educação infantil e do ensino fundamental, se encontravam em situação de pobreza. No mesmo ano, o percentual de crianças sem acesso à alfabetização no Brasil dobrou em relação a 2020, com salto de 1,9% para 3,8%, com impacto direto na aprendizagem, especialmente entre crianças negras, indígenas, do Norte e Nordeste, e meninos.

Além disso, a evasão escolar é particularmente preocupante entre jovens de 14 a 29 anos, já que grande parte dos que abandonam a escola são pretos ou pardos, dado que reflete a persistente desigualdade racial e social no sistema educacional brasileiro.

Dado alarmante que ganha mais corpo junto a um levantamento da UNICEF, do mesmo ano, que apresentou que 40 milhões de crianças e adolescentes vivem expostos a riscos climáticos no Brasil, que já são perceptíveis de Norte a Sul. Em setembro de 2023, a histórica seca no estado do Amazonas resultou em mais de 2 mil alunos sem acesso às salas de aula, conforme indicadores do governo estadual.

Já em 2024, as comunidades indígenas Tabalascada e Canauanim, em Roraima, suspenderam as aulas devido à fumaça de focos de incêndio, que comprometeu gravemente a qualidade do ar, afetando mais de 300 estudantes.

No Rio Grande do Sul, as enchentes históricas causaram a paralisação das atividades escolares para 400 mil alunos, com mais de 1.800 escolas obrigadas a interromper suas atividades. As interrupções nas aulas não apenas comprometem o aprendizado, mas também lançam luz sobre desigualdades.

Essas recentes interrupções não são apenas estatísticas, mas um reflexo de uma crise mais ampla. E não é necessário colher exemplos apenas de eventos fora da curva, como foi o cenário das escolas gaúchas. Um relatório de 2023 das Nações Unidas indicou que mais de 700 escolas ao redor do país estão em área de risco hidrológico, 75% delas pertencentes ao sistema público, enquanto mais de 1.700 escolas se localizam em áreas mapeadas como de risco geológico.

A situação climática no Brasil é tão severa que o Ministério da Educação, diante da gravidade da crise, lançou orientações para que redes de ensino e escolas adotem medidas preventivas contra os efeitos da fumaça proveniente das queimadas e da seca histórica de 2024.

Insegurança alimentar agrava o problema

As paralisações ou mudanças na rotina de ensino exacerbam outro problema. Para muitos estudantes, a falta de aulas resulta em insegurança alimentar. Dados da Organização das Nações Unidades (ONU) de 2022 mostraram que no Brasil cerca de 40 milhões de estudantes da rede pública são beneficiados pela merenda escolar. A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios de 2024 mostra que as regiões Norte e Nordeste apresentaram os maiores índices de fome, com as áreas rurais sendo as mais impactadas. As residências de pessoas negras sofrem o dobro com a fome, totalizando 69%.

Todo esse cenário me faz resgatar uma frase atribuída a Paulo Freire: "Educação não transforma o mundo. Educação muda pessoas. Pessoas transformam o mundo." Tal afirmação demonstra a necessidade de que as redes de ensino implementem a educação climática desde a educação infantil, não apenas como alerta para o momento atual, mas como forma de conscientização e prevenção.

Um bom exemplo é a implementação de uma disciplina obrigatória sobre Educação Ambiental na rede de ensino estadual do Pará. O Governo do Estado do Pará, território parceiro da Motriz, estima que mais de 500 mil alunos terão aula semanal sobre o tema. Este movimento é fundamental e serve como exemplo a ser seguido.

Isso envolve não apenas o ensino da ciência do clima, mas também o que acontece quando a crise climática encontra uma sociedade estruturalmente desigual. É preciso falar de justiça climática. Ao formar estudantes aptos a reconhecer e analisar os impactos desiguais das mudanças climáticas em suas comunidades, as instituições de ensino podem cultivar uma geração de cidadãos críticos e engajados. Como atribuído a John Dewey, filósofo e pedagogo estadunidense, "a educação não é apenas um preparo para a vida futura; é a própria vida".

Mudanças climáticas no currículo escolar

Felizmente, a partir de 2025, daremos um importante passo. Os temas de mudanças climáticas e proteção da biodiversidade passarão a integrar projetos institucionais e pedagógicos da educação básica e da educação superior, medida estabelecida pela Lei 14.926 de 17 de julho de 2024.

No entanto, para que essa mudança seja eficaz, é fundamental que a implementação vá além da simples adição de tópicos ao currículo. Ela deve estar atrelada a metodologias pedagógicas que incentivem o pensamento crítico, o debate e o mais importante: a prática.

Um levantamento interno da Motriz, organização na qual atuo como Diretora Executiva, realizado em 2023 sobre Educação para a Sustentabilidade, buscou avaliar o conhecimento, sentimentos e as práticas de 19 mil estudantes dos anos finais do Ensino Fundamental em relação ao seu território. A pesquisa, conduzida em sete municípios da Amazônia (Itacoatiara, Manicoré, Presidente Figueiredo, Moju, Ulianópolis, Marabá e Porto Velho), revelou que um terço dos estudantes não estão convictos de que as queimadas e o desmatamento na Amazônia estão fazendo o clima mudar.

Em contrapartida, entre 2023 e 2024, a Amazônia concentrou 48% dos focos de incêndio do Brasil, segundo levantamento de setembro de 2024 do BD Queimadas do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais. Um ano antes, em meio a seca histórica, a Secretaria Municipal de Educação de Manaus optou encerrar o ano letivo antecipadamente para alunos de escolas ribeirinhas do Rio Negro, já que os baixos níveis do rio dificultaram o deslocamento de professores e alunos até as unidades escolares. Como país, ainda brigamos muito para que todas as crianças tenham pelo menos 200 dias letivos de aula por ano, mas de que adianta todo esse esforço se não conseguimos garantir que elas sequer cheguem à escola?

Não há espaço ou tempo para que haja dúvidas sobre os impactos das mudanças climáticas e a educação é o principal agente no combate a este problema. Diante do alarmante cenário brasileiro, é de extrema importância que o Brasil, enquanto anfitrião da Conferência das Partes (COP) 30 em 2025, utilize o evento como uma plataforma para integrar a educação como um eixo central nas discussões sobre mudanças climáticas e como impulsionador do Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 4, da ONU, que visa garantir uma educação inclusiva e de qualidade.

Como principal agente do cenário climático em 2025, a COP 30 deve servir como catalisadora para que tenhamos cada vez mais estudantes, independentemente de sua raça, condição social ou origem ou localização, com acesso a uma educação que não só informa, mas forma e empodera cidadãos conscientes e protagonistas. E não podemos perder essa oportunidade, de gerar líderes e mentes preparados para os desafios de um mundo em constante mudança.

Colocando a educação no centro, garantimos que as próximas gerações tenham as ferramentas necessárias não só para enfrentar as mudanças no clima, mas também para mudar o clima — em sentido amplo. Porque, assim como o clima impacta a educação, uma educação transformadora tem o poder de influenciar o clima que queremos e precisamos para o futuro.

The Conversation
The Conversation
Foto: The Conversation

Joice Toyota não presta consultoria, trabalha, possui ações ou recebe financiamento de qualquer empresa ou organização que poderia se beneficiar com a publicação deste artigo e não revelou nenhum vínculo relevante além de seu cargo acadêmico.

The Conversation Este artigo foi publicado no The Conversation Brasil e reproduzido aqui sob a licença Creative Commons
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