Como a Indonésia se converteu em um país de 'ricos loucos'
A nação com a maior população muçulmana do mundo tem uma classe média em rápido crescimento - e algumas pessoas estão jogando dinheiro fora para ostentar a riqueza.
O convite colorido em nossa geladeira dizia que seria uma festa de aniversário com tema canino.
"Isso é fofo", pensei - e diferente. Tradicionalmente, neste país, os cães não são queridos ou bem cuidados.
Mas essa não foi a única surpresa. Para celebrar a menininha que completava seis anos, sua família transformou um terreno vazio em Menteng, a área mais cara de Jacarta, em um parque para o dia.
Seguranças nos escoltavam da rua para um outro mundo. Grama real - uma coisa incrivelmente rara nesta selva de concreto - havia sido colocada ali. Havia também árvores adultas e uma pista de obstáculo.
A Indonésia, a nação com a maior população muçulmana do mundo, abriga uma classe média em rápido crescimento. E isso deu origem a um fenômeno impressionante - os chamados "ricos loucos" indonésios.
Em um canto, um "cabeleireiro" dava um trato especial nos cachorros levados especialmente para a festinha: além de banho, ganhavam massagens. Do outro lado havia uma tenda com ar condicionado, onde os pais tomavam café gelado feito na hora - e, mais tarde, vinho. Por conta dos impostos, vinho é uma coisa cara na Indonésia.
O meio do "parque" estava cheio de balões em formato de cachorro, havia um artista fazendo bolhas de sabão e uma estação de fazer slime - a massinha viscosa que é uma febre mundial entre as crianças.
Essa festa aconteceu em outubro. Eu acabara de voltar de Palu, na ilha de Sulawesi, atingida por um tsunami e um terremoto, onde eu relatei a destruição, tristeza e devastação por ali. Aquele evento era um contraste bizarro e quase surreal.
"O que será que vem depois disso?", sussurrei para uma outra mãe. "O que uma festa de 18 anos precisa ter, se continuar desse jeito?"
"Não é o que as crianças querem, é realmente algo para os pais", ela respondeu.
Festas de Hollywood
A sacola com lembrancinhas que eles deram na saída tinha três vezes o tamanho do presente que havíamos levado.
Não sei por que ainda estou surpresa. Festas como essa se tornaram comuns entre as crianças indonésias de classe alta com as quais meus filhos agora estudam.
Uma família contratou uma empresa cinematográfica para reeditar o blockbuster de Hollywood Esquadrão Suicida para que a aniversariante aparecesse como personagem em cenas-chave. As crianças assistiram em uma tela do tamanho de um cinema no salão de festas de um hotel chique.
Naquela ocasião, eu havia retornado recentemente de uma viagem à remota província de Papua, onde eu estava cobrindo uma crise de saúde infantil - pequenas crianças desnutridas morrendo em um surto de sarampo.
Quando o filme Podres de Ricos (Crazy Rich Asians, ou Ricos Loucos Asiáticos, em inglês) foi lançado em setembro, as pessoas entraram no Twitter para contar histórias dos "indonésios ricos e malucos" que conheciam, particularmente na segunda maior cidade do país, Surabaia.
A hashtag #crazyrichsurabayans começou a aparecer nas redes sociais depois que uma professora de uma escola de elite compartilhou anedotas sobre a família de um de seus alunos - histórias sobre eles viajando para tomar vacinas no Japão ou passar feriados na Europa. Ela agora está escrevendo um livro sobre isso e fala-se de um filme.
Recentemente, o casamento de luxo de um casal de Surabaya foi apelidado de evento Crazy Rich Surabayans (Ricos Loucos de Surabaia) pela mídia local. Centenas de convidados da Indonésia e do exterior compareceram, foi noticiado, e todos disseram ter participado de um sorteio de um carro esporte da Jaguar.
Ostentação
Muitos membros da crescente classe média alta da Indonésia, concentrada exclusivamente no oeste do país, têm uma quantidade de dinheiro com a qual seus pais nunca teriam sonhado. E a maioria deles pensa que é normal, e talvez até essencial, ostentar essa riqueza.
Após uma redução maciça na taxa de pobreza do país nas duas últimas décadas, um em cada cinco indonésios pertence agora à classe média.
Eles estão surfando na onda do boom de commodities - explorando os ricos recursos naturais deste vasto arquipélago, incluindo extração de madeira, óleo de palma, carvão, ouro e cobre.
Tudo isso aliado a fortes investimentos internos, impostos baixos e pouca aplicação das leis trabalhistas significa que aqueles que sabem entrar nesse jogo estão fazendo muito dinheiro.
Vivendo do lixo dos ricos
Salimun é um dos muitos que não entendem esse sistema - mas, de certa forma, também conseguiu um futuro para seus filhos que é muito diferente de sua própria vida.
Ele é um carroceiro que ganha um salário mínimo de US$ 254 (R$ 994) por mês para tirar o lixo das casas ricas em Menteng - grandes montanhas de plástico em frente a mansões de concreto de inspiração greco-romana.
Ele arrasta pelas ruas sua pequena carroça de madeira recolhendo no lixo objetos que possam ser revendidos.
Salimun vive em um quarto atrás de nossa casa - ele praticamente veio junto com a propriedade. Ele estava lá quando fomos visitar a casa para decidir se a alugaríamos e perguntou se ele poderia ficar.
Fico feliz por o termos deixado viver ali - ele se tornou praticamente um tio para meus filhos.
Quando limpei meu guarda-roupa e deixei um par de botas de couro de salto alto que não usava mais na frente de casa para doar, encontrei-o usando-as. Ele cortou os saltos e ficou muito satisfeito com elas.
Tudo o que ele ganha, ele envia para casa para sua família em uma aldeia no centro de Java, indo para lá apenas uma vez por ano. O dinheiro do desperdício dos ricos fez com que seus filhos terminassem o ensino médio e agora tivessem empregos na manufatura, produzindo mercadorias para as lojas nos gigantes shoppings reluzentes de Jacarta.
"O que é um iPad?", ele uma vez me perguntou. "Meu filho diz que ele precisa de um. Como isso funciona?"
Eu falei para ele não pagar por um, sugerindo uma alternativa mais barata.
Uma vez, sua filha veio passar um período com ele. Ela parecia muito interessada em seu telefone, mostrando que mesmo nao sendo de uma família de loucos ricos, a próxima geração já é de consumidores bem antenados.