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Como limites constitucionais sempre contiveram ambições ditatoriais de presidentes nos EUA

A mecânica de alterar a democracia americana implicaria a superação de um denso emaranhado de obstáculos constitucionais, burocráticos, legais e políticos.

20 jan 2025 - 07h49
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Desde que o Congresso dos EUA se reuniu pela primeira vez em 1789, ele tem sido uma importante instância de controle do poder do presidente, que também enfrentaria imensos obstáculos institucionais, legais e burocráticos para instaurar uma autocracia Allyn Cox, via Architect of the Capitol
Desde que o Congresso dos EUA se reuniu pela primeira vez em 1789, ele tem sido uma importante instância de controle do poder do presidente, que também enfrentaria imensos obstáculos institucionais, legais e burocráticos para instaurar uma autocracia Allyn Cox, via Architect of the Capitol
Foto: The Conversation

Com a chegada da segunda posse de Donald Trump na Presidência dos EUA, as preocupações de que ele ameace a democracia americana aumentam mais uma vez. Alguns alertas citaram a retórica autoritária de Trump, a disposição de minar ou difamar instituições destinadas a restringir as ações de qualquer presidente e um estilo combativo que se esforça para ampliar o alcance do Poder Executivo o máximo possível.

O autoritarismo corrói os direitos de propriedade e o Estado de Direito, de modo que os mercados financeiros normalmente respondem com alarme à agitação política. Se os principais investidores e corporações realmente acreditassem que os Estados Unidos estivessem à beira de uma ditadura, haveria uma fuga de capital em larga escala, vendas de ações, picos nos swaps de inadimplência de crédito dos EUA ou aumento nos rendimentos dos títulos sem explicação por fatores macroeconômicos típicos, como previsões de inflação.

Em vez disso, não houve sinais sistemáticos de tais reações do mercado, nem um êxodo de investidores dos mercados americanos. Muito pelo contrário.

Essa ausência de alarme não é uma prova conclusiva de que a democracia está segura para sempre, nem de que Trump não pode prejudicar a democracia americana de forma alguma. Mas sugere que instituições e investidores que literalmente apostam em resultados políticos para viver não consideram uma autocracia americana iminente ou mesmo provável.

Provavelmente, isso se deve ao fato de que a mecânica de derrubar a democracia americana implicaria a superação de um espesso emaranhado de obstáculos constitucionais, burocráticos, legais e políticos. Como economista político que escreveu amplamente sobre os fundamentos constitucionais das democracias modernas, afirmo que fazer isso é muito mais complicado do que um homem simplesmente emitir ordens executivas inflamadas.

Um grupo de homens vestidos formalmente se reúne em torno de uma pequena mesa com um pedaço de papel sobre ela.
Um grupo de homens vestidos formalmente se reúne em torno de uma pequena mesa com um pedaço de papel sobre ela.
Foto: The Conversation
A primeira leitura da Proclamação de Emancipação para o Gabinete de Abraham Lincoln marcou um momento em que um presidente americano assumiu um poder significativo.VCG Wilson/Corbis via Getty Images

Presidentes têm conquistado mais poder

Ao longo da história americana, os presidentes conseguiram expansões muito maiores do Poder Executivo do que Trump conseguiu em seu primeiro mandato.

Abraham Lincoln suspendeu o habeas corpus durante a Guerra Civil, permitindo a detenção sem julgamento. Ele contornou o Congresso por meio de ações executivas abrangentes, principalmente a Emancipation Proclamation (Proclamação de Emancipação), que declarou a liberdade para os escravizados nos estados confederados.

Woodrow Wilson criou agências administrativas e impôs censura draconiana durante a Primeira Guerra Mundial por meio da Lei de Espionagem de 1917 e da Lei de Sedição de 1918.

O plano de alteração na composição de tribunais de Franklin D. Roosevelt não foi aprovado, mas ainda assim intimidou a Suprema Corte. Seu New Deal centralizou vastas responsabilidades no Poder Executivo.

Lyndon B. Johnson obteve a Resolução do Golfo de Tonkin, transferindo os principais poderes de guerra do Congresso para a Presidência. Richard Nixon invocou privilégio do Executivo e ordenou bombardeios secretos no Camboja, medidas que contornaram amplamente a supervisão do Congresso.

George W. Bush expandiu as prerrogativas do Executivo após o 11 de setembro com escutas telefônicas sem mandado e detenção indefinida. Barack Obama foi criticado pela lógica jurídica duvidosa por trás dos ataques de drones contra cidadãos americanos considerados combatentes inimigos no exterior.

No entanto, esses exemplos históricos não devem ser confundidos com uma capacidade real de impor o governo de um homem só. Os Estados Unidos, quaisquer que sejam suas imperfeições, têm um sistema de freios e contrapesos em muitas camadas que tem frustrado repetidamente presidentes de ambos os partidos quando tentam governar por decreto.

O estilo abertamente combativo de Trump foi, em muitos aspectos, menos hábil em consolidar o poder presidencial do que muitos de seus antecessores. Durante seu primeiro mandato, ele transmitiu suas intenções de forma tão transparente que galvanizou inúmeras forças institucionais - juízes, burocratas, funcionários públicos, inspetores gerais - para resistir a suas tentativas. Embora a retórica de Trump tenha sido mais incendiária, outros presidentes conseguiram expansões mais amplas do Poder Executivo de forma mais discreta.

Um homem está em frente a uma bandeira dos EUA segurando um pedaço de papel.
Um homem está em frente a uma bandeira dos EUA segurando um pedaço de papel.
Foto: The Conversation
O então vice-presidente Mike Pence preside a certificação dos resultados da eleição presidencial de 2020 em 6 de janeiro de 2021.Saul Loeb/POOL/AFP via Getty Images

Plano de Trump nunca foi realista

O fracasso de Trump em impor sua vontade ficou particularmente evidente em 6 de janeiro de 2021, quando as alegações de que um "autogolpe" estava em andamento nunca se traduziram na mecânica do mundo real que o teria mantido no cargo além do final de seu mandato.

Mesmo antes de a Lei de Reforma da Contagem Eleitoral tornar o processo mais claro em 2022, acadêmicos concordam que, de acordo com a 12ª Emenda, o papel do vice-presidente na certificação da eleição é puramente ministerial, não lhe dando base constitucional para substituir ou descartar votos eleitorais certificados. Da mesma forma, as leis estaduais determinam que a certificação é um dever obrigatório e ministerial, impedindo que as autoridades se recusem arbitrariamente a certificar os resultados das eleições.

Se Pence tivesse se recusado a certificar a contagem de votos do Colégio Eleitoral, é mais do que provável que os tribunais teriam rapidamente ordenado que o Congresso prosseguisse. Além disso, a 20ª Emenda fixou o meio-dia de 20 de janeiro como o fim do mandato do presidente que está deixando o cargo, tornando impossível para Trump permanecer no poder apenas criando atrasos ou confusão.

A ideia de que a recusa de Pence em certificar os resultados da eleição de 2020 poderia apagar os votos certificados pelos estados ou coagir o Congresso a aceitar chapas alternativas não tinha base sólida na lei ou em precedentes. Depois de 20 de janeiro, o presidente cessante simplesmente deixaria de exercer o cargo. Assim, a cadeia de eventos necessária para que um autogolpe ocorresse em 2021 teria desmoronado sob o peso de procedimentos bem estabelecidos.

Uma enorme burocracia

As possíveis vias de consolidação do poder durante o segundo mandato de Trump são igualmente estreitas. A burocracia federal torna extremamente difícil para um presidente governar por decreto.

Só o Departamento de Justiça tem cerca de 115.000 funcionários, incluindo mais de 10.000 advogados e 13.000 agentes do FBI, a maioria deles funcionários públicos de carreira protegidos pela Lei de Reforma do Serviço Civil e leis de denúncia. Eles têm seus próprios padrões profissionais e podem contestar ou revelar interferências políticas. Se um governo tentar removê-los em massa, ele se depara com processos de apelação prolongados, restrições legais, a necessidade de realizar uma série de longas verificações de antecedentes e uma perda incapacitante de conhecimento institucional.

Episódios passados, incluindo as demissões de procuradores dos EUA por motivos políticos do governo George W. Bush em 2006 e 2007, ilustram que a supervisão do Congresso e as práticas internas do departamento ainda podem produzir grandes reações, demissões e escândalos que impedem a interferência política no Departamento de Justiça.

As agências reguladoras independentes também resistem a serem dominadas pelo presidente. Muitas são projetadas para que não mais do que três dos cinco comissários possam pertencer ao mesmo partido político, garantindo em alguma medida uma representação bipartidária. Os comissários minoritários podem empregar uma série de ferramentas processuais - atrasar votações, exigir estudos abrangentes, convocar audiências - que retardam ou bloqueiam propostas controversas. Isso dificulta a imposição unilateral de políticas por um único líder. Esses comissários minoritários também podem alertar a mídia e o Congresso sobre ações questionáveis, permitindo a abertura de investigações ou escrutínio público.

Além disso, uma decisão da Suprema Corte de 2024 transferiu o poder de interpretar as leis federais, conforme aprovadas pelo Congresso, para longe dos órgãos governamentais do Poder Executivo. Agora, os juízes federais desempenham um papel mais ativo na determinação do significado das palavras do Congresso. Isso exige que os órgãos governamentais operem dentro de limites mais restritos e produzam evidências mais fortes para justificar suas decisões. Em termos práticos, um governo agora tem menos margem de manobra para ampliar os estatutos com fins partidários ou autoritários sem encontrar resistência judicial.

Um grupo de nove pessoas vestindo túnicas pretas posa para um retrato.
Um grupo de nove pessoas vestindo túnicas pretas posa para um retrato.
Foto: The Conversation
Os juízes federais têm mais poder para interpretar a intenção do Congresso hoje do que nos últimos anos.Suprema Corte dos EUA

Defesas em camadas

A democracia americana tem vulnerabilidades, e outras democracias já entraram em colapso sob o comando de executivos poderosos. Mas, na minha opinião, não é razoável tirar lições definitivas de um pequeno número de exceções extremas, como Hitler em 1933 ou o punhado de líderes eleitos que encenaram autogolpes mais recentes em democracias frágeis ou em desenvolvimento, como Argentina, Peru, Turquia e até mesmo Hungria.

Os Estados Unidos se destacam por ter um sistema federal complexo, práticas jurídicas arraigadas e várias camadas de atrito institucional. Historicamente, essas proteções têm se mostrado hábeis em limitar o alcance do poder presidencial, seja ele sutil ou bombástico.

Além disso, políticos em nível estadual, incluindo procuradores-gerais e governadores, têm demonstrado repetidamente sua disposição de desafiar o alcance federal por meio de litígio e não cooperação.

A cultura profissional das Forças Armadas de controle civil e fidelidade constitucional, consistentemente mantidos pelos tribunais, oferece outra salvaguarda. Por exemplo, em 1952, a decisão da Suprema Corte em Youngstown Sheet and Tube Co. v. Sawyer reverteu a ordem do presidente Harry Truman para que militares confiscassem usinas siderúrgicas privadas para garantir o abastecimento durante a Guerra da Coreia.

Todos esses controles institucionais são reforçados por uma sociedade civil robusta que pode mobilizar desafios legais, campanhas de defesa e resistência popular. As empresas podem exercer influência econômica por meio de declarações públicas, decisões de financiamento de campanhas e posições políticas - como muitas fizeram após o dia 6 de janeiro.

Em conjunto, essas camadas sobrepostas de resistência tornam o caminho para a autocracia nos EUA muito mais desafiador do que muitos observadores casuais podem supor. Essas proteções também podem explicar por que a maioria dos americanos está resignada com o segundo mandato de Trump: Muitos podem ter percebido que o futuro democrático da nação não está em jogo - e provavelmente nunca esteve.

The Conversation
The Conversation
Foto: The Conversation

Victor Menaldo não presta consultoria, trabalha, possui ações ou recebe financiamento de qualquer empresa ou organização que poderia se beneficiar com a publicação deste artigo e não revelou nenhum vínculo relevante além de seu cargo acadêmico.

The Conversation Este artigo foi publicado no The Conversation Brasil e reproduzido aqui sob a licença Creative Commons
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